A situação do boto, o cetáceo mais pequeno de Portugal, parece ser cada vez mais preocupante. Uma equipa de investigadores fez censos aéreos de 2011 a 2015 e apenas registou 2.254 botos, um número “bastante baixo” e que põe em causa a sobrevivência da espécie no nosso país.
O boto (Phocoena phocoena) é um cetáceo cinzento escuro e de focinho curto. Mede cerca de dois metros de comprimento e tem cerca de 80 quilos de peso.
É um mamífero marinho residente nas águas costeiras de Portugal continental, distribuindo-se ao longo de toda a costa portuguesa sempre em profundidades inferiores a 200 metros, em estuários e baías.
Este tímido animal está classificado como Vulnerável pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, de 2005. Mas a sua situação tem vindo a deteriorar-se e hoje o risco de extinção desta espécie em Portugal é muito elevado, podendo desaparecer em menos de 20 anos.
Agora novas evidências apontam nesse sentido.
A 29 de Julho foi publicado na revista científica Animals o primeiro estudo sobre a abundância de boto para Portugal continental, fruto do trabalho de uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro, da Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem (SPVS), do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e do Centro para o Estudo dos Mamíferos Marinhos de Espanha (CEMMA).
Os investigadores fizeram censos aéreos na costa portuguesa realizados anualmente entre 2011 e 2014 em Setembro e em 2015 em Outubro. Os voos, que percorreram transectos predefinidos numa distância total de 8.635 quilómetros, foram realizados a uma velocidade média de 185 quilómetros/hora e a uma altitude de cerca de 150 metros.
“Nos censos aéreos (…) foram observados 83 botos em 56 avistamentos”, disse à Wilder Andreia Torres Pereira, investigadora do CESAM (Universidade de Aveiro) e da Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem (Universidade do Minho) e um dos autores do estudo.
O número de avistamentos variou entre os seis em 2011 e os 16 em 2012 e 2013.
“Estas contagens são depois tratadas estatisticamente, entrando em linha de conta com a distância do animal ao avião, as condições de observação e um factor associado à detectabilidade da espécie (entre outros), para produzir estimativas de abundância para a totalidade de área amostrada. Esta é uma abordagem standard para estimativas de abundância de espécies altamente móveis ao longo de áreas muito amplas, já que seria totalmente impossível contar todos os indivíduos que existem no oceano”, explicou a investigadora.
Assim, “com base nos dados recolhidos e seguindo a metodologia DISTANCE sampling, foi estimado um valor de 2.254 animais para população de boto que ocorre na área amostrada (Portugal Continental) neste mesmo período (2011-2015).”
O número anual mais elevado de botos foi registado em 2013, com 3.207 animais, e em 2012 (com 2.995). Em 2014, a população foi reduzida para cerca de metade (1.653 indivíduos), coincidindo com um aumento do número de animais arrojados (50 indivíduos).
Segundo o estudo, as maiores densidades de boto estão no Norte (0.140 indivíduos por quilómetro quadrado) e no Centro (0.110). A maior densidade do país está no Sítio de Importância Comunitária (SIC) Maceda-Praia da Vieira, legalmente aprovado em 2019.
“Os valores de abundância da população são baixos e existem flutuações anuais preocupantes”, comentou a investigadora.
“As densidades de boto obtidas para Portugal continental são inferiores às de outras populações de boto na Europa, nomeadamente a população de boto no mar Negro que está atualmente classificada como “Ameaçada” ou até a população de boto que ocorre no mar Báltico, classificada como “Criticamente Ameaçada”.
O problema da capturas acidentais em artes de pesca
A captura acidental em redes de pesca continua a ser a maior ameaça à persistência e abundância do boto, facto confirmado pela rede nacional de arrojamentos que monitoriza a mortalidade destes animais.
Segundo Andreia Torres Pereira, “desde Janeiro de 2022 até 18 agosto de 2022, arrojaram 25 botos, considerando apenas a área de Caminha a Peniche (…). Dos 25 botos, só foi possível determinar a causa de morte em 11 indivíduos porque os restantes estavam muito decompostos e não permitiam a deteção de indícios. Nestes 11 botos, nove morreram em resultado de captura acidental na pesca”.
Doença, causa natural e captura acidental são exemplos das causas de arrojamento atribuídas durante os 22 anos de funcionamento da rede de arrojamentos na zona Norte de Portugal.
O dados desta rede revelam um “aumento de arrojamentos de boto ao longo do tempo, sendo que têm ocorrido níveis de captura acidental de boto bastante preocupantes”.
“A captura acidental é, sem dúvida, a causa de arrojamento mais prevalente nos botos arrojados, sendo que excede o valor considerado como sustentável para esta população classificada como “Vulnerável” em Portugal”, acrescentou a investigadora.
“Embora alguns parâmetros da nossa população de boto ainda estejam a ser avaliados (por exemplo, a taxa de reprodução, a estrutura etária, a proporção de adultos) as últimas estimativas parecem indicar que, se nada for feito para diminuir a sua mortalidade, a diminuição de efetivos para níveis irrecuperáveis ocorrerá em menos de 20 anos.”
“A resolução desta problemática é bastante complexa e não envolve apenas uma ação ou uma medida”, considera Andreia Torres Pereira.
“Uma vez que as capturas acidentais na pesca representam a percentagem mais elevada de causa de arrojamento, as medidas mais urgentes deveriam promover a diminuição da mortalidade de boto, ou seja, diminuir a interação do boto com artes de pesca.” Tal seria conseguido com uma maior colaboração entre o Estado Português, as entidades científicas e o sector das pescas (principalmente as atividades de pequena pesca com redes de emalhar e tresmalhe e também a arte Xávega).
Para a investigadora “é urgente” implementar “medidas para a diminuição da mortalidade e a monitorização contínua”.
Os investigadores pedem esforços de conservação transfronteiriços envolvendo Espanha e Portugal, já que o boto vive na costa atlântica de Portugal e de Espanha. A população, relativamente pequena e isolada, regista “níveis alarmantes de mortalidade”.
Mais especificamente, defendem um plano de acção a nível ibérico, medidas in situ adequadas de mitigação das ameaças, novas áreas protegidas e mais censos às populações de boto.
A investigadora lamenta que, “apesar de todos os alertas, nos últimos anos a conservação do boto não foi considerada relevante para nenhuma entidade nacional potencialmente financiadora”.
“A proteção desta população e consequente prevenção da sua extinção depende urgentemente de uma monitorização e da aplicação de medidas eficazes apoiadas por quadros legais particularmente para o desenvolvimento de atividades humanas no Oceano (pesca, incluindo pesca IUU e outros sectores emergentes da economia azul)”, conclui.
Saiba mais aqui sobre a situação do boto em Portugal.