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Desvendados códigos de barras de ADN das abelhas ibéricas

06.03.2024

Identificar e monitorizar correctamente as centenas de espécies de abelhas que vivem em Portugal é agora mais fácil com a publicação dos códigos de barras de ADN de 514 espécies diferentes, anunciada hoje por uma equipa internacional de investigadores.

As abelhas estão entre os insetos mais familiares e o seu papel como polinizadores é de todos conhecido. Ao visitarem flores para recolher pólen e néctar, as abelhas possibilitam a reprodução de centenas de milhares de espécies de plantas com flores, incluindo muitas espécies agrícolas importantes para a dieta humana.

Abelha Anthophora podagra com ampla distribuição na Europa. Foto: Thomas Wood

Mas isso não lhes garante imunidade à crise da biodiversidade em curso.

As últimas décadas têm sido marcadas por vagas de extinção de espécies e tendências populacionais negativas em abelhas. Milhões de hectares de habitats naturais são destruídos todos os anos, uma grande parte da terra adequada no planeta já foi convertida para agricultura e as alterações climáticas estão a causar desequilíbrios sem precedentes na vida selvagem. 

Por isso, é cada vez mais urgente conhecer que espécies existem e ter ferramentas para monitorizar as suas populações.

Pela sua elevada diversidade, as espécies de abelhas são difíceis de identificar na Península Ibérica e existem (ainda) poucos recursos de identificação publicados. “A dificuldade na sua identificação tem impedido a compreensão das suas comunidades e dos desafios que enfrentam” comentou, em comunicado, Thomas Wood, investigador do Centro de Biodiversidade Naturalis e que estuda as abelhas ibéricas desde 2014.

É aqui que entram os códigos de barras de ADN, sequências curtas de material genético (os nucleótidos do ADN) que permitem distinguir as espécies, tal como os códigos de barras permitem distinguir os produtos nos supermercados.

Acaba de ser publicado num artigo na revista Biodiversity Data Journal um conjunto de dados para 514 espécies de abelhas. Estas informações passam a estar acessíveis publicamente a partir de uma plataforma digital, Barcode of Life Data System (BOLD).

As espécies incluídas representam cerca de 47% da diversidade de espécies de abelhas ibéricas e 21% da diversidade de espécies endémicas.

Se considerarmos as abelhas de Portugal, passam-se agora a conhecer os códigos de barras de ADN de 91% das espécies. Os restantes 9% “são espécies muito raras, ou que a sua taxonomia não está bem definida ou que foram citadas há muitos anos e hoje não se sabe onde ocorrem”, explicou à Wilder Sónia Ferreira, investigadora do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto.

Os mais de mil espécimes que serviram de base a este trabalho foram coletados entre 2014 e 2022 (quase 90% dos espécimes foram colhidos entre 2019 e 2022) durante expedições ao campo em 140 locais de Portugal (590 espécimes recolhidos) e 120 em Espanha (469 espécimes).

Hoje esses espécimes estão depositados em quatro coleções, uma nos Países Baixos, no Centro de Biodiversidade Naturalis, e em três coleções em Portugal: a coleção do FLOWer Lab da Universidade de Coimbra, a coleção do Museu de História Natural e Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP) e a coleção de referência InBIO Barcoding Initiative (IBI) da Associação BIOPOLIS (Vairão, Portugal).

Todos os espécimes foram identificados morfologicamente com microscópios especiais.

Os códigos de barras de ADN foram sequenciados para todos os espécimes. Para isso, foi removida uma pata (às vezes duas, dependendo do tamanho do espécime) a cada indivíduo. Depois, a extracção e sequenciação do ADN foram feitas através de processos bioquímico e de máquinas especializadas.

Abelha Pseudoanthidium eximium com ampla distribuição na Europa. Foto: Thomas Wood

“Estamos mesmo muito felizes”, disse a investigadora.

Mas “este trabalho não está fechado, não acaba aqui”, salientou Sónia Ferreira, explicando que a equipa ainda tenciona ir à procura daqueles 9% de espécies que ficaram de fora desta “biblioteca da vida”.

Portugal estará hoje já muito perto de ter a lista completa das suas espécies de abelhas. “Estamos perto de conhecer bastante bem as espécies que temos mas ainda se vão descrever espécies novas, há espaço para mais umas quantas”, comentou.

As maiores lacunas estão no nosso conhecimento sobre a distribuição e ecologia das espécies.

São vários os projectos a decorrer para melhorar a situação.

Com o lançamento da iniciativa da Comissão Europeia para proteger os polinizadores europeus, tiveram início vários projetos. Os trabalhos desenvolvidos decorrem no contexto do projeto “Genómica da Biodiversidade da Europa” (Biodiversity Genomics Europe, BGE, em inglês), o maior projeto europeu ligado à genómica para estudar a biodiversidade e que está interligado a outros projetos nacionais como o CULTIVAR, e a projetos europeus em curso sobre taxonomia (Orbit, Arcade), lista vermelha (Pulse) e tendências populacionais (Safeguard). Trata-se de criar uma rede europeia de trabalhos genómicos, mais abrangentes do que os códigos genéticos, para construir uma “mega biblioteca da vida”, como lhe chama Sónia Ferreira. Entre as prioridades do BGE estão os polinizadores e os organismos de água doce, dois grupos em que a monitorização é muito urgente.

Outros projetos estão em curso para colmatar as falhas no conhecimento da distribuição das abelhas. Por exemplo, o trabalho iniciado em 2023, e liderado pelo investigador Hugo Gaspar do FLOWer Lab da Universidade de Coimbra, foca no conhecimento sobre a distribuição e a identificação das abelhas portuguesas. O projeto ARCADE incluirá a análise de milhares de espécimes em coleções nacionais históricas e contemporâneas, e a amostragem em habitats favoráveis um pouco por todo o país.


Saiba mais.

Conheça aqui as abelhas que poderá ver em Março, com a ajuda do entomólogo Albano Soares.

Sabe o que é uma abelha?

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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