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Mexilhão-zebra. Foto: J. Oscoz-Univ. Navarra

Mexilhão-zebra: a ameaça deste invasor problemático já chegou a Portugal

27.11.2020

Este pequeno mexilhão, que consegue multiplicar-se muito rapidamente, foi detectado num local onde ninguém sabe como aí chegou.

No âmbito de uma nova série sobre espécies aquáticas invasoras, a Wilder falou com Pedro Anastácio, do projecto LIFE Invasaqua, que explica onde é que o mexilhão-zebra foi encontrado em Portugal e que medidas são urgentes para evitar o agravamento da situação:

Que espécie é esta?

“O mexilhão-zebra (Dreissena polymorpha) é um pequeno bivalve nativo de lagos, rios lênticos (com águas paradas ou de pouco movimento) e áreas de baixa salinidade nas regiões em redor do mar Cáspio e do mar Negro”, explica Pedro Anastácio, da equipa do projecto LIFE Invasaqua.

Este projecto luso-espanhol, lançado publicamente em 2019 e co-financiado por fundos europeus, tem como objectivo travar as espécies aquáticas invasoras nos rios e estuários dos dois países.

Estes moluscos vivem geralmente entre dois a cinco anos e os adultos atingem um tamanho médio que varia entre 2,5 e 3,5 centímetros. “São sésseis e gregários”, vivendo em grupos, descreve também este investigador, ligado ao MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Universidade de Évora.

Mexilhões-zebra. Foto: Pedro Anastácio

Como se espalhou na Europa?

Foi no final do século XIX que este mexilhão se começou a expandir pela Europa Ocidental, estabelecendo-se pela primeira vez em Espanha em 2001. Seis anos depois, em 2007, “o governo espanhol compilou um conjunto de medidas de combate à espécie num documento de estratégia nacional, com vista à implementação de um plano de controlo.”

Ainda assim, o mexilhão-zebra “foi aumentando progressivamente a sua área de distribuição desde a bacia do rio Ebro, no norte de Espanha, até à bacia do Guadalquivir, no sul, que é presentemente a zona conhecida mais próxima de Portugal”. O Guadalquivir é o maior rio da Andaluzia e o quinto maior da Península Ibérica.

Foto: J. Oscoz-Univ. Navarra 

E já foi encontrada em Portugal?

Sim, em 2019, num pequeno reservatório de rega na bacia do Sado, revela Pedro Anastácio.

No âmbito de um programa preventivo para detecção de mexilhão-zebra no Alqueva e nos seus tributários na região do Alentejo – bacias do Guadiana e do Sado – “foi encontrada uma população de elevada densidade da espécie no reservatório de rega do Alfundão e área circundante, 20 quilómetros a noroeste de Beja”, explica o mesmo responsável.

Cabo de detecção precoce através do qual a espécie foi encontrada. Foto: David Catita

“Infelizmente, desconhece-se o modo exacto de chegada da espécie, já que o reservatório onde esta se estabeleceu é vedado ao público e o ponto mais próximo de presença da espécie em Espanha é a 190 quilómetros de distância”, comenta o biólogo. Pedro Anastácio pertence à equipa de investigadores portugueses que descreveram essa descoberta e o processo de remoção dos mexilhões, num artigo científico publicado na revista Management of Biological Invasions.

Na altura, acreditou-se que a população de mexilhões-zebra tinha sido erradicada. “Mas não. Voltou a aparecer recentemente e voltou-se a ter que intervir. Já há alguns indivíduos instalados na natureza a jusante do reservatório”, afirma o investigador, que sublinha que “era fundamental um programa de detecção da extensão do problema e de prevenção em todo o país”. E sublinha: “Parece caro mas evitará problemas no futuro próximo.”

Mas qual é o problema de um mexilhão tão pequeno?

Desde logo, quando se instala numa massa de água grande, o mexilhão-zebra é praticamente impossível de erradicar. “Tem uma grande capacidade de reprodução e de dispersão, produzindo larvas que se mantêm no plâncton por algumas semanas.” O plâncton é composto por seres microscópicos, como é o caso dessas larvas, que ficam suspensos na água.

Chegado a um novo ambiente, este mexilhão atinge a maturidade e pode reproduzir-se em menos de dois meses, “embora isso dependa muito das condições locais.” E cada fêmea consegue produzir entre 4.000 a um milhão de ovos fertilizados por ano.

Foto: J. Oscoz-Univ. Navarra 

Por outro lado, consegue espalhar-se para outras áreas muito facilmente. “Geralmente, os principais meios de dispersão da espécie são actividades humanas ligadas à água, como por exemplo o transporte de barcos entre locais, a pesca e actividades desportivas aquáticas.” Mas na verdade, é preciso estar muito alerta, pois “qualquer movimentação de equipamentos, materiais ou espécies entre zonas de água poderá servir para o transporte de adultos ou larvas da espécie.”

Resultados? Desde logo os “fortes impactos ecológicos”: pode por exemplo eliminar populações de espécies nativas de bivalves, pois compete pelos mesmos alimentos e alimenta-se das larvas dessas espécies. Um bivalve que poderá ser “fortemente ameaçado” é o Unio tumidiformis, uma espécie endémica ibérica que hoje “tem uma distribuição muito reduzida.”

Outro problema deste invasor é que é incrustante, ou seja, agarra-se fortemente a superfícies duras – incluindo bivalves nativos.” E devido a essa “forte capacidade de incrustação”, avisa Pedro Anastácio, também “tem impactos económicos extremamente elevados”.

Mexilhões-zebra incrustados numa parede de cimento. Foto: David Catita

E que impactos económicos “extremamente elevados” são esses?

Estes pequenos mexilhões acabam por inutilizar sistemas de transporte, distribuição e armazenamento de água. Na Flórida, Estados Unidos, ” as perdas económicas ligadas a esta espécie ao longo de 20 anos foram estimadas em 244 milhões de dólares (mais de 205 milhões de euros)”.

Já em Espanha, foram documentados 14 milhões de euros de prejuízos entre 2001 e 2009, isto só na bacia do rio Ebro. Pedro Anastácio acrescenta que alguns jornais espanhóis, como o El Mundo, referem prejuízos da ordem dos 1.600 milhões de euros.

Como se pode detectar a presença de mexilhão-zebra?

“São facilmente identificados pelo seu padrão de riscas em ziguezague na concha, concha triangular alongada e filamentos que permitem a sua incrustação em superfícies rígidas, por exemplo, de pedra, cimento e metal”, descreve o biólogo, que alerta que deve ser dada uma atenção especial a “tubagens, filtros, cais ribeirinhos, motores e cascos dos barcos”.

Em alternativa, adianta, quando o acesso a essas estruturas for difícil ou demorado, pode-se recolher uma amostra de água filtrada através de uma rede para plâncton. “Quando observada ao microscópio com luz polarizada, esta amostra permite identificar a presença de larvas desta espécie.”

Recolha de amostras para detecção de larvas de mexilhão-zebra. Foto: Filipe Banha

Mais: “É ainda possível usar técnicas do mesmo tipo das que são usadas para detectar o vírus da Covid-19 (ou seja, PCR por exemplo), embora a eficiência destas técnicas seja um pouco mais reduzida.”

O que está a ser feito em Portugal?

Há muito tempo que as autoridades temiam o aparecimento do mexilhão-zebra em Portugal, devido à sua expansão em Espanha. E por isso, várias empresas ligadas à gestão da água têm programas de monitorização. Por exemplo – lembra Pedro Anastácio – na sequência do projeto ibérico LIFE Invasep (2012-2018), dedicado ao tema das espécies invasoras, foi iniciado um programa de monitorização em reservatórios e barragens no sul do país.

“Este programa cobre uma área de 10 000 Km2, tendo sido suspensos na água 60 cabos de detecção precoce, aos quais os mexilhões se incrustam com facilidade, e monitorizados também outros 18 pontos críticos.” Foi assim que a espécie foi detectada no reservatório de Alfundão, no que “parece ser por enquanto um caso raro de sucesso na detecção precoce de espécies invasoras.”

Trabalhos de remoção de sedimento no reservatório do Alfundão após a desinfecção. Foto: David Catita

Quanto ao LIFE Invasaqua – outro projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários – tem vindo a divulgar “informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras, o que é fundamental para atrasar a sua progressão e para diminuir os seus prejuízos.”

Fazem falta outras medidas?

“Tudo aponta para que a curto ou médio prazo se multipliquem queixas de prejuízos económicos e ecológicos graves noutros pontos do país”, alerta o investigador do MARE, que sublinha que “é por isso urgente a implementação de um plano nacional para a gestão do mexilhão-zebra, diminuindo a sua propagação no nosso território”. 

E se alguém encontrar mexilhão-zebra? O que pode fazer?

Pelo facto de não haver um plano nacional para esta espécie, “infelizmente não há também um número específico” para o mexilhão-zebra, explica o investigador. Ainda assim, é possível contactar as autoridades, por exemplo na Linha SOS Ambiente e Território (808200520), e informar também o Life Invasaqua ([email protected]).

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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