A Fundação Oceano Azul e o CCMAR – Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve entregaram esta sexta-feira ao Governo uma proposta para a criação de uma nova Área Marinha Protegida de Interesse Comunitário no Algarve: o Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado.
“Esta proposta inédita foi construída através de um processo participativo, ao longo de quase três anos e envolvendo mais de 70 entidades e baseado numa sólida fundamentação científica”, afirmam as duas entidades numa nota de imprensa conjunta.
Depois de um longo processo de consultas, a proposta avança que o futuro Parque Natural Marinho do Recife do Algarve deverá situar-se entre o Farol da Alfanzina e a Marina de Albufeira e estender-se até aos 50 metros de profundidade, totalizando 156 quilómetros quadrados.
O maior recife rochoso costeiro do Algarve – que é também o maior recife rochoso costeiro a baixa profundidade de Portugal – está localizado na zona costeira dos concelhos de Albufeira, Lagoa e Silves, na zona do Barlavento. É considerado “um ecossistema ímpar no continente português, que beneficia de condições naturais que favorecem uma biodiversidade marinha e produtividade únicas”, onde habitam quase 900 espécies.
Os estudos já realizados mostram que ao longo deste recife há condições oceanografias únicas, “que favorece, o desenvolvimento e sobrevivência larvar de várias espécies de peixe, como a sardinha, funcionando como zona de reprodução, refúgio e crescimento para inúmeras espécies”, adianta a mesma nota de imprensa.
No total, os cientistas encontraram 889 espécies na área do futuro parque marinho, incluindo 703 invertebrados, 111 peixes e 75 algas. De todas estas espécies, 19 têm um estatuto de protecção, como é o caso dos cavalos-marinhos e do mero. Há ainda 45 espécies novas para Portugal, entre as quais 12 novas para a ciência, que nunca tinham sido observadas em mais nenhum local.
Na área são conhecidos também seis novos habitats identificados na costa sul do Algarve – incluindo os jardins de gorgónias (corais em forma de leque), protegidos pela convenção OSPAR – Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, e ainda comunidades de algas castanhas e calcárias e de bancos de ofiurídeos (seres aparentados com as estrelas-do-mar). Outro habitat protegido são as pradarias de ervas marinhas (Cymodocea nodosa).
Pressões da pesca e do turismo massificado
Conservar de forma eficaz os valores naturais, promover a pesca local e o desenvolvimento de actividades recreativas sustentáveis e também a realização de actividades culturais e educativas relacionadas com o oceano e o Recife do Algarve são os quatro grandes objectivos para a criação desta área marinha protegida.
Em causa está reverter “o declínio da pequena pesca, o aumento da pressão sobre os recursos e a explosão do turismo massificado, demonstrados nos estudos da Universidade do Algarve”.
A vontade de criar o novo parque marinho surgiu face aos alertas de entidades locais para a necessidade de proteger o recife e também a pequena pesca artesanal. Foi então que teve início um processo participativo que se prolongou por dois anos, liderado pela Fundação Oceano Azul e pelo CCMAR, com o envolvimento da Associação de Pescadores de Armação de Pêra, dos municípios de Albufeira, Silves e Lagoa, e da Junta de Freguesia de Armação de Pêra.
“Em 2018 lançaram-se as bases para a criação de uma Área Marinha Protegida de Interesse Comunitário suportada por sólida fundamentação técnica e científica e definida através de um processo participativo, inclusivo, construído ‘de baixo para cima’ que, por um lado, proteja e valorize este capital natural e que, por outro, garanta da melhor forma os interesses e necessidades da comunidade de que dele dependem”, explica Jorge Gonçalves, investigador do CCMAR, citado na nota de imprensa.
“Nunca foi tão urgente proteger o oceano e criar ferramentas de conservação”, referiu por seu turno Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul, salientando que Portugal é “detentor de uma das maiores zonas económicas exclusivas da União Europeia” e por isso pode vir a ter “um papel fundamental na liderança destas questões a nível internacional”.
“As áreas marinhas protegidas, quando devidamente desenhadas e implementadas, produzem mais peixes, peixes maiores e sustentam uma maior diversidade de espécies”, acrescentou o mesmo responsável. “Podemos ter uma atividade económica mais valorizada, com maior retorno para a pesca, um turismo mais sustentável, valorizando os territórios, as atividades e os produtos do mar.”
Modelo de cogestão
Cabe agora ao Governo analisar as propostas e aprovar a criação do novo parque marinho. A cumprirem-se as sugestões em cima da mesa, a nova área protegida vai seguir um modelo de cogestão, “com a participação activa das entidades e organizações locais”. Isto, sem prejuízo da “participação decisiva das entidades representativas do Estado” com responsabilidades nas áreas da conservação da natureza, pescas, turismo e vigilância dessas actividades, indica o documento divulgado esta sexta-feira.
O modelo proposto inclui a criação de uma área de protecção total de quatro quilómetros quadrados, a zona de maior biodiversidade marinha, onde estão proibidas a passagem e quaisquer actividades, com excepção de estudos científicos.
Está prevista também uma área de protecção parcial na crista do recife, com 16,5 quilómetros quadrados, “onde se pretende a protecção de uma zona de interesse ecológico elevado”, que une as duas áreas com mais importância para a biodiversidade marinha. Aqui serão apenas permitidas actividades não extractivas, “sustentáveis e devidamente regulamentadas”, como mergulhos e passeios.
Muito maior é a área de protecção complementar, com 135 quilómetros quadrados, que abarca grande parte do recife rochoso e onde vai ser permitida a pequena pesca artesanal. Por sua vez, vão ser criadas zonas de protecção especial na costa, com regras específicas, para protecção das ervas marinhas e poças de marés, que terão por exemplo espaço para actividades de educação ambiental.
Na zona exterior do recife, poderão operar todas embarcações de pesca, mas por toda a área protegida são excluídas as artes arrasastes: o arrasto, a ganchara e a xávega. De igual forma, “a aquacultura, as dragagens comerciais e a alimentação de praias – a não ser por razões de necessidade extrema e segurança da costa – ficam interditas em toda esta área marinha.
A Fundação Oceano Azul e o CCMAR acreditam que a implementação deste novo parque marinho vai traduzir-se num “processo gradual de curta duração, entre um a três anos, para adaptação e interiorização de procedimentos e regras”. Numa primeira fase, deverá entrar em vigor a área de protecção total e metade da área de protecção parcial, a Este do recife. Numa segunda fase, será implementada a restante área de protecção parcial, a Oeste do recife.