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um abutre-preto a voar
Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

No Alentejo há uma cria de abutre-preto quase a sair do ninho

13.07.2017

Este ano nasceu no Alentejo uma cria de abutre-preto, espécie Criticamente Em Perigo de extinção e a maior ave de rapina da Europa, revelou hoje a Liga para a Protecção da Natureza (LPN). Tem três meses de idade e um “nome”: 7M.

 

Apenas cerca de 20 casais de abutre-preto (Aegypius monachus) fazem ninho em Portugal. Concentram-se em três núcleos: Tejo Internacional, Douro Internacional e Baixo Alentejo. Este ano há uma cria no Douro Internacional e seis no Tejo Internacional, disse hoje à Wilder Carlos Pacheco, biólogo que acompanha a evolução desta espécie há vários anos. Mas de momento, estes dados – obtidos por este especialista e pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) – ainda são provisórios.

Em relação ao núcleo do Baixo Alentejo, a informação já é a definitiva. Este ano, pelo menos três casais nidificaram na Herdade da Contenda (concelho de Moura).

Dois deles fizeram postura de um ovo, como é característico da espécie, dos quais nasceram duas crias. Uma delas sobreviveu apenas alguns dias, mas a outra, uma fêmea, está em perfeitas condições físicas.

 

A cria de abutre-preto que nasceu este ano na Contenda. Foto: Carlos Pacheco

 

“Não conseguimos determinar a causa da morte daquela cria”, disse à Wilder Eduardo Santos, responsável da LPN, entidade que trabalha há vários anos para dar à espécie as condições necessárias para sobreviver. “Os primeiros dias de vida são muito críticos. Conseguimos observar a cria pouco tempo depois de ter nascido e estava com os progenitores. Parecia bem. Mas passado algum tempo já não estava no ninho.”

A fêmea 7M já tem a sua anilha, de cor vermelha e letras brancas, o que permitirá identificá-la quando deixar o ninho. O seu primeiro voo deverá acontecer lá para Agosto.

Esta é a segunda fêmea de abutre-preto a nascer na Contenda. A primeira, 7E, nasceu em 2015 e foi a primeira a nascer no Alentejo no espaço de mais de 40 anos. No ano passado, o núcleo alentejano conseguiu um macho, 7K.

Tanto 7E como 7K têm sido observados na zona. “Temos conseguido observá-los e confirmar que se mantêm nesta região”, explicou Eduardo Santos. Um dos locais onde estas jovens aves foram vistas foi no campo de alimentação de abutres.

O projecto para tentar formar um núcleo reprodutor desta espécie no Baixo Alentejo começou no âmbito do Projecto Life Lince Abutre (de Janeiro de 2010 a Setembro de 2014), através de várias medidas como a instalação de 12 ninhos artificiais para abutre-preto pela LPN na Herdade da Contenda.

Para Eduardo Santos, o melhor destes anos de esforço conservacionista tem sido conseguir que os abutres começassem a nidificar na Contenda e a sua reprodução constante. “Conseguir a fixação dos casais numa região é o mais difícil. Conseguimos isso e ainda que os casais voltem e tenham sucesso reprodutor em anos consecutivos”. O responsável salienta ainda como um “factor de optimismo” a “excelente colaboração e o empenho da Herdade da Contenda em ajudar a fixar estes animais”.

 

Porquê a Contenda?

Estas aves são muito fiéis aos locais e às colónias onde nasceram e, por isso, não é fácil criar novos núcleos reprodutores, acrescentou. Mas na sua opinião, a Contenda – herdade com 5.300 hectares e propriedade do município de Moura – consegue reunir um pacote de “atractivos” para a espécie. “Tal como todos os abutres-pretos da Península Ibérica, estes só nidificam em árvores de grande porte (os ninhos são muito grandes e pesados), em locais sossegados e onde a vegetação é abundante. Esta herdade consegue reunir essas condições.”

 

Abutre-preto. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

 

Além disso, há alimentação disponível. “Para se alimentarem, estas aves necrófagas percorrem, normalmente, entre 50 a 60 quilómetros. Mas para este sucesso muito contribuiu a rede de dez campos de alimentação”, seis na zona de Moura-Mourão-Barrancos (um dos quais na Contenda) e quatro no Vale do Guadiana. Na época de nidificação este é um factor particularmente importante. “É crucial na alimentação das crias os abutres terem alimento disponível e seguro, isto é, que não esteja envenenado”, acrescentou.

Na verdade, os venenos é “uma eterna preocupação”. “É um factor de ameaça sobre a espécie e que pode influenciar a sobrevivência dos casais”, alertou. E além do risco dos venenos ilegais há ainda a ameaça do diclofenaco, uma substância activa usada em medicamentos para gado que é fatal para as aves necrófagas.

O diclofenaco foi autorizado para uso veterinário na Índia, em 1993, com resultados devastadores para os muitos milhares de abutres que na altura ocorriam naquele país: em pouco tempo, as populações destas aves reduziram-se em 97%. Resultado? O fármaco foi proibido no subcontinente indiano.

Na verdade, o uso de diclofenaco já causou a quase extinção de três espécies de abutres na Ásia na década dos anos 90. Apesar disso, está autorizado na União Europeia.

Na Europa já há sinais de preocupação. No ano passado, um estudo publicado na revista Journal of Applied Ecology alertou que os medicamentos veterinários que contêm diclofenaco podem causar a morte de mais de 6.000 abutres por ano em Espanha.

Em Portugal, a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária recebeu um pedido de autorização para o uso veterinário de diclofenaco e a Birdlife Europe e organizações ambientalistas portuguesas lançaram um apelo ao Governo português para não autorizar. “Só a possibilidade de este fármaco vir a ser autorizado em Portugal é uma espada sobre a cabeça destes animais, o que nos preocupa imenso”, comentou Eduardo Santos.

“Todos os esforços de conservação destas grandes aves na Península Ibérica estarão eternamente em causa enquanto tivermos este tipo de ameaça.”

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Eduardo Santos, da LPN, e Gonçalo Elias, do portal Aves de Portugal, dão-lhe as dicas que o vão ajudar a observar abutres-pretos. Leia tudo aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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