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Bichos-de-conta, os minúsculos reis das grutas portuguesas

29.12.2015

O reino dos bichos-de-conta subterrâneos é feito de palácios de calcário, mergulhados na escuridão total. Estes animais milimétricos são o grupo mais diverso de fauna nas grutas portuguesas. Este mês foi publicada uma revisão com a descrição de oito novas espécies endémicas do país.

 

Os bichos-de-conta que vivem nas grutas, lapas e algares de Portugal Continental são animais muito difíceis de observar. “São muito pequenos, fogem da luz e escondem-se rapidamente”, conta Ana Sofia Reboleira, bióloga e espeleóloga de 34 anos.

 

Troglonethes olissipoensis
Troglonethes olissipoensis. Foto: Sofia Reboleira

 

Há quase 70 anos que a lista de espécies registada em Portugal não era actualizada. Até agora. Este mês, Ana Sofia Reboleira, da Universidade de Copenhaga, publicou na revista European Journal of Taxonomy uma monografia com todas as espécies adaptadas à vida nas gruta registadas até agora: 16, o dobro das conhecidas desde 1946. Oito espécies são novas para a Ciência. “Esta monografia compila todos os bichos-de-conta encontrados em grutas de Portugal. Até agora conheciam-se apenas oito espécies e o conhecimento era extraordinariamente incipiente. O estudo dos bichos-de-conta foi abandonado praticamente desde 1946, ano da última monografia”, acrescentou.

Entre 2007 e 2014, Sofia Reboleira, acompanhada por grupos de espeleologia de Norte a Sul, exploraram mais de 60 grutas por todo o país. Encontraram bichos-de-conta em 29 delas.

 

Cordioniscus lusitanicus
Cordioniscus lusitanizas. Foto: Sofia Reboleira

 

As novas espécies foram encontradas em Montejunto (Trichoniscoides bellesi), Serras de Sicó (Trichoniscoides sicoensis), Caldas da Rainha (Metatrichoniscoides salirensis), Cascais (Troglonethes olissipoensis), Serra da Arrábida (Troglonethes arrabidaensis), Serras de Sicó e planalto das Cesaredas (Miktoniscus longispina), Serras D’Aire e Candeeiros (Moserius inexpectatus) e no Alentejo e Algarve (Cordioniscus lusitanicus).

 

Sofia Reboleira num dia de trabalho de campo. Foto: Pedro Pinto

 

Cada gruta foi monitorizada em duas zonas, uma mais à superfície e outra em profundidade. Para conseguir capturar e estudar os animais foram colocadas pequenas armadilhas e foi feita uma procura activa.

Estes bichos-de-conta são uma versão diferente daqueles que podemos observar à superfície, no campo. Segundo explica a investigadora, “são brancos, cegos – porque vivem em plena escuridão – e são mais pequenos, medindo poucos milímetros”. Além disso, “têm as estruturas sensitivas (como pêlos e antenas) mais desenvolvidas para sentirem as vibrações do ar, para perceber onde está o alimento”.

 

Troglonethes arrabidaensis
Troglonethes arrabidaensis. Foto: Sofia Reboleira

 

As fêmeas têm na face ventral do corpo um marsúpio onde os seus ovos amadurecem. Quando saem, já são minúsculos bichos-de-conta totalmente formados e independentes.

Não se sabe ao certo quanto tempo pode viver um bicho-de-conta. Mas em laboratório sabe-se que um bicho-de-conta pode viver mais de um ano.

 

Recicladores por natureza

 

A descoberta de novas espécies faz de Portugal um país com maior diversidade biológica. E quanto a bichos-de-conta, o país tem uma “grande diversidade, se compararmos a sua superfície com a de Espanha, onde estão registadas 27 espécies”, notou.

Além disso, a descoberta também chama a atenção para a importância ecológica destes seres que quase ninguém vê. “Os bichos-de-conta têm um papel crucial. Consomem os detritos (como folhas transportadas pelo ar e toda a matéria orgânica arrastada pelas águas para estas cavidades) que chegam ao mundo subterrâneo e transformam-nos em proteína animal, que serve de alimento para outras espécies que os predam”, como as aranhas, por exemplo, explica Ana Sofia Reboleira. “Têm um papel de limpeza de detritos que assim não chegam aos aquíferos.”

 

Foto: Pedro Pinto

 

Entre as maiores ameaças a estes animais estão actividades humanas como a extracção de inertes – que podem destruir sistemas cavernícolas inteiros – e a poluição. “A contaminação é um problema sério”, diz Ana Sofia Reboleira. “Quando chove, a água infiltra-se, arrastando a poluição de diferentes fontes, como esgotos industriais e domésticos e os pesticidas e insecticidas usados na agricultura.”

Acresce a tudo isto o facto de os bichos-de-conta não conseguirem sobreviver em mais nenhum lugar, a não ser nestas grutas. “Estas ameaças desestabilizam aquele meio. Na verdade, as cavidades em zonas não perturbadas têm uma abundância superior de espécies”, diz a investigadora, que lembra a importância de “explorar as grutas com formação e consciência para proteger o património espeleológico e ambiental”.

 

 

[divider type=”thin”]Saiba onde foram encontradas as oito novas espécies

 

Trichoniscoides bellesi: na zona mais profunda do Algar do Javali, a gruta mais rica no maciço cársico de Montejunto, a uma profundidade de dez metros.

 

Trichoniscoides sicoensis: na Gruta do Soprador do Carvalho, na região de Sicó, debaixo de uma pedra completamente submersa num rio subterrâneo.

 

Metatrichoniscoides salirensis: este é o primeiro registo do género para Portugal e para a Península Ibérica. Foi encontrado na Gruta de Salir, junto ao mar.

 

Troglonethes olissipoensis: na Gruta de Alvide, em Cascais, numa área muito urbanizada. Parte do tecto da gruta é usada como base de um edifício residencial.

 

Troglonethes arrabidaensis: na Gruta do Frade, na Serra da Arrábida.

 

Miktoniscus longispina: na Gruta dos Bolhos, em Cesaredas e na Gruta da Cerâmica no maciço de Sicó.

 

Moserius inexpectatus: na Gruta do Almonda, no Maciço Estremenho. Esta é a maior gruta de Portugal, com pelos menos dez quilómetros de galerias subterrâneas já mapeadas.

 

Cordioniscus lusitanicus: em duas áreas no Alentejo e Algarve, a 200 quilómetros de distância uma da outra.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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