Os esforços do projeto LIFE Eurokite para recuperar esta espécie ameaçada em território espanhol poderão ajudar também no regresso da população nidificante ao Alentejo, acredita Alfonso Godino, ligado a esta iniciativa. Este ano houve uma primeira tentativa de um casal.
Por estes dias há 32 jovens milhafres-real (Milvus milvus), ainda com poucas semanas de vida, à espera de serem libertados na zona de Valencia del Monbuey, na região de Badajoz, a poucos quilómetros da fronteira com o Alentejo. Com a libertação agendada para meados deste mês de agosto, depois de passarem pela fase de controlo de doenças e por um período de aclimatação, esse será o último grupo de um total de 128 dessas aves de rapina libertadas na Extremadura e na Andaluzia desde 2022. Estas ações têm acontecido no âmbito do projeto internacional LIFE Eurokite, dedicado ao estudo e recuperação da espécie.
Em Portugal, a população reprodutora de milhafres-reais (Milvus milvus), que para aqui migram todos os anos para nidificar na primavera, está classificada desde 2005 como Criticamente em Perigo, o último degrau antes da extinção local. Esta população é atualmente “muito rara” e “a sua abundância e distribuição sofreram nas últimas décadas uma redução significativa”, como descreveu o III Atlas das Aves Nidificantes de Portugal, publicado em 2022. Nesse ano, estimava-se que subsistem entre 50 a 100 casais nidificantes, mas na sua maioria no Nordeste Transmontano e Beira Alta (Ribacoa).
Quanto ao Alentejo essa população terá praticamente desaparecido, afugentada pelos venenos, pela caça ilegal e por alterações no uso do solo, devidas por exemplo aos investimentos na agricultura intensiva. Mas Alfonso Godino, ligado ao projeto de libertação de milhafres-reais do lado espanhol da fronteira, acredita que a situação ainda pode ser revertida.
No sul de Espanha, nas regiões da Extremadura e Andaluzia, a população reprodutora destas aves de rapina também está ameaçada, pelo que o objetivo do projeto é ajudar à criação de um núcleo estável de reprodução de milhafres-reais nesta parte do país – algo que Alfonso Godino acredita que será possível acontecer também do lado português da fronteira. Até porque no caso de projetos semelhantes no Reino Unido e em Itália, como este conservacionista já tinha referido à Wilder numa ação semelhante em 2022, “as aves libertadas voltaram a nidificar num raio de 50 a 70 quilómetros do local de libertação.”
“Os milhafres-reais que têm sido libertados em Espanha começam agora a chegar à idade adulta e de reprodução, com cerca de três anos de idade”, disse à Wilder o mesmo responsável, que é membro da Amus – Acción por el Mundo Salvaje, uma organização não governamental espanhola com sede na Extremadura. “Este ano, tivemos três novos casais reprodutores do lado espanhol e um casal do lado português. Estas últimas aves, por serem ainda inexperientes, não conseguiram reproduzir-se com sucesso, mas acredito que nos próximos anos haverá mais casais a nidificar.”
Para seguir estes 128 milhafres-reais, a equipa do projecto tem vindo a marcar as aves com dispositivos GPS e também com marcas alares, especialmente úteis se os emissores falharem. “Agradecemos a todos os observadores e fotógrafos de aves, assim como a qualquer pessoa de Portugal, o envio da informação e observações destes milhafres-reais”, apelam.
Nascidos no Reino Unido
Todos estes milhafres-reais têm sido transportados desde o Reino Unido, onde o milhafre-real, conhecido como ‘red kite’ em inglês, já esteve próximo da extinção. Hoje chega aos 6000 casais e forma a segunda maior população reprodutora da Europa, ultrapassada apenas pela Alemanha e à frente de França e da Espanha.
Curiosamente, foi a Espanha e também à Suécia que recorreram vários projectos de reforço da população de milhafres-reais no Reino Unido durante os anos 1990, quando esta estava reduzida a poucas dezenas. E por isso, é possível que uma parte dos milhafres agora libertados perto da fronteira portuguesa descendam dos milhafres-reais que tinham sido libertados há cerca de 30 anos, no Reino Unido.
Agora é a sua vez.
O milhafre-real é ligeiramente maior do que o milhafre-preto. Além disso, tem uma tonalidade mais clara, padrões mais bem definidos e a cauda bastante mais forcada.
A cauda é quase cor de ferrugem e tem a cabeça acinzentada, que contrasta com o castanho-claro do resto do corpo. Veja uma destas aves fotografada em Alter do Chão, identificada no “Que Espécie é Esta?”.
Se observar um milhafre-real com marcas alares amarelas com código preto, em especial se estiver no Interior Sul do país, pode enviar a informação para o email da organização espanhola Amus ([email protected]).