O entomólogo Albano Soares descobriu uma colónia de pequenas abelhas buraqueiras num local insuspeito: no chão entre as lajes de uma movimentada avenida de Lisboa. A capital, com as suas mais de 160 espécies de abelhas, tem um papel na conservação da biodiversidade.
Albano Soares olhou para o chão e descobriu umas pequenas cabeças a espreitar de entre duas lajes de cimento. Era um dia de final de Julho e este entomólogo do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal estava à espera de uma boleia à porta do seu prédio na Avenida dos Estados Unidos da América no bairro de Alvalade, em Lisboa.
Um olhar mais atento permitiu identificar estes “vizinhos” escondidos: eram abelhas-buraqueiras-de-faixa-dupla (Halictus scabiosae). Tinham decidido edificar a sua colónia “mesmo ali, debaixo dos nossos pés”, num local “à primeira vista insuspeito”, comentou Albano Soares.
Segundo este perito, a colónia destas abelhas semi-sociais “não deverá ter mais de 50 indivíduos, mas poderão existir colónias maiores” espalhadas pela cidade.
Isto porque, até ao momento, a lista de espécies de abelhas de Lisboa tem já mais de 160 nomes.
Aquelas pequeninas abelhas estão, por estes dias, a aumentar a sua colónia, construindo mais células reprodutoras. Por isso saem mais vezes do seu abrigo para recolher o pólen de que tanto precisam e para depois o armazenar nessas células.
Mas porquê fazer a sua colónia entre as pedras da calçada?
“As colónias são localizadas em áreas de terra compactada com uma boa exposição solar, onde o solo não seja mobilizado e com pouca cobertura herbácea, por isso esta calçada com lajes é uma boa opção”, explicou à Wilder Albano Soares. Por vezes, estas abelhas também usam os canteiros dos prédios.
Pode existir a tentação de pensarmos que estamos rodeados de insectos que nos querem fazer mal. Mas não temos com que nos preocupar.
“As nossas abelhas selvagens são praticamente inofensivas”, sublinhou Albano Soares. “Além da grande maioria não viver em enxames, são solitárias, uma parte delas não tem capacidade de nos picar. E as que têm essa capacidade raramente o fazem mesmo quando provocadas.”
Na verdade, “as nossas abelhas mais agressivas, com um veneno mais ativo, são as conhecidas abelhas do mel, pois evoluíram para guardar um ‘tesouro’, o mel, de animais tão grandes como ursos”.
Apesar de tudo, as cidades albergam muitas vezes uma grande diversidade de abelhas e outros insetos polinizadores. Visitas aleatórias a vários espaços verdes da cidade de Lisboa desde 2019 até ao presente já permitiram detectar mais de 160 espécies de abelhas. E o vizinho concelho de Oeiras já conta com, pelo menos, 155 espécies. Segundo Albano Soares, estas listas de espécies serão publicadas em breve.
Muitas vezes não nos apercebemos de nada.
“As abelhas vivem nos espaços urbanos à nossa revelia, nem as suspeitamos! Geralmente, mesmo quem tem responsabilidades nestas áreas nas autarquias não suspeita que existam mais espécies de abelhas do que a conhecida abelhas do mel e, consequentemente, também não suspeita dos seus requisitos ambientais”, alertou.
Albano Soares lamentou que, de uma maneira geral, a existência dos polinizadores, entre os quais as abelhas, não seja conhecida nem levada em conta na gestão dos espaços verdes.
Na sua opinião, “um dos primeiros passos para a conservação seria, obviamente, conhecer quem são esses polinizadores”, através de levantamentos, pois “começa a existir quem os saiba identificar”.
Depois seria importante “gerir os espaços verdes de forma a que se mantenham essas populações”.
Ainda assim, este entomólogo denuncia que isso “praticamente nunca é feito. Um dos exemplos são os cortes frequentes nos jardins, mesmo quando existem várias espécies de plantas em floração que lesam as populações de insetos”.
As abelhas-buraqueiras-de-faixa-dupla fazem parte de um grupo muito ameaçado, apesar da sua extrema importância: os polinizadores. Cerca de 1 em cada 10 das espécies polinizadoras da Europa estão em risco de extinção, segundo a Lista Vermelha Europeia.
Estas espécies estão em perigo por causa da poluição, doenças, espécies exóticas invasoras, alterações climáticas, alterações no uso do solo, agricultura intensiva e do uso excessivo de pesticidas.
Na União Europeia, o valor das espécies selvagens de abelhas, borboletas e outros insectos polinizadores está estimado em 15 mil milhões de euros por ano, só para as culturas agrícolas. Isto sem contar com os serviços que prestam na polinização de plantas silvestres.
Agora é a sua vez.
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