O grupo parlamentar do partido deu entrada com um projecto de resolução na Assembleia da República, no qual recomenda ao Governo a tomada de medidas a propósito da construção da ponte-açude na zona de Cacia.
Em causa estão os efeitos que a nova obra deverá ter sobre várias espécies de peixes migradores anádromos, como a lampreia-marinha, o sável e a truta-marisca, que se desenvolvem no mar e sobem o Vouga e os seus afluentes Águeda e Alfusqueiro quando chega a altura da desova, afirma o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE).
Entre várias medidas recomendadas ao Governo, no âmbito deste projecto de resolução, os deputados do partido advogam a instalação de uma passagem de peixes na ponte-açude e a monitorização da sua eficácia, caso o projecto tenha uma declaração de impacte ambiental favorável.
A construção da ponte-açude do Rio Novo do Príncipe foi adjudicada em Setembro passado pela Comunidade Inermunicipal da Região de Abeiro, ao grupo ABB, por 9,9 milhões de euros (acrescidos de IVA). Além da defesa contra cheias e marés da zona do Baixo Vouga Lagunar, tem como objectivos “travar o avanço da cunha salina e aumentar a disponibilidade de água doce para fins agrícolas, bem como para a unidade industrial de produção de pasta de papel da propriedade da empresa Navigator”, descreve o projecto de resolução, que deu entrada na Assembleia da República esta segunda-feira, dia 18.
No entanto, o futuro equipamento, “em plena Zona Especial de Proteção da Ria de Aveiro, constituirá uma barreira à continuidade longitudinal” de várias populações de espécies de peixes ameaçadas de extinção, nota o grupo parlamentar.
“Na última edição do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicada em 2005, o sável está classificado como «Em Perigo» e a lampreia-marinha e a truta-marisca como «Criticamente Em Perigo» de extinção. Segundo especialistas, não se prevê que a revisão do Livro Vermelho dos Peixes Dulçaquícolas e Migradores altere os estatutos de conservação desfavoráveis destas espécies”, acrescenta o BE, que cita uma entrevista dada por Pedro Raposo de Almeida à Wilder.
Este professor catedrático na Universidade de Évora e especialista em peixes migradores avisa que a nova obra “terá consequências muito negativas” para várias espécies, que “são especialmente vulneráveis à fragmentação de habitat provocada por açudes e barragens que interrompem o seu percurso migratório”.
O projecto não prevê também a construção de uma passagem para peixes – equipamento que neste caso não é exigido pela Agência Portuguesa do Ambiente e pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e que ficará dependente de um estudo a apresentar pela Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro. Esta posição é considerada “inaceitável” pelos parlamentares do BE, que recordam que tanto a Zero e Quercus “mostraram a sua preocupação pela ausência de estudos e avaliações prévias à construção do açude”.
Avaliação de impacte ambiental data de 2003
Por outro lado, os deputados recomendam também a sujeição desta obra a um novo procedimento de avaliação de impacte ambiental, uma vez neste caso está a ser considerada válida “uma declaração de impacte ambiental favorável de 2003, com mais de 18 anos, atribuída a um projeto que nada tem a ver com o atual e que desconsidera a nova situação de referência”. O que estava em cima da mesa, nessa altura, era a construção de “infraestruturas hidráulicas de uma pista olímpica de remo e canoagem”, que nunca chegou a avançar no Rio Novo do Príncipe.
Ora, desde então a situação de referência mudou, afirma o grupo parlamentar português, que dá como exemplos a existência actual do sistema de barragens Ribeiradio-Ermida, “que veio alterar o regime de caudais do sistema lagunar”, e a inclusão da área do projecto na Lista Nacional de Sítios.
Para passar a resolução e ser apresentado ao Executivo de António Costa, este documento terá de ser ainda aprovado em votação na Assembleia da República. As resoluções não têm carácter vinculativo nem força de lei, servindo antes de tudo para apresentar as convicções políticas dos partidos, sob a forma de recomendações ao Governo.
Os deputados do Bloco recomendam também ao Governo que “promova a proteção e conservação das populações de peixes diádromos na região, aplicando medidas que permitam proteger, conservar e recuperar as suas áreas de reprodução em cursos de água doce e a sua ligação ao meio marinho”.
Por outro lado, exigem a “protecção agrícola” no Baixo Vouga Lagunar, defendendo que o Executivo deve garantir “a proteção da agricultura, dos pequenos agricultores e do equilíbrio ecológico da região, incluindo medidas de contenção do avanço da cunha salina, nomeadamente uma ponte-açude que esteja em linha com as melhores práticas ambientais”.