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Águia-imperial (Aquila adalberti). Foto: Juan Lacruz/WikiCommons

Renováveis no Algarve ameaçam aves protegidas, alerta SPEA

30.07.2025

Águia-imperial, águia-real, águia-de-Bonelli e grifo estão entre as espécies mais vulneráveis a uma série de projetos eólicos e de centrais solares que estão em avaliação de impacte ambiental. A SPEA e outras organizações ambientais denunciam falhas nos estudos de impacte ambiental e apelam a uma transição energética que respeite a biodiversidade.

A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) manifestou ontem preocupação com a crescente instalação de centrais solares e parques eólicos em zonas ecologicamente sensíveis no nordeste algarvio.

Estão atualmente em avaliação projetos que, a serem aprovados, implicarão, no total a instalação de 110 aerogeradores numa área de 500 km².

A SPEA refere, por exemplo projetos como a hibridização da Central Fotovoltaica de Alcoutim (Solara4), vários parques eólicos ligados a centrais fotovoltaicas em Viçoso, Pereiro, São Marcos e Albercas, bem como o Parque Eólico de Silves e o de Cachopo.

“A águia-imperial, águia-real, águia-de-Bonelli e grifo são das espécies mais susceptíveis de sofrerem impactos destes projetos”, disse hoje à Wilder Hany Alonso, técnico sénior de Ciência da SPEA.

E explica porquê. “Os impactos nestas aves são explicados com o seu comportamento de voo, com a elevada longevidade e baixa produtividade.” A mortalidade nestas infra-estruturas pode afetar populações já fragilizadas, sobretudo quando os projetos são instalados nas suas  áreas de reprodução, alimentação ou dispersão/migração.

Mais concretamente, aquela região algarvia alberga o principal núcleo reprodutor de águia-de-Bonelli, com cerca de 20 casais, salientou Hany Alonso. “É uma área realmente importante a nível nacional para esta espécie vulnerável.”

Quanto às águias imperial e real, o nordeste algarvio “é o único local da região algarvia onde estas espécies se reproduzem”. “É importante lembrar que a águia-imperial foi uma espécie que esteve extinta em Portugal até há pouco tempo e que, graças a esforços conservacionistas, tem vindo a recuperar. É mesmo muito importante termos cuidado com esta espécie”, defendeu o responsável.

A SPEA recorda também que estas aves dependem de um corredor natural de dispersão e migração que atravessa as serras algarvias, agora ameaçado pelas novas infraestruturas.

Estes projectos podem levar à “perda de áreas de nidificação e de alimentação e trazer um efeito barreira”, impactos que preocupam a organização de conservação da natureza.

Estudos de avaliação “fracos” e com “lacunas”

“A transição energética não pode ser feita à custa da biodiversidade”, alertou, em comunicado, Rita Ferreira, técnica sénior da SPEA. “A forma como estes projetos estão a ser planeados compromete décadas de esforço na conservação de espécies emblemáticas.”

Além dos possíveis impactos para as espécies, a SPEA lamenta a “forma como tudo está a decorrer”, com “estudos de impacto ambiental bastante fracos e com muitas lacunas”, considerou Hany Alonso. Este responsável criticou a pouca profundidade da caracterização dos locais e o ignorar dos impactos cumulativos.

“Por exemplo, há um projecto cujo estudo refere a existência de um casal de águia-de-Bonelli numa área tampão de 10 quilómetros em relação ao parque previsto, quando, na realidade, sabemos que existem pelo menos dez casais.”

Como medida de mitigação, os novos EIA propõem a instalação de sistemas automáticos de deteção e paragem de avifauna, baseados em vídeo e inteligência artificial. Contudo, a SPEA considera que estes sistemas, ainda pouco testados, não substituem uma avaliação rigorosa de alternativas nem justificam a instalação em zonas sensíveis. “Isto contraria o princípio da hierarquia de mitigação previsto na legislação europeia, que impõe primeiro evitar, depois minimizar e só em último caso compensar”, sublinha a organização.

Face a este cenário, a SPEA defende que os projetos localizados em áreas cruciais para a conservação de espécies ameaçadas não devem ser viabilizados. E acusa as autoridades de cederem à pressão para licenciamentos rápidos, desvalorizando o impacto sobre o património natural e comprometendo a confiança pública nos processos de avaliação.

O comunicado lança um apelo à Administração Pública para que aplique o princípio da precaução, assegure a transparência institucional e garanta que o interesse público e ambiental prevalece sobre interesses económicos de curto prazo.

“Claro que estes projectos de energias renováveis são importantes para conseguir a independência energética e combater as alterações climáticas”, disse Hany Alonso. “Mas é importante compreender que podemos estar a pôr em risco a nossa biodiversidade. Não é assim tão complicado fazer um planeamento adequado destes projetos e instalá-los em áreas com menos impacto.”

A posição da SPEA é apoiada por outras organizações ambientais como o Fapas, Geota, Liga para a Proteção da Natureza, Quercus e WWF Portugal, que também subscrevem o apelo a uma transição energética compatível com a proteção da biodiversidade e com os compromissos ambientais de Portugal.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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