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Foto: Paulo Valdivieso/Wiki Commons

Estuário do Tejo: As aves e um futuro que as ameaça

13.05.2021

Com a destruição ou aumento de pressão de certos locais na aproximação à pista do Montijo, as aves irão afastar-se, na esperança de não colidirem com aeronaves. Quem irá substituir estes animais que ganharam asas muito antes que nós?

O Estuário do Tejo é uma vasta área aquática de intertidal e terrestre no vale do Tejo. Desde a origem do rio Tajo na Sierra de Albarracín, Aragon, este atravessa cerca de nove cidades grandes, cinco barragens, quatro centrais termoelétricas e duas centrais nucleares.

A sua bacia hidrográfica é a maior da Península Ibérica com mais de 80 mil km2 e totalizando um comprimento de 1070 km desde a nascente à foz entre o Forte do Bugio e o Forte de São Julião.

O rio Tejo tem uma importância enorme no que diz respeito à agricultura e agropecuária, bem como para o desenvolvimento de atividades de lazer. A sua água, o solo e a posição geográfica representam recursos impossíveis de quantificar em termos económicos e o maior beneficiário somos nós, humanos.

Apesar da elevada pressão humana, não deixa de haver um interesse por parte de várias espécies de aves. O Estuário do Tejo com cerca de 34 mil hectares é local privilegiado para aves migradoras, aproveitando para se alimentar, para se abrigar e na primavera/verão para nidificar. É o maior estuário da Europa Ocidental e cenário para um dos maiores encontros de aves migratórias do continente.

Durante os meses mais frios do inverno no Norte da Europa, onde as temperaturas descem demais para várias espécies de aves, este Estuário temperado pode reunir cerca de 120.000 aves ao mesmo tempo. A ligação entre a água doce do rio e a água salgada vinda do Atlântico criam habitats perfeitos para as aves como os sapais, zonas de vasa, montado e zonas de aluvião.

Há séculos que a Natureza tem coabitado com as atividades do Homem, e foi em 1976, que a Reserva Natural do Estuário de Tejo foi criada com mais de 14.000 ha. com o objectivo de preservar as espécies e habitats que ali vivem ou que estão de passagem.

A Reserva é local ideal para o birdwatching ou observação de aves, atividade recreativa que tem ganho muitos adeptos nas últimas décadas e representando uma fatia cada vez maior das receitas do turismo de natureza. Os ornitólogos percorrem diferentes países e largas horas em locais secretos só para avistar e fotografar flamingos, águas sapeiras, ostraceiros, gansos, colhereiros ou outras espécies mais raras para adicionar às suas listas de aves. Como ornitólogo, faço visitas guiadas de barco mas também a pé em várias zonas do Estuário.

Um dos locais que prefiro é a baía do Montijo. Contudo, numa maré mais alta do ano (4,10 metros), em pé no barco ao nível da água para observar aves, também conseguimos ver a pista completa da base aérea – que o atual governo pretende transformar em aeroporto internacional para voos comerciais.

Os objectivos desta Reserva, porém, podem estar altamente comprometidos com este projeto que irá mudar drasticamente a frequência de voos, e por isso criando ainda mais pressão sobre a Natureza e mais concretamente sobre as aves que ali vivem ou passam uma temporada.

Para o comum dos mortais, as aves não passam de meros passarinhos. No entanto, se olharmos bem, percebemos que afinal estes fazem parte das inúmeras cadeias alimentares. As andorinhas chegam na Primavera para nidificar e alimentam-se de um dos animais mais irritantes aos olhos do ser humano… o mosquito. Muitas espécies de patos que vêm no Inverno passar a temporada alimenta-se de microalgas e os seus dejetos são muito úteis para a fertilização grandes campos de arroz da lezíria. As majestosas cegonhas e garças alimentam-se de alguns lagostins (espécie invasora) que em poucos dias consegue destruir os canais de irrigação dos arrozais da lezíria. Aves noturnas e aves de rapina que são em regra residentes o ano todo, alimentam-se de coelhos, ratos e musaranhos que comem os cereais que plantamos todos os anos e que alimentam a população. 

Com a destruição ou aumento de pressão de certos locais na aproximação à pista do Montijo, as aves irão afastar-se, na esperança de não colidirem com aeronaves. Quem irá substituir estes animais que ganharam asas muito antes que nós?

O bom senso costuma pôr em causa a importância um projeto com elevado grau de impacto ambiental, como é o caso. Em certa medida, e para o desenvolvimento das regiões e do Homem enquanto sociedade, os valores económicos falam mais alto.

É natural que a Natureza se adapte. O que não é natural é havendo alternativas e depois de milhões de Euro já gastos para estudos de viabilidade, o governo atual mantenha um duvidoso interesse com consequência irresponsável na construção do projeto que irá certamente prejudicar os “passarinhos”. Um aeroporto internacional em vez de ser pensado para o próximo século ficará limitado a 50 anos, já que a subida média do nível do mar é uma tendência inequívoca provocada pelas alterações climáticas.

O tempo obriga-nos a pensar nos nossos actos, as aves não têm essa virtude, fazem-no porque está na sua Natureza. As ameaças às aves do Tejo são eminentes, e como seres consequentes temos o poder de reverter o pensamento egocêntrico para o pensamento de integração dos sistemas e recursos ecológicos. Sabe-se hoje que as alternativas ao aeroporto internacional do Montijo são também viáveis. 


Sobre o autor

Sidónio Paes é biólogo marinho e sócio-gerente da empresa SeaEO Tours

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