Diabo-lanudo. Foto: © James Bailey

Descoberto diabo-lanudo, novo género e nova espécie de girassol nos EUA

21.02.2025

Membro da família dos girassóis, o diabo-lanudo (Ovicula biradiata) é o primeiro género e espécie de planta a ser descrito para a Ciência num parque nacional norte-americano em quase 50 anos, anunciou a Academia de Ciências da Califórnia.

 

Investigadores daquela instituição, sediada em São Francisco (EUA), e parceiros fizeram a descoberta desta planta no Parque Nacional Big Bend, no Texas. A descrição da Ovicula biradiata – na qual também participaram especialistas daquela área protegida, da Universidade estatal de Sul Ross e do Centro Interdisciplinario de Investigación para el Desarrollo Integral Regional (CIDIIR) em Durango, México – foi publicada a 18 de Fevereiro na revista PhytoKeys.

Diabo-lanudo. Foto: © James Bailey

O nome Ovicula biradiata foi inspirado na aparência lanuda da planta e nas suas chamativas pétalas vermelhas. Ovicula quer dizer “ovelha pequena” e refere-se aos pêlos espessos e brancos que cobrem as folhas da planta e presta homenagem a uma espécie ameaçada mais icónica no Big Bend, o carneiro-selvagem (Ovis canadensis). Biradiata, ou “bi-radial,” refere-se aos dois floretes em cada uma das flores da planta. Os investigadores que estudam esta espécie chamam-lhe, afectuosamente, “diabo-lanudo”, que se tornou no seu nome comum.

O Parque Nacional Big Bend, localizado no Chihuahua Desert – o deserto maior e biologicamente mais diverso na América do Norte – é uma região bem estudada do ponto de vista botânico e tem sido palco para inúmeros censos botânicos ao longo do último século.

Mas esta descoberta representa a primeira vez que um novo género é descrito num parque nacional dos Estados Unidos desde que o arbusto July gold (Dedeckera eurekensis) foi descrito no Parque Nacional Death Valley National em 1976.

Foto: Big Bend National Park

“Muitos podem pensar que as plantas e os animais dos parques nacionais do nosso país estarão já todos documentados. Mas a verdade é que os cientistas continuam a fazer novas descobertas surpreendentes nestas paisagens protegidas icónicas”, comentou, em comunicado, Isaac Lichter Marck, investigador da Academia de Ciências da Califórnia.

Segundo explicou, o diabo-lanudo “é um membro da família dos girassóis, apesar de, à primeira vista, não ser parecido com os seus parentes que melhor conhecemos”.

Depois de terem sequenciado o seu ADN e comparado-o com o de outros espécimes do herbário da Academia, os investigadores descobriram que esta planta pequena e felpuda não só é uma nova espécie dentro do grupo dos girassóis mas é também diferente o suficiente dos seus parentes mais próximos para merecer ser um género totalmente novo.

Diabo-lanudo. Foto: Big Bend National Park

Num dia de Março em 2024, o voluntário no Parque Nacional Deb Manley reparou numa planta diferente, tirou uma fotografia e submeteu-a na aplicação iNaturalist, onde uma comunidade internacional de botânicos se juntou para tentar identificar a flor misteriosa.

Conhecida coloquialmente pelos botânicos como “planta de barriga” – ou seja, uma planta pequena e discreta que só pode ser observada como deve ser se estivermos deitados no chão, de barriga para baixo – esta flor com folhas peludas é uma espécie efémera que apenas floresce depois da chuva. Cresce em habitats secos e rochosos com pouca precipitação e cresce lado a lado com uma variedade grande de arbustos tolerantes à seca.

“As plantas que conseguem prosperar em desertos são, muitas vezes, únicas, tendo desenvolvido mecanismos específicos para suportar condições de seca ou dilúvios extremos nestas paisagens áridas, desde estruturas para armazenar água a ciclos de vida rápidos accionados pela chuva”, comentou Lichter Marck.

Foto: Big Bend National Park

“Mas à medida que as alterações climáticas tornam os desertos ainda mais quentes e secos, plantas altamente especializadas como o diabo-lanudo podem enfrentar a extinção”, alertou.

Os investigadores só encontraram esta planta em três locais de pequena dimensão na parte norte do parque. “É possível que tenhamos documentado uma espécie que já está a desaparecer.”

“Agora que a espécie foi identificada e tem um nome, há uma tremenda quantidade de coisas que ainda temos de aprender sobre ela”, disse Carolyn Whiting, botânica no Parque Nacional Big Bend. “Estou entusiasmada por descobrir se existem outras populações no parque, os detalhes do seu ciclo de vida, quem a poliniza e se vamos conseguir vê-la nesta primavera, dada a seca actual.”

Os visitantes do parque podem ajudar a este esforço registando as flores selvagens que encontrarem depois das chuvas da primavera e submetendo os seus registos na plataforma iNaturalist.

Foto: Big Bend National Park

Neste momento, há trabalho a ser feito no herbário desta Academia de Ciências, que recentemente recebeu uma bolsa para digitalizar toda a sua colecção botânica. Os investigadores estão a estudar as potenciais propriedades medicinais do diabo-lanudo.

“Ao microscópio reparámos numas glândulas conhecidas por terem compostos anti-cancro e propriedades anti-inflamatórias em outras plantas da família dos girassóis”, explicou Keily Peralta, co-autora do estudo e investigadora da Academia.

“Apesar de ainda precisarmos investigar melhor estas propriedades, esta descoberta salienta o conhecimento potencial que poderemos ganhar ao preservarmos a diversidade das plantas nos frágeis ecossistemas de deserto.”


Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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