Os incêndios que há uma semana assolam a ilha da Madeira estão a pôr em risco a única colónia de nidificação do mundo de freira-da-madeira (Pterodroma madeira), uma das aves marinhas mais raras do planeta, alertou a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
“Para esta ave marinha ameaçada, o fogo aconteceu na pior altura: quando as crias estão nos ninhos, a ser alimentadas pelos progenitores”, salienta, em comunicado, a SPEA.
“No Curral das Freiras, o fogo alastrou-se através da área de nidificação da freira-da-madeira”, informou Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira. “Alguns dos adultos podem ter fugido, mas com os incêndios as crias podem ter morrido queimadas, de inalação de fumo ou por desabamento dos ninhos.” “Nesta altura, mesmo que os adultos tenham sobrevivido, o sucesso reprodutor deste ano está seriamente afetado, visto que estas aves só põem um ovo por ano. Isto é especialmente grave porque estamos a falar dos únicos ninhos do mundo.”
A freira-da-madeira nidifica apenas em pequenos patamares acima dos 1600 metros de altitude, entre o Pico do Areeiro e o Pico Ruivo, precisamente a zona afetada pelo incêndio.
Estima-se que restem apenas entre 65 a 80 casais desta ave. Uma das aves marinhas mais ameaçadas do mundo, a freira-da-madeira chegou a ser considerada extinta até finais da década de 1960. Hoje é considerada Em Perigo de extinção.
“Estes incêndios vêm agravar a situação já periclitante da freira-da-madeira, que já em 2010 foi gravemente afetada pelos fogos que atingiram a área e causaram a morte de 98% dos juvenis e de um número indeterminado de adultos, e destruíram 80% dos ninhos”, recorda a organização.
A SPEA tem trabalhado para proteger a espécie e a floresta Laurissilva, também gravemente afetada pelos incêndios.
Desde que deflagraram a 14 de Agosto, os incêndios já consumiram mais de 8 mil hectares, o que corresponde a 14% da área florestal da ilha da Madeira. A conflagração afetou o Parque Natural da Madeira, bem como as áreas de Rede Natura2000 da Laurissilva e do Maciço Montanhoso.
“O incêndio de 2010 criou as condições para que plantas invasoras como a giesta se espalhassem nestas áreas. Estas plantas invasoras são muito mais propensas ao fogo do que as plantas nativas da Laurissilva, o que pode ter ajudado a permitir que o incêndio deste ano alastrasse com mais facilidade. Se não houver esforços significativos para impedir que as plantas invasoras alastrem mais, corremos o risco de ter uma floresta cada vez mais apta a arder”, diz Cátia Gouveia.
Mesmo antes do rescaldo, é já certo que as repercussões se vão sentir durante anos, segundo a SPEA. “No Pico Ruivo, as chamas que, nesta quarta-feira, ainda ardiam de forma descontrolada na Achada do Teixeira, estão a destruir vegetação de urzal de altitude, que tem um papel fundamental em manter os recursos hídricos da ilha. Com este ecossistema desestabilizado, irá agravar-se o risco de derrocadas e inundações nos meses de inverno.”
“Para já, é urgente mobilizarem-se mais meios de combate aos incêndios, incluindo meios aéreos com capacidade de chegar às áreas inacessíveis mesmo em condições de algum vento”, defende Cátia Gouveia.
A SPEA junta a sua voz à dos cidadãos que pedem maior mobilização de meios e lamenta a falta de planeamento prévio, que tem dificultado o combate aos incêndios.
“Mas mesmo quando o incêndio estiver extinto, não será o fim. Vão ser precisas décadas de trabalho para restaurar o que se perdeu, e com a proliferação de espécies invasoras, dificilmente voltaremos a ter as serras cobertas das nossas plantas únicas. E é imperativo melhorar o planeamento regional, para evitar que a história se repita”, considera a responsável.