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Serra de Monchique. Foto: Becca Jane/Pixabay

Nove factos sobre o valor botânico incalculável da Serra de Monchique

10.08.2018

Ainda não se sabe ao certo o que o fogo fez à Serra de Monchique. Ou o que restou. O que se sabe é que, antes, a Serra tinha um valor botânico incalculável. O investigador Carlos Vila-Viçosa ajudou-nos a descobrir factos fascinantes sobre as raridades, as relíquias, as espécies que não existem em mais lugar nenhum.

 

Falar da Serra de Monchique implica falar de flores, musgos, fetos, árvores e arbustos. Neste mundo botânico, que tem motivado inúmeras expedições naturalistas ao longo dos anos, há raridades, relíquias com milhões de anos, endemismos, espécies de árvores que se cruzaram umas com as outras formando subespécies ou mesmo espécies novas.

“É um património natural de valor incalculável”, disse à Wilder Carlos Vila-Viçosa, especialista em geobotânica.

Aqui ficam nove factos que o provam.

 

Condições únicas

Na Serra de Monchique há bosques-relíquia e tipos de vegetação do Mioceno (ou seja, de há entre 23 e 5 milhões de anos), mantidos ainda hoje por uma situação única. A proximidade ao oceano Atlântico e a influência do relevo (900 metros de altitude na Fóia) promovem o aumento da precipitação anual, em especial a manutenção de precipitação oculta de Verão. Esta resulta dos nevoeiros que se aproximam vindos do mar e permitiu ao longo do tempo manter inúmeros tesouros botânicos.

 

O emblemático carvalho-de-monchique

Um dos exemplos mais paradigmáticos destas relíquias são os carvalhais de carvalho-de-monchique (Quercus canariensis). Esta é, talvez, a mais emblemática das árvores nativas da Serra de Monchique, encontrada em pequenos bosquetes nos vales mais declivosos da serra. Até antes deste incêndio, que terá destruído cerca de 27.000 hectares de terrenos entre 3 e 9 de Agosto, haveria pouco mais de 250 carvalhos-de-monchique em território nacional. A maior população situa-se perto de Relva Grande, em São Teotónio, contando com pouco mais de 50 indivíduos, que escaparam por escassos quilómetros a este incêndio.

 

Outras relíquias

Ao longo dos séculos, a vegetação comum da serra foi recuando e hoje muitas espécies ganharam o estatuto de relíquias. Entre elas encontram-se o loureiro (Laurus nobilis), o amieiro negro (Frangula alnus subsp. baetica), o aderno (Phillyrea latifolia) e a faia-das-ilhas (Myrica faya) – comum nos Açores e bastante rara no Sudoeste – por vezes acompanhada do tojo raro Genista ancistrocarpa, com as suas flores amarelas, típico do Norte e que no Sul se preservou em áreas com compensação hídrica. Existem ainda os típicos rododendros (Rhododendron ponticum) que, com o amieiro negro e a planta de flores lilases Campanula primulifolia fazem uma comunidade única deste território que, em tempos, foi a vegetação potencial e que agora se “encaixa” nas orlas de outros bosques (amiais e carvalhais).

 

Monchique, um melting pot

Esta serra é um verdadeiro melting pot de tipos de flora do Norte da Europa e do Norte de África que ali se refugiaram ao longo dos séculos e ficaram, por terem condições ideais para viver. Por exemplo, a Campanula primuliolia aproxima-se da Campanula alata do Norte de África, o que dá um significado especial aos amiais onde ocorre, relacionando floristicamente os bosques ripícolas de Monchique aos da Beberia. E depois há a flora típica do Norte da Europa, como o azevinho (Ilex aquifolium). Assim, Monchique reúne diversos tipos de flora, com diferentes origens: a flora da Europa do Norte, que se contraiu para Sul no período interglaciar, e a flora típica da Macaronésia e do Norte de África que regrediu e “fugiu” para as ilhas. Como representantes desta flora, temos os fetos Cheilantes guanchica  e Davallia canariensis.

 

Flores raras e um dente-de-leão que só existe na Fóia

São várias as flores que ocorrem em Monchique e que também ocorrem no Norte. Uma é a Ranunculus bupleuroides. Apesar de ter populações no Centro-Norte e Norte do país, na Serra de Monchique forma uma comunidade rupícola única com a, também rara, Silene mellifera. Nesta lista de raridades surge também a Agrostis curtisii, a raríssima Succisa pinnatifida (comum na Laurissilva dos Açores) e o dente-de-leão Taraxacum pinto-silvae. Esta planta, típica de zonas de montanha, distribui-se pelas serras da Estrela e do Gerês. Em Monchique “encontra-se” com outra da mesma secção (Sect. Celtica), planta exclusivamente endémica e que apenas vive em quatro quilómetros quadrados na Fóia, com registos históricos na Picota (Taraxacum triforme) redescoberto pelo naturalista Nelson Fonseca. Este endemismo conta ainda com uma “variedade” descrita no passado como uma espécie diferente (Taraxacum algarbiense), também endémica dos cumes da serra de Monchique. Toda esta flora excepcional tornam Monchique e o sudoeste português num laboratório excepcional para estudos de evolução e sistemática em flora do Mediterrâneo ocidental e também em vegetação e biogeografia.

 

Em Monchique há quase todas as espécies de carvalhos de Portugal

Em Monchique podemos encontrar quase todos os carvalhos da flora nacional, à excepção do carvalho-pubescente (Quercus pubescens) e se pensarmos na flora ibérica só faltaria o Quercus ilex e o Quercus petraea.

 

Carvalhos únicos

A constante hibridação entre espécies de carvalhos torna mais difícil identificá-los mas enriquece a diversidade do género naquela região. Recentemente foi encontrada uma subespécie de carvalho-alvarinho (Quercus robur), a Quercus robur subsp estremadurensis. Esta foi descrita pelo botânico alemão Otto Schwarz que estudou aprofundadamente os carvalhos ibéricos na década de 30 do século passado. Este carvalho, que também existe no Norte de África, forma pequenos bosquetes com a peculiar Campanula primulifolia, nomedamente em ribeiras e em áreas com compensação hídrica (maior proximidade ao lençol freático). Acredita-se que tenha sido o bosque potencial da área hiper-húmida da Foia. Outro exemplo é o Quercus x marianica C. Vicioso, híbrido entre o carvalho-de-monchique e o carvalho-cerquinho, que acaba por dominar alguns bosques do Sudoeste ibérico.

 

Musgo prova que já houve turfeiras na Fóia

A Fóia é uma área que, potencialmente, guarda tesouros botânicos ainda por desvendar. Os investigadores estão a descobrir que há subespécies próprias na Fóia – como algumas gramíneas -, além das raridades, como o musgo Sphagnum cf. auriculatum que testemunha a existência no passado, de turfeiras nesta área. De momento está a ser estudada uma nova espécie de musgo, endémica de Monchique.

 

Resiliência

Apesar do desordenamento territorial e as monoculturas de eucalipto, que agravam o efeito e severidade dos incêndios, estes habitats e flora nativa apresentam alguma resiliência e capacidade de recuperação, tendo um valor patrimonial e de conservação da biodiversidade incalculáveis.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Carlos Vila Viçosa 

Especialista em Geobotânica, trabalhou de 2006 a 2012 em Monchique e no Sudoeste português num projecto de tese sobre a Análise Biogeografica do Distrito Monchiquense, com orientação na altura de Carlos Pinto Gomes. Apoiado actualmente por Paulo Alves, Jorge Capelo, Francisco Vázquez e Rubim Almeida. Candidato de phd no CIBIO-InBIO, nomeadamente com o estudo da relação evolutiva dos carvalhos cerquinhos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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