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Um dos milhafres encontrados em Castro Verde. Foto: A. Godino / AMUS-LIFE EUROKITE

Encontrados cinco milhafres-reais mortos em Castro Verde, com suspeitas de envenenamento

05.01.2021

O caso está a ser investigado pelo Núcleo de Investigação de Crimes e Contraordenações Ambientais do Comando da GNR de Beja, por suspeita de crime.

Os cinco milhafres-reais já sem vida foram encontrados no sul do concelho de Castro Verde, a 3 de Dezembro, porque uma das aves estava equipada com um emissor GPS no âmbito do projecto LIFE Eurokite, que tem como objectivo reduzir a mortalidade desta espécie ameaçada de extinção no sul da Europa.

“Esta ave tinha sido marcada com emissor na Alemanha, e tal como grande parte da população do centro da Europa, veio invernar para o sul de Portugal”, explica uma nota de imprensa enviada à Wilder. “Perante o sinal de mortalidade emitido pelo emissor GPS, os responsáveis pela monitorização deste projeto LIFE activaram o dispositivo de busca e detecção desta ave.”

Foto: A. Godino / AMUS-LIFE EUROKITE

A equipa do Serviço de Protecção de Natureza e do Ambiente da GNR de Almodôvar foi então alertada pela espanhola AMUS-Acción por el Mundo Salvaje, uma organização não governamental de ambiente (ONGA) parceira do LIFE Eurokite, responsável pela monitorização da mortalidade das aves no Sul de Espanha e Portugal. Este contacto foi feito em colaboração com outras ONGA portuguesas: SPEA – Sociedade para o Estudo das Aves, LPN – Liga para a Protecção da Natureza e ALDEIA/ RIAS – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens.

Em resposta ao pedido de confirmação da morte e levantamento do cadáver, para ser analisado e ser determinada a causa da morte, deslocou-se então ao local um militar do SEPNA/GNR de Almodôvar, acompanhado por pessoal técnico do LIFE Eurokite.

“O milhafre-real foi encontrado de forma quase imediata e perante as suspeitas de ter morrido envenenado, foi activado o protocolo do Programa Antídoto Portugal, para recolha e encaminhamento do cadáver”, relata a nota de imprensa, que informa que “foi também accionada a equipa cinotécnica de deteção de venenos do comando da GNR de Beja”.

Foto: A. Godino / AMUS-LIFE EUROKITE

A inspecção feita pela equipa cinotécnica, composta por um agente e por um cão treinado, permitiu que fossem encontrados na mesma área outros quatro milhafres-reais mortos, “com evidentes suspeitas de terem sido envenenados.”

A investigação está actualmente nas mãos do Núcleo de Investigação de Crimes e Contraordenações Ambientais do comando da GNR de Beja, por suspeita de crime.

Os responsáveis do projecto de conservação acreditam que é “altamente provável” que se confirme que as aves foram envenenadas, “dadas as circunstâncias e o número de milhafres-reais mortos numa área tão reduzida”. Se isso acontecer, lembram que é mais um caso semelhante a outros já ocorridos no concelho de Castro Verde, tendo como vítima principal o milhafre-real.

Em 2016, por exemplo, foram ali envenenados 11 milhafres-reais, além de uma águia-imperial-ibérica e uma raposa, no que foi considerado “o mais grave caso de envenenamento de animais selvagens do Alentejo”.

Criticamente em Perigo de extinção

O milhafre-real (Milvus milvus) é uma ave de rapina de dimensões médias, maior e mais pálida do que o milhafre-comum, com uma cauda bastante bifurcada.

Cerca de 95% da população mundial de milhafres-reais habita em países europeus. Mas nalguns destes países, em especial no sul da Europa, a espécie “está a sofrer um grande declínio”. Em Portugal, é considerada Criticamente em Perigo de extinção.

Milhafre-real. Foto: Hansueli Krapf/Wiki Commons

Com efeito, a população reprodutora de milhafres-reais em território nacional “tem sofrido extinções locais e, provavelmente está já extinta na metade sul do país”, adianta a equipa do LIFE Eurokite.

“As únicas populações reprodutoras em Portugal encontram-se distribuídas no Nordeste do país, mas apresentam tendências negativas. Este declínio parece estar a evoluir de forma semelhante ao ocorrido nas populações do sul de Portugal e em algumas regiões de Espanha nas últimas décadas.” 

Nos meses mais frios, a Península Ibérica e o sul de França recebem ainda milhafres-reais que se reproduzem noutros países do nordeste da Europa, que para aqui se deslocam nesta época do ano.

Venenos são a maior ameaça

A nível europeu, explica o site do LIFE Eurokite, a principal ameaça à sobrevivência da espécie é precisamente o envenenamento ilegal – tanto o envenenamento directo, com o objectivo de matar estas aves e outros predadores, como o envenenamento indirecto, resultado do uso de pesticidas e de venenos para ratos.

No caso das aves agora encontradas em Castro Verde, “a rápida deteção do milhafre-real morto graças ao emissor que transportava e o apoio dado pelas várias ONGA envolvidas permitiram a célere intervenção do SEPNA da GNR”, notam os responsáveis do projecto, que sublinham que desta forma evitou-se “uma maior mortalidade, especialmente depois da inspecção realizada pela equipa cinotécnica”. 

Foto: A. Godino / AMUS-LIFE EUROKITE

“Esperamos que a união das diferentes entidades públicas e privadas envolvidas na luta contra o uso ilegal de veneno na fauna selvagem permitam reduzir esta ameaça para esta espécie em perigo de extinção em Portugal”, afirmam.

O projeto LIFE Eurokite pretende continuar com a monitorização dos vários milhafres já equipados com emissor GPS em Portugal durante este Inverno, estando prevista para os próximos anos a marcação de mais de 600 indivíduos com esta tecnologia por toda a Europa, adianta a equipa. O objectivo desta monitorização é “conhecer melhor e com elevada precisão todos os movimentos dos indivíduos marcados”.

“Com este acompanhamento detalhado será possível actuar de forma eficaz na deteção e identificação de potenciais casos de mortalidade, especialmente em situações de origem antropogénica como o envenenamento, eletrocussão e abate a tiro.”


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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