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Trabalho de campo em floresta nativa. Foto: Ricardo Rocha

Desflorestação facilita a expansão de aves introduzidas na ilha de São Tomé

16.03.2020

Garças-boeiras, bicos-de-lacre e tecelões são espécies não nativas da ilha de São Tomé que beneficiam do abate da floresta. Isto não são boas notícias para as aves autóctones, que não existem em mais lugar nenhum do planeta, alerta um novo estudo.

 

A distribuição de aves introduzidas em São Tomé – como a garça-boeira (Bubulcus ibis), espécie que não existia na ilha antes da chegada das primeiras pessoas – está associada à desflorestação causada pelo Homem, conclui um estudo recentemente publicado na revista científica Animal Conservation.

 

Espécies como a garça-boieira não existiam em São Tomé antes da chegada das primeiras pessoas e hoje em dia estão fortemente associadas aos ecossistemas antropogénicos. Foto: ECOFAC6/BirdLife International/ Jean-Baptiste Deffontaines

 

“É importante (…) perceber que as aves introduzidas apenas conquistam novas áreas da ilha depois de haver desflorestação, pois realça a urgência de proteger os ecossistemas nativos, aqueles onde a influência humana é muito reduzida”, comentou, em comunicado, Filipa Coutinho Soares, primeira autora deste artigo, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

“A longo prazo só conseguiremos garantir a sobrevivência das aves nativas de São Tomé se aplicarmos medidas que se foquem na protecção da floresta.” Na verdade, a protecção da floresta nativa da ilha é considerada a medida mais importante para garantir a conservação da sua biodiversidade única, salientam os investigadores que participaram neste estudo.

As florestas de São Tomé, em São Tomé e Príncipe, têm uma das maiores concentrações de espécies endémicas, isto é, espécies que não se encontram em nenhum outro lugar do planeta. “As suas florestas estão entre as mais importantes para a conservação de aves a nível mundial”, salienta o comunicado enviado hoje à Wilder.

 

São Tomé estava coberta por florestas ricas em espécies únicas no mundo. Mas estas têm sido convertidas para, por exemplo, plantação de palmeiras. Foto: Signe Mikulane

 

Mas, ao longo dos últimos séculos, várias espécies foram introduzidas em São Tomé, de forma acidental ou intencional.

Este estudo quis perceber se estas aves introduzidas estão a causar, ou não, o declínio de espécies nativas.

Para isso, desde 2009 uma equipa internacional tem vindo a recolher informação sobre a distribuição de aves na ilha de São Tomé.

Este esforço contou com o apoio de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, da BirdLife International e de diversas entidades santomenses, como a Associação Monte Pico e o Parque Natural Obô de São Tomé.

 

Trabalho de campo em floresta nativa. Foto: Ricardo Rocha

 

Um pouco por toda a ilha foram realizados pontos de contagem de aves. Em cada um destes pontos, todas as aves observadas ou ouvidas eram identificadas durante 10 minutos. Entre as aves introduzidas contam-se algumas espécies que também foram introduzidas em Portugal, como o bico-de-lacre (Estrilda astrild), a viuvinha (Viuda macroura), bispos e tecelões (Euplectes hordeaceus, Euplectes aureus, Euplectes hordeaceus, etc).

Os resultados revelam que aves nativas e aves introduzidas surgem em locais distintos da ilha, ocupando nichos ecológicos distintos.

“As aves nativas apareceram, sobretudo, nas florestas no centro e sul da ilha, nas zonas mais montanhosas e remotas, enquanto que as aves introduzidas surgem nas zonas não florestadas, mais secas e junto da costa”, explica Filipa Coutinho Soares.

“Esta preferência parece estar associada à alimentação; a maior parte das espécies de aves introduzidas alimenta-se de grãos, que aparecem sobretudo em zonas com maior influência humana.”

Apesar de as aves ocorrerem em locais distintos, o que reduz a competição entre elas, “não podemos descartar totalmente a existência de efeitos negativos sobre as espécies nativas”, acrescenta a investigadora.

Filipa Coutinho Soares está a desenvolver este projecto como parte do seu doutoramento, para compreender quais os impactos das espécies introduzidas no funcionamento dos ecossistemas, quais os factores que limitam a expansão das espécies de plantas introduzidas e qual o impacto das alterações históricas do uso do solo na distribuição actual das espécies.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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