Histórias de conservação: eles estão a multiplicar flor Em Perigo de extinção em Portugal

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A flor-de-cuco (Lycnhis flos-cuculi) está classificada como Em Perigo e restam poucos indivíduos no nosso país. Na Bio-Reserva Senhora da Alegria, a 15 quilómetros de Coimbra, a associação Milvoz decidiu fazer alguma coisa e está a multiplicar a espécie e a criar novos núcleos populacionais.

Com as suas flores de cor rosa, a bonita flor-de-cuco é uma planta muito delicada e da família dos cravos. O seu nome deve-se ao facto de as flores começarem a desabrochar quando chegam os cucos.

Flor-de-cuco. Foto: Paulo Pereira/FloraOn

Esta espécie nativa e comum na Europa viu em Portugal a sua área de distribuição reduzida a poucos locais.

Um deles é na Bio-Reserva da Senhora da Alegria, entre as povoações de Almalaguês e Rio de Galinhas, a quinze quilómetros da cidade de Coimbra.

A Milvoz – Associação de Protecção e Conservação da Natureza criada em 2019, que gere aquela Bio-Reserva com cerca de dois hectares, começou em 2023 a tentar multiplicar a espécie ex-situ. O objectivo é “tornar possível a sua introdução em locais adjacentes propícios” e assim “promover a ocorrência de mais núcleos populacionais na área”, que tornem a espécie mais resiliente e menos suscetível a uma extinção local, explica a associação.

“Quando começámos, no ano passado, existiam apenas uma dúzia de indivíduos” na Bio-Reserva Senhora da Alegria, explicou à Wilder Pedro Gomes, presidente da direcção da Milvoz. “Tínhamos como missão garantir que essas plantas não desaparecessem” uma vez que cresciam nas bermas de uma estrada.

Os biólogos da associação recolheram as sementes dentro das cápsulas das plantas e propagaram-nas em pequenos alvéolos com terra, que fizeram germinar nas suas próprias casas. Depois transplantaram as pequenas plantas para outras zonas ao longo do Vale da Senhora da Alegria. Todas com as características essenciais para o crescimento desta planta: clareiras não muito expostas ao Sol, habitats húmidos e solos compactos.

Foto: Milvoz

Este ano, e graças a este trabalho de conservação ex-situ, já existe um novo núcleo populacional de flor-de-cuco na região. Alguns dos exemplares plantados no terreno no Inverno floriram nesta Primavera, “atestando a capacidade de rápido desenvolvimento das plântulas quando em locais com as condições ideais”.

“Trabalhamos com o conceito de genoma local, ou seja, recolhemos sementes das plantas locais e plantamos nos mesmos locais de onde recolhemos as sementes”, explicou Pedro Gomes.

A Milvoz adianta que vai “monitorizar os novos núcleos ao longo dos próximos anos e garantir que este processo continua a ser um sucesso para a salvaguarda da espécie na região”.

Segundo a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, a flor-de-cuco “é uma planta de distribuição europeia, com a sua área de distribuição atual em Portugal reduzida a poucos locais, repartidos entre o Centro-Oeste e Trás-os-Montes”.

“Existe alguma incerteza quanto à sua extensão de ocorrência atual, pois é plausível que possam estar por descobrir ou reencontrar alguns núcleos”.

Ainda assim, “é claro que se trata de uma planta rara e especializada num habitat ameaçado (solos turfosos de zonas húmidas dulçaquícolas). Por esse motivo é avaliada como Em Perigo porque apresenta uma área de ocupação muito reduzida (apesar de alguma incerteza, nunca será superior a 500 km2), apenas se identificam três localizações e estão identificados declínios continuados ao nível da área de ocupação, do número de localizações e da área, extensão e qualidade do seu habitat”.

A população nacional estima-se entre 250 e 1000 indivíduos maduros, sendo que nenhuma das subpopulações conhecidas é constituída por mais de 100-150 indivíduos.

Foto: Paulo Lemos/FloraOn

As ameaças mais significativas que pesam sobre a planta são a drenagem de zonas húmidas, a expansão da agricultura (ameaças muitas vezes relacionadas) e a expansão de espécies exóticas.

Pedro Gomes lamenta que ainda haja um grande desconhecimento dos valores naturais do país e que, como consequência, acabem sendo destruídas zonas “relíquia”. Gostava que “a conservação da natureza fosse levada mais a sério. Temos áreas protegidas mas muitas foram definidas com base em critérios da altura. Só que agora a informação já está desactualizada, havendo um desconhecimento profundo do território. Estamos a entrar numa fase em que tudo é sustentável e amigo do Ambiente mas parece que cada vez se faz pior”.

O responsável considera que este trabalho com a flor-de-cuco, uma espécie “bastante rara no país, é uma das provas em como locais bem preservados são importantíssimos e podem ser a chave para a conservação de espécies”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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