Maçarico-de-bico-fino, ilustração de 1830 no livro "The Birds of Europe". Ilustração: Elizabeth Gould & Edward Lear

Cientistas dão quase como certa extinção do maçarico-de-bico-fino

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Há 96% de probabilidades de o maçarico-de-bico-fino (Numenius tenuirostris) já estar extinto, alerta uma equipa de cientistas. O último registo confirmado da espécie é de 1995. A ser confirmada, esta é a primeira extinção mundial conhecida de uma ave do continente na Europa, Norte de África e Ásia Ocidental desde 1500.

Hoje, o maçarico-de-bico-fino está classificado na Lista Vermelha da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN) como Criticamente Em Perigo. Mas agora, uma equipa de investigadores alerta que esta espécie já estará extinta em todo o mundo, num artigo científico publicado a 17 de Novembro na revista IBIS (International Journal of Avian Science).

Maçarico-de-bico-fino recolhido por Albarda, J.H. em 1889. Foto: Naturalis Biodiversity Center

Investigadores da RSPB (Royal Society for Protection of Birds), da Birdlife International, do Naturalis Biodiversity Center (Países Baixos) e do Museu de História Natural de Londres confirmaram a provável extinção do maçarico-de-bico-fino, uma ave migradora costeira vista pela última vez em Marrocos em 1995. 

Esta é a primeira extinção mundial conhecida de uma ave do continente na Europa, Norte de África e Ásia Ocidental desde 1500. Outras duas espécies extinguiram-se nesta região do mundo mas eram espécies de ilhas e não do continente (as espécies de ilhas tendem a ter taxas de extinção mais elevadas). Eram o arau-gigante (Pinguinus impennis) – visto pela última vez em 1844 – e o ostraceiro-das-canárias (Haematopus meadewaldoi), cuja ausência foi notada por volta de 1940.

Durante décadas foram feitos esforços para tentar encontrar maçaricos-de-bico-fino nos territórios de reprodução e de invernada mas sem sucesso. Alex Bond, curador das Aves no Museu de História Natural de Londres, fez parte das equipas à procura desta ave. “Quando o maçarico-de-bico-fino deixou de regressar ao seu principal local de invernada em Merja Zerga, Marrocos, foram feitos muitos esforços para tentar localizá-lo nas zonas de reprodução”, contou Alex Bond, em comunicado. “Várias expedições, milhares de quilómetros quadrados vasculhados. E, infelizmente, tudo isto deu em nada.”

Ao que se sabe, o maçarico-de-bico-fino está restrito ao Paleártico, reproduzindo-se na Ásia Central e migrando para a Europa, Norte de África, Médio Oriente e Península Arábica. Os supostos locais de reprodução ficavam a Este dos Urais, perto de Omsk, na Rússia. Análise a isótopos-estáveis indicaram que a principal zona de reprodução poderá ter ficado mais a sul, no Cazaquistão. As localizações indicadas nos ovos desta espécie guardados nas colecções dos museus de História Natural indicam que esta espécie também poderá ter nidificado a oeste dos Urais.

Pouco se sabe sobre os comportamentos desta espécie, dada a falta de registos, mas acredita-se que migraria para o sul da Europa e Mediterrâneo para escapar aos invernos rigorosos da Sibéria. Há registos destas aves por toda a Europa, incluindo um registo dos anos 1960 em Brittany (França). “Em Portugal conhece-se um registo referente a uma ave que terá sido colhida algures no Ribatejo em meados do século XIX”, segundo o portal Aves de Portugal. “Esta ave encontrava-se conservada no Museu de Nacional de Lisboa, tendo desaparecido com o incêndio que se registou nesse local em 1978.”

Maçaricos-de-bico-fino. Ilustração: John Gerrard Keulemans

O maçarico-de-bico-fino, abundante durante o século XIX, estava perfeitamente adaptado à vida nestas zonas áridas e frias. Mas, no século XX, passou a ser considerado uma das aves mais raras da Europa, Norte de África e Ásia Ocidental. “O último sítio de uma observação confirmada foi Merga Zerga, em Marrocos, onde a espécie estava presente até, pelo menos, 23 de Fevereiro de 1995, havendo provas fotográficas”, escrevem os investigadores no artigo científico. Outros maçaricos-de-bico-fino terão sido vistos em Merga Zerga em 1997 e 1998 mas não há provas fotográficas destas aves.

Segundo os investigadores, a espécie outrora comum estaria já numa trajectória descendente em grande parte do século XX. A probabilidade da espécie se extinguir surgiu nos anos 1940. Mas, apesar deste aviso, só em 1988 a espécie foi classificada como Em Perigo pela UICN.

Em 1994, o maçarico-de-bico-fino passou a Criticamente Em Perigo e em 1996 foi elaborado um plano de acção para a espécie. Mas, segundo os autores do estudo, esta ajuda chegou tarde demais. “A nossa análise indica que a espécie estava à beira da extinção ou extinta quando o plano de acção foi publicado.”

As causas para o declínio do maçarico-de-bico-fino poderão nunca ser compreendidas na sua totalidade. Mas os investigadores apontam o dedo às dragagens das zonas húmidas onde a espécie se reproduzia e se alimentava para fins agrícolas e também à poluição, doenças, pregação e alterações climáticas.

No artigo científico, os investigadores dizem que o maçarico-de-bico-fino é uma espécie que “está extinta” e recomendam que seja incluída como Extintas na Lista Vermelha da UICN. Isto é baseado nas ameaças reais à espécie em toda a sua área de distribuição, nas observações históricas da espécie, nos censos e nos esforços na procura da espécie.

Maçarico-de-bico-fino, ilustração de 1830 no livro “The Birds of Europe”. Ilustração: Elizabeth Gould & Edward Lear

“Se o estatuto da Lista Vermelha da UICN passar de Criticamente Em Perigo para Extinta, o maçarico-de-bico-fino vai tornar-se na terceira espécie de ave que passa grande parte do seu ciclo anual no Paleártico Ocidental a saber-se que se extinguiu desde 1500”, a seguir ao arau-gigante e ao ostraceiro-das-canárias.

A biodiversidade está em crise, alertam os investigadores. “Não conhecemos qual a taxa anual de extinção de espécies porque há espécies que ainda não foram descritas para a Ciência ou que não têm o seu estatuto de ameaça avaliado.” Mas apesar de as aves estarem entre os grupos taxonómicos mais bem estudados, muitas espécies já não são observadas em liberdade há muitos anos ou só se conhecem uma mão-cheia de indivíduos.

Os investigadores defendem que são necessárias avaliações da probabilidade da extinção das espécies de forma a decidir onde alocar tempo e recursos. “A classificação errónea de uma espécie como extinta pode levar ao fim prematuro dos esforços para a conservar o que, por si só, pode causar a real extinção. Por outro lado, a continuada alocação de recursos na conservação de uma espécie que já está extinta arrisca-se a ser um gasto de recursos que são limitados.”

“É essencial que sejam retiradas lições da extinção desta espécie”, defendem os investigadores. “O maçarico-de-bico-fino lembra-nos que mesmo espécies europeias bem distribuídas estão em risco de extinção, que pode acontecer num espaço de tempo relativamente curto.” Hoje existem 43 espécies ameaçadas globalmente na Europa.

“Temos de evitar o próximo ‘maçarico-de-bico-fino’ através de um reforço da conservação, de coordenação de parcerias e políticas de conservação da natureza”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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