O incêndio de 1978 no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa (MUHNAC-ULisboa) reduziu toda a colecção zoológica a cinzas. Hoje, Paulo Sousa cuida de uma importante colecção de abelhas silvestres de Portugal, doada em 2020. Leia a entrevista no Dia Mundial da Abelha.
Em 2020, o MUHNAC-ULisboa recebeu uma importante colecção de abelhas representativa da diversidade das espécies silvestres no nosso território. A “Coleção Baldock” é o resultado de anos de investigação de campo por cientistas portugueses e estrangeiros e pode ajudar a conhecer e conservar melhor estes animais. Paulo Sousa – que está no Museu com uma bolsa de mestrado da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Roberto Keller, curador da colecção de Entomologia – tem-se dedicado a esta colecção.
WILDER: Pode descrever um pouco a Colecção Baldock?
Paulo Sousa: É difícil, para já, apontar um número de espécies e de quantos espécimes. A coleção ainda não foi toda processada. Apesar de ter sido doada em 2020 só agora com o Roberto Keller é que está a ser feito esse processamento. Neste momento estão processados 701 espécimes e 83 espécies. Contudo ainda só foram processadas duas famílias de um total de seis, pelo que estes números deverão aumentar consideravelmente. Prevemos que possamos chegar aos 2.000 exemplares e ao triplo das espécies.
Esta é uma coleção da fauna continental portuguesa e os espécimes são maioritariamente do distrito de Faro ou de zonas litorais dos distritos de Setúbal e Beja. Existem, naturalmente, espécimes de outras regiões mas são uma minoria. Foram também capturados maioritariamente durante o século XXI, e temos exemplares praticamente de todos os anos do presente século. É por isso uma coleção muito atual que nos dá uma informação muito atualizada do estado das populações de abelhas selvagens, apesar de ser geograficamente muito restrita às regiões algarvias e da costa vicentina.
W: A colecção foi recebida no Museu em 2020. Quem a doou? Porque se chama Baldock?
Paulo Sousa: A coleção foi doada por um especialista em abelhas selvagens chamado Thomas Wood. No entanto a coleção não era dele, era de um outro especialista chamado David Baldock. O David Baldock tinha recolhido e identificado grande parte destes espécimes pessoalmente e como era especialista a coleção estava muito, muito bem preservada e os espécimes estavam todos muito bem montados e identificados. Esta coleção era a sua coleção de trabalho. Falo no passado porque, infelizmente, o David faleceu em 2020. E essa é exatamente a razão pela qual a coleção foi doada. Muitos especialistas dedicam muito tempo às suas coleções e sabem o enorme valor que elas têm para ecologistas, taxonomistas, etc. Normalmente sentem que após a sua morte ou reforma faz sentido estas coleções serem doadas a Museus de História Natural (como o MUHNAC-ULisboa) onde pessoas treinadas e com equipamento especializado podem manter as suas coleções preservadas e acessíveis para a restante comunidade científica e para o público. Por isso, quando o Thomas Wood doou esta coleção estava, na verdade, a cumprir a vontade do David Baldock de manter esta coleção preservada e acessível à comunidade científica.
W: Qual a sua importância e potencial e como está a ser utilizada?
Paulo Sousa: São ambos enormes, tanto o potencial como a importância. O facto de ser tão atual, de os exemplares estarem quase todos identificados por especialistas (o David recorria também a colegas especialistas em caso de dúvidas) e de ter sido recolhida informação essencial como a data de captura, o local, etc, permite-nos utilizar isto para um leque vastíssimo de objetivos. Por exemplo, esta coleção pode ajudar a definir estatutos de conservação para as abelhas em Portugal (identificar espécies em risco de extinção e áreas do nosso país que façam sentido terem leis especiais para serem protegidas). Outra utilização é também o de servir de coleção de referência, ou seja, alguém que esteja a desenvolver um estudo com estes animais e precise de confirmar as suas identificações pode recorrer a esta coleção para o fazer.
Neste momento, como disse, a coleção ainda está a ser processada. Ou seja estamos a introduzir toda a informação nas nossas bases de dados (no futuro ficará acessível on-line), estamos a fotografar alguns exemplares (dois/três por espécie) e estamos a catalogá-los, ou seja, estamos a dar a cada espécime um código único do nosso museu. No entanto, a coleção está disponível para qualquer investigador que a queira consultar e no futuro toda a informação estará também disponível.
W: Hoje, o Museu alberga quantas espécies e espécimes de abelhas, no total?
Paulo Sousa: Como não temos ainda a coleção Baldock toda processada é dificil responder a essa pergunta. Sem a coleção Baldock nós temos cerca de 109 espécies e 356 indivíduos. O que é francamente insuficiente para um Museu Nacional de História Natural. O MUHNAC-ULisboa sofreu um incêndio em 1978, que reduziu toda a sua coleção zoológica a cinzas. Todos os exemplares que estão neste momento no museu são provenientes de colheitas posteriores a essa data e doações. Essa é a principal razão para a nossa coleção de abelhas ser tão reduzida e é por isso que a coleção Baldock é tão importante para o museu porque vem aumentar exponencialmente o nosso espólio. O nosso objetivo, aqui no departamento de zoologia e antropologia, é de que quando a coleção Baldock esteja toda processada seja incorporada definitivamente na coleção geral de entomologia. Porque o importante num museu não é as coleções estarem organizadas por coletores ou doadores (salvo excepções particulares) mas sim estarem organizadas por grupos taxonómicos independentemente de quem colectou ou doou aquele espécime em particular.
W: Quais os cuidados necessários para a manutenção da colecção Baldock e das coleções de abelhas no geral? Como são guardadas e preservadas?
Paulo Sousa: As coleções de abelhas, seja a Baldock ou qualquer outra, requerem o mesmo cuidado que as coleções entomológicas de outros grupos de insetos. Têm de estar num ambiente seco e frio para evitar a sua destruição por pragas, como uns escaravelhos chamados dermestideos, e por fungos. Antigamente eram também utilizados químicos (p.ex. Naftalina) para fazer este controlo. Atualmente todos os químicos e pesticidas estão a ser substituídos por barreiras físicas. Isto quer dizer que os espécimes são guardados em gavetas entomológicas que fecham hermeticamente e essas gavetas são guardadas em armários de metal que, também eles, fecham hermeticamente.
Isto não significa que não possam sair das gavetas. Como já referi, as coleções estão todas acessíveis. O que fazemos quando uma gaveta está muito tempo fora da sala onde temos condições de temperatura e humidade controladas, ou quando recebemos coleções novas é colocá-las cinco dias no congelador a -30o, matando assim todos as pragas e fungos que possam existir.