Equipas voltam ao campo para fazer detecção acústica e captura de morcegos

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Em Abril, os investigadores do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental estão em trabalho de campo no Douro Internacional e no Sabor/Maçã, contou Paulo Barros, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). A informação que conseguirem será crucial para a conservação destes animais.

O futuro é incerto para nove espécies de morcegos em Portugal. Três delas estão mesmo Criticamente Em Perigo e fazem parte da galeria dos animais que lutam pela sobrevivência no nosso país: o morcego-de-ferradura mediterrânico, o morcego-de-ferradura-mourisco e o morcego-rato-pequeno.

Para outras nove espécies, como o morcego-lanudo ou o morcego-rabudo, não sabemos o que se passa com elas. Não há dados sobre a sua abundância e distribuição no Livro Vermelho anterior, publicado em 2005.

Foto: Paulo Barros

Paulo Barros faz parte do grupo de nove investigadores do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental que está no terreno à procura dos morcegos mais ameaçados e raros e dos mais desconhecidos.

E desde que o trabalho de campo começou, em Junho de 2020, já conseguiram encontrar sete das nove espécies mais desconhecidas, revelou o investigador.

Mas há várias espécies que se estão a revelar difíceis de encontrar.

Neste esforço estão envolvidas de forma mais contínua nove pessoas, distribuídas por três equipas. Estes peritos têm um total de 540 locais para visitar, espalhados pelas Áreas Classificadas portuguesas, de Norte a Sul. As visitas começaram em Junho de 2020 e vão continuar até Agosto deste ano.

Foto: Paulo Barros

A região Norte está a cargo da equipa da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), o Centro é da responsabilidade do Instituto de Ciências, Tecnologias e Agroambiente da Universidade do Porto (ICETA)/Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva, (CIBIO/InBIO), e o Sul é da Universidade de Évora.

Com o regresso do tempo mais ameno, regressam também os morcegos. E o trabalho de campo pode retomar.

Em Abril, Paulo Barros estará no Douro Internacional e no Sabor/Maçã, duas das 29 Áreas Classificadas que serão amostradas este ano.

Os investigadores têm duas ferramentas para procurar morcegos: a gravação dos ultrassons emitidos pelos morcegos graças a detetores AudioMoth instalados em árvores e a captura de morcegos com redes de neblina.

“Em cada local de amostragem instalamos três detetores de ultrassons AudioMoth, num total de 540 pontos de detecção acústica em Portugal Continental, para recolher ficheiros acústicos que serão identificados até ao mais baixo nível taxonómico possível”, explicou Paulo Barros. Isto porque cada espécie de morcego emite ultrassons diferentes quando está a caçar, a socializar ou a orientar-se em voo por entre as florestas ou os campos (ou cidades).

Sons de navegação e socialização de morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus) captados a 12 de Setembro de 2020 no Sítio Sabor/Maçãs.

Estas “estações automáticas de gravação são fixadas a estruturas seguras (postes, árvores ou outros suportes equivalentes) a uma altura entre os dois e os quatro metros, com um orientação de 45 graus em relação ao solo e desobstruídos de vegetação”, acrescentou Paulo Barros.

Os três detetores não são instalados ao acaso. Um deles é colocado no local de captura de morcegos e os outros dois são instalados a, pelo menos, um quilómetro de distância, distribuídos pelos habitats mais comuns na região (zonas abertas, coberto florestal, ecótonos – ou seja, zonas de transição entre dois tipos de biótipos, por exemplo floresta e agrícola – e pontos de água).

Foto: Paulo Barros

“Os detetores são instalados ao início da noite e são recolhidos no final dos trabalhos dessa noite. Ficam no campo a recolher dados pelo menos durante quatro horas após o pôr-do-sol. As amostragens acústicas são realizadas apenas em noites com condições meteorológicas propícias à atividade de morcegos, ou seja, noites quentes ou amenas, com pouco vento, sem chuva.” 

“Algumas das áreas classificadas já se encontram monitorizadas, outras estão parcialmente e outras ainda não foram monitorizadas. Serão ainda este ano”, contou Paulo Barros à Wilder.

O que já sabemos até agora

Desde Junho de 2020 os investigadores têm ido ao terreno a recolher dados para actualizar a lista taxonómica de referência de morcegos em Portugal Continental e a distribuição geográfica, habitats de ocorrência, estimativa populacional e as pressões que recaem sobre as espécies de morcegos, seus habitas e abrigos.

Esta informação será depois utilizada para determinar o estado de conservação de cada espécie.

“Até à data, a equipa já realizou um total 288 pontos de deteção acústica, que permitiram o registo de 87.086 ficheiros com atividade acústica” de morcegos, revelou Paulo Barros.

“Os resultados preliminares permitiram verificar uma atividade média de 71,55 passagens/hora em zonas abertas, 58,87 passagens/hora em ecótonos e uma média de 37,29 passagens/hora em habitats fechados.”

Foto: Paulo Barros

Em termos de espécies, até ao momento (parte dos registos acústicos recolhidos no campo já estão processados) foi possível identificar acusticamente pelo menos 11 espécies: morcego-negro (Barbastella barbastellus), morcego de Savi (Hypsugo savii), morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii), morcego-de-água (Myotis daubentonii), morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri), morcego-de-Kuhli (Pipistrellus kuhlii), morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus), morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus), morcego-rabudo (Tadarida teniotis), morcego-de-ferradura-grande (Rhinolophus ferrumequinum) e o morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposideros).

No âmbito do Livro Vermelho já foram feitas também 96 sessões de capturas em 43 Áreas Classificadas. Nestas sessões, os investigadores capturaram 590 indivíduos de 23 espécies das 27 descritas para Portugal Continental.

As espécies com maior número de indivíduos capturados foram o morcego-de-água (Myotis daubentonii) e o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus), ambos com 92 indivíduos cada; seguidos do morcego-de-franja-do-Sul (Myotis escalerai), com 67 indivíduos.

Quanto à presença em Áreas Classificadas, as espécies mais ubíquas foram o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus), o morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus) e o morcego-de-água (Myotis daubentonii), capturadas, respectivamente, em 58%, 44% e 39% das 43 Áreas Classificadas amostradas.

“As espécies Myotis mystacinus (morcego-de-bigodes) e Nyctalus noctula (morcego-arborícola-grande) foram as únicas capturadas apenas num ponto de amostragem, na Área Classificada Alvão/Marão e Cabrela, respetivamente”, sublinhou.

Até à data, os investigadores ainda não conseguiram capturar qualquer exemplar de morcego-de-ferradura-mourisco (Rhinolophus mehelyi), morcego-rabudo (Tadarida teniotis), morcego-de-bigodes de Alcathoe (Myotis alcathoe) e de morcego-de-franja-críptico (Myotis crypticus).

Quanto às espécies com estatuto de ameaça DD (Informação Insuficiente), os investigadores já conseguiram encontrar sete das nove. O morcego-arborícola-pequeno foi encontrado em 12 áreas classificadas, o morcego-negro em oito, o morcego-orelhudo-castanho em sete, o morcego-lanudo em quatro, o morcego de Savi em duas e os morcegos arborícola grande e gigante numa área classificada cada um.

Morcego-pigmeu. Foto: Evgeniy Yakhontov/Wiki Commons

Segundo Paulo Barros, há espécies de morcegos que são mais difíceis de estudar ou de encontrar.

“De um modo geral temos as espécies mais raras porque a sua escassez dificulta os seus registos (quer de captura quer de registros acústicos) – como por exemplo o morcego-de-bigodes (Myotis mystacinus), o morcego de Bechstein (Myotis bechsteinii) ou o morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula) – ou as espécies que foram descritas para o nosso território muito recentemente como o morcego-de-bigodes de Alcathoe (Myotis alcathoe) ou o morcego-de-franja-críptico (Myotis crypticus).”

Em termos acústicos, acrescentou, “a maior dificuldade são para espécies que emitem em altas frequências (Rhinolophus sp.), espécies que emitem pulsos de baixas intensidade, que designamos de espécie sussurrantes (e.g. Plecotussp. ou o Barbastella barbastellus) e ao nível da identificação, já que os ultrassons de algumas espécies se sobrepõem impossibilitando a identificação segura da espécie”.

“No que toca às capturas, a maior dificuldade prende-se com espécies mais esquivas e de voo mais manobrável (e.g. Rhinolophus sp.) ou espécies de voo alto (e.g. Tadarida teniotisNyctalus lasiopterus).”

A recolha de informação sobre morcegos é considerada uma prioridade nacional. “O desconhecimento generalizado destes mamíferos, a dificuldade na sua monitorização e identificação e a complexidade de abrigos e habitats onde ocorrem são, sem dúvida, o mais desafiante no estudo dos morcegos”, escreveu Paulo Barros no site do Livro Vermelho.

Dezenas de investigadores, técnicos e voluntários estão a tentar saber como estão os mamíferos de Portugal Continental, de Norte a Sul do país, num projecto que terminará em 2022.

Os dados mais recentes, que têm 15 anos, dizem que em Portugal há 18 espécies de mamíferos ameaçadas de extinção. Esses dados foram compilados para o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicado em 2005.

Dessas 18 espécies, as mais ameaçadas (Criticamente Em Perigo) eram o morcego-de-ferradura-mediterrânico, o morcego-de-ferradura-mourisco, o morcego-rato-pequeno, a cabra-montês e o lince-ibérico. Três estavam Em Perigo – o lobo-ibérico, a baleia-comum e o morcego de Bechstein -; e 10 eram Vulneráveis – a toupeira-de-água, rato de Cabrera, morcego-de-ferradura-pequeno, morcego-rato-grande, morcego-de-franja-do-Sul, morcego-de-peluche, a baleia-anã, o boto e o gato-bravo.

Passados mais de 15 anos, a equipa do Livro Vermelho dos Mamíferos quer saber qual a situação actual de conservação destes animais.


Agora é a sua vez.

Participe de forma ativa no Livro Vermelho dos Mamíferos e envie as suas observações para https://livrovermelhodosmamiferos.pt/colabore/.


Saiba mais.

Estas são as áreas classificadas onde vão ocorrer este ano os trabalhos de deteção acústica: Azabucho/Leiria, Caia, Carregal do Sal, Douro Internacional, Guadiana, Malcata, Monchique, Montesinho/Nogueira, Nisa/Lage Prata, Paúl da Arzila, Paúl do Boquilobo, Paúl da Tornada, Peneda/Gerês, Peniche/Santa Cruz, Ria de Alvor, Rio Guadiana/Juromenha, Rio Paiva, Rios Sabor e Maçãs, Ribeira de Quarteira, Serra da Estrela, Serra da Gardunha, Serra da Lousã, Serra de Arga, Serras d’Aire e Candeeiros, Serra de Montemuro, Serras da Freita e Arada, Sintra/Cascais, São Mamede e Tejo Internacional.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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