Na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, 400 plantas extinguiram-se ou estão ameaçadas de extinção. Conheça alguns exemplos de desaparecimentos que estão a acontecer neste momento, alguns à nossa porta.
Os resultados da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental foram apresentados esta terça-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Este projecto, desenvolvido pela Sociedade Portuguesa de Botânica (SPBotânica) e pela PHYTOS – Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, realizou-se entre Outubro de 2016 e Junho passado. Nos trabalhos participaram quase 100 voluntários, de norte a sul do país.
No total, foram avaliadas 626 espécies de flora – com base em dados recolhidos durante os primeiros dois anos do projecto – que representam cerca de um quinto da flora vascular nativa em Portugal, ou seja, que ocorre naturalmente no território português. Destas, a equipa compilou 381 fichas de espécies que estão ameaçadas de extinção, muitas a necessitarem de medidas urgentes, e 19 espécies que já tinham sido registadas em território nacional mas entretanto desapareceram – incluindo duas que ocorriam apenas em Portugal e extinguiram-se assim a nível mundial.
Durante a apresentação desta Lista Vermelha, Miguel Porto, presidente da SPBotânica, indicou vários exemplos de situações em que é muito provável que muitas espécies de plantas em risco tenham o mesmo destino daquelas que já desapareceram. Fique a conhecer três desses casos:
1. A flora única dos solos básicos do Alentejo
Cerca de 30 espécies ameaçadas de extinção, identificadas durante os trabalhos da Lista Vermelha, são especializadas em pousios, culturas de sequeiro e olivais tradicionais de sequeiro, e sobrevivem nos solos básicos do Alentejo. Dessas, 20 “estão estritamente associadas aos olivais tradicionais de sequeiro e searas extensivas entre Ferreira do Alentejo e Serpa”, no Baixo Alentejo, indicou Miguel Porto.
O presidente da SPBotânica sublinhou que estes habitats têm estado “em declínio acentuado nas últimas duas décadas”, situação que “continua a agravar-se”. Em causa estão as culturas intensivas de regadio – olivais intensivos e super-intensivos, por exemplo – que alteram totalmente as condições ecológicas desta zona e são “uma ameaça gravíssima para as espécies que dependem deste ambiente.”
Com efeito, os 3.840 hectares de culturas intensivas permanentes de regadio registados em 2006, entre Ferreira do Alentejo e Serpa, até 2019 tiveram um “aumento drástico” para uma área seis vezes maior: 23.270 hectares.
A Linaria ricardoi, classificada como Em Perigo de extinção, ocorre por exemplo apenas no Baixo Alentejo. “Mais de 80% da população desta espécie encontra-se na zona entre Ferreira do Alentejo e Serpa”, detalhou Miguel Porto, para quem acções de conservação aplicadas a nível local irão beneficiar outras plantas que partilham o mesmo habitat.
Por exemplo? A alcachofra-rasteira (Cynara tournefortii), “raríssima em Espanha”, classificada como espécie Vulnerável em Portugal, onde só é encontrada no Alentejo. Nesta região, sobrevivem “alguns núcleos diminutos, alguns só com uma planta”.
Todavia, dos dois únicos “núcleos populacionais claramente viáveis” identificados, “um foi eliminado em 2018 pela expansão do olival intensivo”, indicou o especialista. “Agora temos apenas um grande núcleo desta espécie existente no mundo”, alertou.
2. Os fetos das serras do Valongo
Nas serras do Valongo, próximas do grande Porto, ocorrem pelo menos três espécies de fetos que despertam a atenção dos botânicos: Vandeboschia speciosa, pinheirinho ou musgo-do-mato (Palhinhaea cernua) e feto-do-cabelinho (Culcita macroparca). São espécies relíquia que ali têm “o único local de ocorrência em Portugal Continental” – com excepção da Vandeboschia speciosa, que “muito recentemente foi reencontrada em Sintra”, adiantou Miguel Porto.
Ora, estes três fetos, ameaçados de extinção, são hoje alvos fáceis de várias ameaças por se limitarem a núcleos populacionais muito pequenos. Em causa estão os incêndios recorrentes nestas serras e a proliferação de plantas invasoras, incluindo espécies nativas como as silvas, mas também a aposta em grandes plantações de eucaliptos que tem provocado “alterações significativas no balanço hídrico” da região.
Mas não só, alertou o biólogo. Por exemplo, pode ser demasiado tarde para o pinheirinho (Palhinhaea cernua), que pode ter “desaparecido recentemente devido às obras de beneficiação de um caminho”.
3. A flora única do Litoral algarvio
Nas contas da equipa da Lista Vermelha da Flora Vascular, há também sete espécies ameaçadas de extinção que em Portugal se encontram apenas no Litoral algarvio, em clareiras de matos e pinhais de solos arenosos. São espécies exclusivas desta região, ou que se podem ver só no sul da Península Ibérica e Norte de África.
São os casos da Armeria gaditana e da Armeria velutina, ambas Criticamente Em Perigo – o último degrau antes da extinção em território português.
Ou também o alcar-do-Algarve (Tuberaria globulariifolia var. major) e a Trisetaria duforei, as duas classificadas, no âmbito da Lista Vermelha, como estando Em Perigo de extinção.
O problema é que o habitat do qual dependem está “em declínio, fragmentado entre urbanizações”, e alvo de uma “forte pressão urbano-turística”. Pior do que isso, nos terrenos que sobram faz-se uma “gestão excessiva de matos”, arrancados sem olhar às espécies que ali sobrevivem, sublinhou o mesmo responsável.
Medidas de conservação em cima da mesa
Perante estas e muitas outras situações, a equipa da Lista Vermelha propôs uma lista de medidas de conservação ao Governo e ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, incluindo a criação ou redelimitação de áreas protegidas, o reforço da aplicação das leis que já existem e a protecção legal de diferentes espécies ou habitats, indicou por seu turno Paulo Pereira, ligado também à SPBotânica.
A gestão de habitats, o controlo de espécies exóticas, o armazenamento de sementes em bancos de germoplasma, a realização de acções de fortalecimento populacional e ainda a reintrodução são outras acções sugeridas.
Por outro lado, indicou o mesmo responsável, este não foi um ponto final para os trabalhos da Lista Vermelha, pois a equipa quer manter um olhar atento sobre o que se está a passar no país. É necessário que haja financiamento para “monitorizar regularmente os núcleos conhecidos” e “realizar estudos sobre a distribuição e dinâmica populacional” de muitas das espécies – tanto ameaçadas como não ameaçadas.
Esses estudos são “essenciais” para se saber onde ocorrem as plantas e para perceber se as populações estão a ganhar ou a perder terreno, “permitindo avaliar se uma espécie está ou não em declínio.”
O projecto quer continuar também no futuro com a avaliação das espécies que ficaram desta vez fora dos trabalhos, por falta de meios, e que representam cerca de quatro quintos da flora nativa de Portugal Continental.
Saiba mais.
Recorde estas duas situações nas quais é urgente actuar, “antes que seja tarde demais”.
Mas na Lista Vermelha também houve boas notícias, como a descoberta no Baixo Alentejo de novas espécies e de outras plantas muito raras, noticiada pela Wilder em 2018.