Íbis-pretas voam sobre os arrozais de Vila Franca de Xira, no Estuário do Tejo. Foto: Edna Correia

Edna Correia está a investigar como vivem as aves selvagens nos arrozais do Tejo

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A investigadora do CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar ganhou uma Medalha de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, cujo dinheiro lhe vai permitir usar aparelhos de GPS para seguir as íbis-pretas.

Esta bióloga de 34 anos, que trabalha numa equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa ligada ao estudo das aves aquáticas, foi uma das quatro premiadas com uma Medalha de Honra L’Oreal Portugal para as Mulheres na Ciência. O dinheiro do prémio, 15.000 euros, vai ser aplicado a investigar “até que ponto os arrozais podem servir de alternativa para as aves que tradicionalmente dependem de zonas húmidas naturais”, disse à Wilder.

Edna Correia a transportar varas de anilhagem no estuário do Tejo. Foto: Teresa Catry

É que por todo o mundo já se perderam “mais de metade das zonas húmidas” – ecossistemas que têm “uma elevada importância para a biodiversidade” – especialmente “devido à expansão agrícola”, lembra esta cientista. O arroz é precisamente uma das principais culturas ligadas a essa mudança e além do mais “a base alimentar de cerca de metade da população humana”, pelo que é um produto importantíssimo.

Mas muitas vezes, aves como as íbis-pretas deixam de ter lugar nestes novos espaços, afastadas por exemplo através de “espantamentos baseados em perturbação sonora”. Isto porque os produtores de arroz têm “a percepção de que os prejuízos que as aves estão a causar à produção são importantes”.

Íbis-preta (Plegadis falcinellus). Foto: Bernard DUPONT/Wiki Commons

A resposta a esta incompatibilidade, acredita Edna Correia, começa pela investigação. “Queremos quantificar esses prejuízos de forma rigorosa, de forma a contribuir para reconciliar as preocupações dos produtores de arroz com uma gestão dos arrozais em conformidade com a conservação da biodiversidade”, sublinha.

O próximo passo? A partir de Agosto, está prevista a colocação de aparelhos GPS em pelo menos 15 íbis-pretas que frequentam os arrozais do Estuário do Tejo, que assim vão ser seguidas no seu dia-a-dia. A equipa à qual pertence a investigadora está interessada em estender o trabalho a outras espécies, “assim que surjam oportunidades de financiamento”.

Arroz e lagostins

A íbis-preta (Plegadis falcinellus) é uma ave “de aspecto exótico” e “com reflexos esverdeados nas asas”, descreve o portal Aves de Portugal. Permanece em Portugal ao longo de todo o ano, embora seja mais frequente nos meses de Inverno, e chega a formar bandos de algumas centenas.

Apesar de já dispor de informação sobre os hábitos alimentares da espécie, Edna Correia nota que “ainda há muito trabalho a fazer”.

Edna Correia a abrir redes de anilhagem nos arrozais. Foto: Teresa Catry

“O que sabemos é que se alimentam de arroz – tanto arroz caído no solo como directamente da planta – mas também de vários invertebrados, como o lagostim-vermelho-do-Louisiana Procambarus clarkii [espécie invasora]; mas também insectos, minhocas, caracóis.”

A marcação com aparelhos de GPS vai ajudar também a saber “com que intensidade é que as íbis-pretas usam os arrozais e os habitats adjacentes e quais são os principais usos que fazem desses diferentes habitats”.

Certo é que tanto o arroz e o lagostim são “fontes de alimento transversais para grande parte da comunidade de aves que usam os arrozais do Tejo” e são por isso considerados elementos centrais para estas espécies que ali passam os seus dias.

Ao longo das estações do ano, estas áreas do estuário estão cheias de vida. “Os arrozais tendem a ser importantes durante grande parte do ano, mas a sua utilização varia de espécie para espécie. Por exemplo, durante o Verão e Outono há grandes concentrações de íbis e cegonhas nos arrozais, mas os patos e as aves limícolas tendem a ser mais abundantes no Outono e Inverno. Apenas durante a Primavera, quando a maioria das espécies escolhem outras áreas para se reproduzir, é que os arrozais parecem ficar mais pobres.”


Foto: Teresa Catry

Retrato de uma investigadora: Edna Correia

Edna Correia ganhou uma Medalha de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência. Saiba mais sobre quem é esta investigadora e como passa os seus dias.

WILDER: Quando e porque é que decidiu ser bióloga?

Edna Correia: Penso que foi quando tinha cerca de 14 anos. Sempre tive uma relação próxima com a natureza e sabia que queria manter essa relação, e por isso a biologia surgiu como uma resposta natural a essa vontade!

W: E quais são os seus principais interesses de investigação?

Edna Correia: Principalmente estudar a ecologia das aves, o que no meu caso tem acontecido muito através do estudo da sua dieta e comportamento, mas também das suas migrações. Interessa-me também que a minha investigação possa ter alguma aplicabilidade na conservação das espécies ou dos habitats que estudo. E há uma forte componente de trabalho de campo na minha investigação, o que também é muito importante para mim. 

W: Como é que costuma passar os seus dias no trabalho? 

Edna Correia: São muito passados ao computador, quer seja a analisar os dados que recolho no campo, quer seja a transformar esses dados em artigos científicos para publicação. Há dias que passo no laboratório, por exemplo a identificar presas de que as aves se alimentam.

E também há alturas em que passo algumas temporadas a fazer trabalho de campo, que inclui a captura e a anilhagem de aves, ou observação, contagem e recolha de vários tipos de informações ou amostras. Há depois também uma parte do dia-a-dia dedicada à procura constante de financiamento e emprego, e por isso à escrita de propostas de projectos.

W: O que é que mais gosta de fazer neste trabalho? E quais são os maiores desafios?

Edna Correia: Acabo por ir gostando de todas as fases que o meu trabalho implica, mas sem dúvida o trabalho de campo é uma das minhas partes preferidas. É sempre desafiante tentar capturar aves, especialmente quando queremos trabalhar com determinadas espécies mais difíceis de capturar, em que o esforço tem de ser muitas vezes muito grande. Mas esse desafio também tem a sua piada, principalmente quando se supera!

W: Há diferenças de tratamento entre homens e mulheres na investigação em biologia?

Edna Correia: As diferenças infelizmente continuam a existir, como é o caso da predominância de homens em cargos de chefia, que tem a ver com o desigual acesso a oportunidades entre géneros ao longo da carreira. Penso que se têm feito muitos progressos, mas ainda há um longo caminho pela frente em direcção à igualdade entre mulheres e homens na ciência.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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