PUB

Fotos: CERVAS

Esta coruja-do-nabal recuperou com ajuda de uma “companheira” e foi agora libertada

14.01.2021

Internada no CERVAS devido a uma colisão com uma estrutura desconhecida, esta coruja foi devolvida à natureza a 8 de Janeiro na zona de Salreu, concelho de Estarreja.

Em Portugal, as corujas-do-nabal (Asio flammeus) são “uma espécie pouco comum e há pouquíssimos ingressos em centros de recuperação”, disse à Wilder o veterinário Ricardo Brandão, coordenador do CERVAS – Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens.

Foi em meados de Novembro que esta coruja ingressou no centro situado em Gouveia, no Parque Natural da Serra da Estrela, trazida por agentes do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA/GNR). Tinha sido recolhida por habitantes da aldeia de Argomil, concelho de Pinhel, depois de colidir com uma estrutura.

Sem certezas de que estrutura se tratava, Ricardo Brandão nota que “o mais frequente neste tipo de casos com rapinas nocturnas – e também com gaviões, no caso das rapinas diurnas – é serem causados por estruturas em vidro, como janelas, portas ou até paragens de autocarro”. 

Devido a esse choque, a coruja-do-nabal entrou no CERVAS sem ferimentos, mas com lesões neurológicas que obrigaram a uma recuperação de cerca de um mês e meio.

Ricardo Brandão conta como foi este processo. Nas primeiras duas semanas, a ave recebeu um complexo vitamínico, além de fluídos e alimentação forçada, pois “não conseguia coordenar os seus movimentos corporais e por isso era incapaz de se alimentar sozinha.” Nessa fase inicial esteve numa jaula individual na sala de internamento.

Nas semanas seguintes, recorda o veterinário, a coruja “passou para uma instalação exterior, com mais espaço e estruturas”. Nesse espaço foi acompanhada por outra coruja-do-nabal, que vive no CERVAS desde Dezembro de 2015, quando foi atropelada e deixou de conseguir voar.

Animais “irrecuperáveis” como essa coruja-do-nabal são importantes na recuperação de outros que entram nos centros, explica Ricardo Brandão. Neste caso, nota, “a ave irrecuperável contribuiu para um comportamento mais tranquilo da que se encontrava em recuperação, o que reduziu o risco de acidentes que poderiam provocar lesões derivadas do stress normalmente associado ao cativeiro de animais selvagens”.

A primeira a ser libertada

Finalmente, já totalmente recuperada, a coruja-do-nabal foi devolvida à natureza a 8 de Janeiro – na área do Percurso de Salreu do Bioria, concelho de Estarreja, e não na zona de Pinhel onde tinha sido encontrada, na região da Guarda.

“O local da recolha seria provavelmente local de passagem migratória e por isso optámos por um local com mais condições para a invernada e onde há mais registos da espécie”, indica Ricardo Brandão.

As corujas-do-nabal são aves invernantes em Portugal, onde estão apenas fora da época reprodutora, que decorre entre Maio e Agosto. São uma espécie de distribuição rara e localizada, com hábitos mais diurnos do que outras corujas e mochos.

O problema é que o facto de ficarem mais visíveis durante o dia torna-as também mais vulneráveis, nota Ricardo Brandão. Apesar de ser a quarta coruja-do-nabal a ingressar no CERVAS, esta ave foi a primeira devolvida à natureza. A primeira que ali entrou depois de atropelada, em 2015, é a coruja “irrecuperável”; outras duas ingressaram no centro depois de abatidas a tiro e “não sobreviveram devido à gravidade das lesões.”


Saiba mais.

Com a ajuda de Ricardo Brandão e do site do projecto STRI – Rapinas de Portugal, coordenado pela Associação ALDEIA – à qual pertence o CERVAS -, aprenda um pouco mais sobre a coruja-do-nabal (Asio flammeus):

– São aves de rapina nocturna de dimensão média, semelhantes ao bufo-pequeno, embora ligeiramente maiores. Medem 37 a 39 cm de comprimento e têm uma envergadura de asas entre 95 cm e 1,10 metros.

– A melhor forma de distinguir a coruja-do-nabal do bufo pequeno é “observar o bordo posterior branco no ‘braço’ e a ponta das asas quase preta”. Ao contrário do bufo, estas corujas exibem também “um voo flutuante e errático” e costumam “pousar no solo.”

– São das aves de rapina com hábitos mais diurnos e podem ver-se em Portugal de finais de Setembro a Abril, com mais abundância no final de Outono e também no Inverno.

– Uma “característica peculiar” destas corujas é que “nidificam no solo”: “a fêmea raspa o solo criando uma cavidade de aspecto tosco, que preenche de forma rudimentar com alguma vegetação e penas; a postura é, em média, de quatro a oito ovos que são postos com um intervalo de 24h a 48h”.

– A coruja-do-nabal é “atraída pelas áreas abertas dos aeroportos”, pelo que uma causa conhecida de mortalidade é a “colisão com aeronaves”. A área do Estuário do Tejo, aliás, é um dos locais onde recentemente tem sido mais vezes observada.

– Como o Estuário do Tejo, outros locais com mais observações encontram-se no Litoral Centro e Sul do país, nomeadamente o Estuário do Sado, e em números mais reduzidos a Ria de Aveiro e a Ria Formosa.

– Outra das várias ameaças referidas é o abate ilegal: “esta coruja é frequentemente surpreendida por caçadores, levantando voo muito tardiamente aquando da aproximação de pessoas.”

– Estas aves têm uma longevidade máxima conhecida na natureza de 20 anos e nove meses.


Já que está aqui:

Apoie o projecto de jornalismo de natureza da Wilder com o calendário para 2021 dedicado às aves selvagens dos nossos jardins.

Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

O calendário pode ser encomendado aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

Don't Miss