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Martin, durante uma sessão recente de amostragem. Foto: Rebecca Mateus

Martin Corley, especialista apaixonado pelas borboletas noturnas de Portugal, celebra 80 anos

Assinalando o octogésimo aniversário de Martin Corley, que se celebrou esta segunda-feira, e a publicação em curso dos códigos de barras de ADN de mais 1150 espécies de borboletas noturnas portuguesas, apresentamos a breve história e uma homenagem a uma das pessoas que mais contribuíram para o conhecimento das borboletas noturnas em Portugal. 

Martin Corley nasceu a 8 de abril de 1944 e é natural de Faringdon, Oxfordshire, em Inglaterra. Aponta os seus 11 anos como a idade em que despertou o seu interesse pelas borboletas. Esse verão de 1955,  que Martin recorda como particularmente seco e quente, permitiu-lhe observar espécies diurnas migrantes em abundância, que eram muito pouco frequentes na generalidade dos anos.

Foi aos 19 anos de idade, em 1963, que adquiriu a sua primeira armadilha luminosa – uma Robinson equipada com lâmpada de vapor de mercúrio – que o ajudou a vislumbrar a diversidade das borboletas noturnas no local onde vivia. Os anos de formação académica foram dedicados à botânica e a estudos sobre musgos na Universidade de Oxford. Aliás, a especialização inicial em botânica constituiu uma mais valia de incalculável valor para os trabalhos que Martin veio a desenvolver. Apenas em 1971, já com 27 anos, iniciou a armadilhagem luminosa regular de borboletas noturnas na quinta da sua família – que ainda hoje mantém, 55 anos depois!

Martin Corley (terceiro a contar da esq.), acompanhado por Helder Cardoso (primeiro a contar da esq.), Jorge Rosete e João Nunes (à dir.), os três da Rede de Estações de Borboletas Noturnas de Portugal. Foto: Sónia Ferreira

Em 1984, comprou o seu primeiro gerador e com isso ganhou autonomia, o que lhe permitiu explorar diferentes locais, paisagens e habitats de Oxfordshire, aumentando assim os seus conhecimentos sobre a diversidade de borboletas noturnas na região. Cinco anos depois “descobriu” as borboletas de Portugal numa viagem ao Algarve durante um período de férias, a convite de um amigo. 

Foi essa descoberta que lhe talhou a direção dos trabalhos desde então. Martin ficou imediatamente fascinado pela flora e, apesar de algum azar com as condições meteorológicas, teve sucesso na recolha de lagartas e borboletas noturnas durantes os dias passados no Algarve. Apenas conseguiu montar a armadilha luminosa uma noite, mas registou 142 espécies, das quais 16 eram novas para Portugal, ou seja, espécies ainda sem registos de presença no nosso país. Ficou de imediato apaixonado pelas borboletas noturnas portuguesas!

Uma lista nacional para os lepidópteros

A falta de uma lista nacional de lepidópteros confiável e a escassez de literatura sobre os microlepidópteros do sul da Europa foram as principais dificuldades que este entomólogo britânico se lembra de ter enfrentado na altura. Ao mesmo tempo essas dificuldades, aliadas à paixão que já tinha desenvolvido, terão sido as principais motivações para todo o trabalho que Martin desenvolveu a partir daí. 

Borboleta da espécie Infurcitinea corleyi, descrita em 2011 por Gaedike, dedicada a Martin Corley. Foto: João Nunes

Em 1994, Martin iniciou a compilação da lista dos Lepidoptera de Portugal. Começou por estudar as borboletas noturnas do Algarve, prosseguindo com o trabalho de entomólogos como Teodoro Monteiro e José Passos de Carvalho, descobrindo várias espécies para a região e também para o território português. Esse trabalho culminou na publicação de dois artigos, citando-se à data 1352 espécies para a região algarvia. A exploração da fauna portuguesa teve continuidade para norte, nomeadamente na região da Serra de São Mamede e Lagoas de Santo André.

A partir de 2002, passou também a visitar a Serra da Estrela, continuando a adicionar várias espécies à fauna nacional conhecida e iniciando uma longa e frutuosa colaboração com investigadores do CIBIO/InBIO – Centro em Biodiversidade e Recursos Genéticos, em vários projetos que reforçaram a tendência de expansão dos trabalhos para o Norte do país. O Parque Natural de Montesinho e o vale do rio Tua passaram a ser regiões de amostragens anuais quase incontornáveis, assim como o Parque Nacional da Peneda Gerês.

Martin Corley com Sónia Ferreira, investigadora do CIBIO/InBIO. Foto: Sónia Ferreura

Em 2006, com o artigo “Miscellaneous additions to the Lepidoptera of Portugal”, iniciou a série de artigos que atualiza anualmente a lista de lepidópteros de Portugal continental e nos quais participam muitos dos investigadores e entusiastas das borboletas noturnas do país. Esta série ainda hoje persiste, mas com o nome “New and interesting Portuguese Lepidoptera records”, e é de elevada relevância e utilidade para quem se quiser manter atualizado sobre o tema. Para além de enumerar as novas espécies encontradas em Portugal no ano anterior, apresenta também novos registos de distribuição ao nível das províncias e novos registos de plantas hospedeiras, entre outras novidades relevantes. 

Nesse primeiro artigo, em 2006, foram publicados muitos dos registos de novas espécies detetadas no trabalho de campo na Serra de São Mamede. Desde então, descreveu várias espécies novas para a Ciência: Leucoptera astragali, Depressaria cinderella, Coleophora lusitanica, Micropterix herminiella, Phyllocnistis ramulicola, Caloptilia conimbricensis, Denisia piresi, Filatima algarbiella, Stomopteryx lusitaniella, Agnoea nonscriptella, Chrysoclista soniae, Depressaria albarracinella, Agonopterix carduncelli, Depressaria infernella, Agonopterix olusatri e Ypsolopha milfontensis. E ainda três géneros também novos: Pseudosophronia, Rosetea – no âmbito do qual  descreveu a nova espécie Rosetea rosetella – e ainda o género Mondeguina, juntamente com a espécie Mondeguina atlanticella.

Insetos da espécie Micropterix herminiella, descrita cientificamente por Martin Corley em 2007. Foto: João Nunes

Mas o trabalho de investigação de Martin vai bastante além do trabalho de campo e da publicação de novos registos. Este investigador dedicou-se também à revisão das coleções entomológicas guardadas em museus e noutras instituições, o que lhe permitiu confirmar a ocorrência histórica de dezenas de espécies (algumas delas atualmente bastante raras ou que desde então nunca mais foram vistas) e rejeitar também a ocorrência de outras, estas últimas com registos geralmente baseados em material mal identificado. A maioria dos resultados deste trabalho foram sintetizados em dois artigos publicados em 2008 e 2015. Quanto à verificação da coleção de microlepidópteros de Alfred Edwin Eaton, teve direito a um artigo próprio publicado em 2014.

O trabalho desenvolvido na revisão das borboletas noturnas de Portugal implicou o estudo de toda a literatura relevante, o exame de coleções recentes e históricas, bem como trabalho de campo no maior número de regiões possível. Foi um esforço colossal, fechado com a edição do livro “Lepidoptera of Continental Portugal: A fully revised list”, publicado em 2015. Criou assim uma base sólida para os futuros entomólogos e lepidopterólogos que trabalharem com as borboletas noturnas de Portugal.

Foi também em 2015 que teve início a iniciativa de ‘DNA barcoding’ do InBIO, um projeto do CIBIO/InBIO que tem como objetivo o desenvolvimento de uma base de dados de códigos de barras de ADN dos invertebrados de Portugal, contribuindo como especialista em Lepidoptera. Da combinação do estudo morfológico com os códigos de barras de ADN surgiram ao longo dos últimos anos alguns trabalhos científicos,  mas o culminar do projeto deu-se com a publicação em curso de “The InBIO Barcoding Initiative Database: DNA barcodes of Portuguese moths” – publicação científica em que Martin colaborou incansavelmente, desde 2015, e que conta com 2350 exemplares de 1158 espécies. Martin foi responsável pela verificação da identidade de todos os exemplares incluídos nesse estudo.

O entomólogo britânico colaborou ainda no projeto que avaliou o risco de extinção de centenas de espécies de invertebrados portugueses e que resultou na publicação do Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal Continental em 2023, no qual é coautor de todas as fichas referentes a borboletas noturnas.

Ainda assim, todo este trabalho não foi feito em isolamento. O percurso científico de Martin Corley sobre borboletas noturnas de Portugal conta com mais de 50 artigos científicos e mais de 80 coautores – metade dos quais portugueses, incluindo muitos jovens investigadores na área de ecologia e entomologia. As sessões de armadilhagem luminosa que realiza em Portugal são frequentemente ponto de encontro entre investigadores e entusiastas onde se partilham experiências, ensinamentos e dúvidas num ambiente informal, amigável e com muito sentido de humor. 

Da esq. para a dir., Luís Silva, Rebecca Mateus, Daniel Oliveira, Sónia Ferreira e Martin Corley. Foto: Rebecca Mateus

Muitas são as amizades que surgiram ao longo dos anos neste contexto. E durante grande parte do ano, altura em que Martin se encontra em Inglaterra, na troca frequente de emails com dúvidas e inúmeras fotografias continuam as discussões sobre a identidade dos exemplares e a aprendizagem de quem quer saber mais. E muitas são já as descobertas publicadas resultantes destas interações.

Atualmente, desafiando os seus 80 anos com um humor fino e uma invejável vivacidade, Martin permanece muito atento à realidade das borboletas noturnas de Portugal continental. Após a interrupção das suas viagens anuais imposta pela pandemia, continua a visitar o país regularmente e a realizar trabalho de campo sempre que as circunstâncias o permitem. 

Martin, durante uma sessão recente de amostragem. Foto: Rebecca Mateus

Ora auxiliando na determinação de material coletado, ora alertando para uma qualquer peculiaridade taxonómica que importa clarificar; ora sinalizando descobertas promissoras e apontando possibilidades de investigação, ora conciliando opiniões, ora facultando recursos; a sua sagaz generosidade é constante. Hoje, a comunidade daqueles que trabalham para a ampliação do conhecimento das nossas borboletas noturnas é incomparavelmente mais numerosa, organizada e interativa. Muito se avançou nas recentes duas décadas. Mas, para isso, foi necessário preparar e semear o terreno. É ao Martin que devemos a sementeira. Aqui expressamos mais uma vez a nossa gratidão.

Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.

Bernardo de Chartres


Este texto é adaptado de um artigo publicado na 32ª edição do Borboletim – o boletim mensal da Rede de Estações de Borboletas Noturnas.

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