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Um dos abutres encontrados mortos na Guiné-Bissau. Foto: Mohamed Henriques

Mais de 2000 abutres terão sido mortos por envenenamento na Guiné-Bissau

21.04.2020

Nunca até hoje se tinha registado uma tão grande quantidade de casos como sucede desde Fevereiro na Guiné-Bissau. É um triste recorde mundial.

 

Este país africano transformou-se num “cemitério de abutres” durante os últimos meses, “com a matança nunca antes vista de um mínimo de 1.600 abutres-de-capuz (Necrosyrtes monachus), e provavelmente de muitos mais”, afirma em comunicado a Vulture Conservation Foundation (VCF).

De acordo com esta organização não governamental (ONG) internacional, que trabalha para a conservação dos abutres, o que está a suceder na Guiné provoca um “golpe devastador na conservação de uma espécie ameaçada de extinção em África.” Ainda mais, quando a capacidade de resposta das autoridades está a ser afectada pela instabilidade política no país e pela pandemia global de Covid-19, avisam.

 

Abutres-de-capuz. Foto: Andre Botha

 

As primeiras notícias sobre a morte suspeita de abutres surgiram em Fevereiro, com a detecção de 200 carcaças de aves, mas o número de casos conhecidos cresceu gradualmente. Estão neste momento confirmadas 1.603 mortes, quase todas no Leste do país, nas localidades de Bambadinca, Bafatá e Gabú.

No entanto, torna-se impossível saber o número exacto de casos, uma vez que só se realizaram buscas em áreas limitadas e “muitas carcaças perderam-se ou foram rapidamente descartadas pelas populações locais quando foram descobertas.” Os especialistas da VCF e de outras organizações acreditam que terão até agora ocorrido mais de 2000 mortes de abutres-de-capuz, espécie considerada Em Perigo Crítico de extinção.

 

Uma das equipas que investigou a morte de abutres, numa saída de campo. Foto: Mohamed Henriques

 

“A Guiné-Bissau tem uma das populações mais saudáveis desta espécie africana, com algumas estimativas que sugerem que abriga mais de um quinto da população mundial de abutres-de-capuz, mas acontecimentos com esta escala vão ter efeitos adversos na população da espécie a nível nacional e na África Ocidental”, avisa o director-geral da VCF, José Tavares.

 

Crenças supersticiosas

Provas recolhidas nas saídas de campo apontam para o uso de iscos envenenados em redor das localidades, explica a ONG. De acordo com testemunhas, em causa está o recurso a partes dos abutres para rituais baseados em crenças supersticiosas, cuja “procura está relacionada com a instabilidade política no país”.

Pelo menos 200 dos abutres encontrados mortos por envenenamento na Guiné Bissau já não tinham cabeça. Em países vizinhos, há também sinais de uma procura crescente de partes do corpo destas aves. “Nalgumas partes de África, algumas comunidades acreditam que ter na sua posse cabeças de abutres traz boas fortunas ou mesmo poderes especiais.”

Entretanto, algumas carcaças destes animais foram recolhidas e enviadas para Lisboa, num dos últimos aviões que saíram da Guiné-Bissau antes da paragem provocada pela epidemia de Covid-19. A Universidade de Lisboa está a realizar análises para confirmar as causas de morte.

Em África, os envenenamentos em massa são uma realidade frequente e já levaram várias espécies praticamente até à extinção, recorda a ONG. Entre os abutres, três espécies africanas estão hoje Em Perigo de extinção e outras quatro ainda mais ameaçadas, consideradas Em Perigo Crítico.

“Isto causa um efeito devastador na população [da espécie] mas também no ambiente em redor, pois os abutres são essenciais para um ecossistema saudável e em funcionamento e os iscos envenenados e as carcaças matam muitos outros animais selvagens”, sublinha a organização internacional.

Para além da VCF, também o Grupo de Especialistas em Abutres da União Internacional para a Conservação da Natureza e a BirdLife Internacional têm estado a apoiar as autoridades locais. Estas últimas “foram muito responsivas” e organizaram duas saídas de campo no final de Março e em Abril, “mas são necessárias mais acções para prevenir futuras fatalidades.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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