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Pombo da madeira. Foto: Erik Wahlgren

Associações de ambiente enviam queixa a Bruxelas contestando o abate de pombo-da-madeira

31.08.2023

Oito associações enviaram esta semana uma queixa à Comissão Europeia a alertar para o abate supostamente “excecional” de pombo-da-madeira, espécie que não existe em mais nenhum local do mundo. O abate, sublinham, viola a legislação europeia.

Na queixa, as organizações de ambiente (SPEA, ANP|WWF, GEOTA, FAPAS, LPN, Quercus, SPECO e ZERO) denunciam que este abate anual não tem um caráter extraordinário ou pontual de correção de efetivos como argumenta a Administração Regional; antes, dizem, acontece há já 12 anos consecutivos.

Pombo da madeira. Foto: Erik Wahlgren

“Estamos perante um abate contínuo e regular que retira mais de 5% dos efetivos populacionais todos os anos”, comentou, em comunicado, Domingos Leitão, diretor executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), uma das organizações que apresentou a queixa. “Trata-se de um abate em tudo semelhante a uma atividade extrativa e cinegética e cujo impacto na população desta espécie protegida nem sequer está a ser adequadamente monitorizado.”

O pombo-da-madeira, também conhecido na ilha pelo nome de pombo-trocaz, é a única espécie de pombo nativa da Madeira. É uma espécie endémica desta ilha (não existe em mais nenhum local do mundo), que desempenha um serviço ecológico fundamental para o equilíbrio da floresta Laurissilva, actuando como dispersor de sementes de muitas espécies de árvores e arbustos, e contribuindo para o restauro deste habitat, por exemplo após os incêndios.

Devido à sua distribuição restrita e aos baixos efetivos populacionais (10.000-12.000 indivíduos, estimativa de há mais de 12 anos), o pombo-da-madeira é uma espécie protegida a nível europeu, listada no Anexo I da Diretiva Aves e no Anexo III da Convenção de Berna. “O Estado Português e a Região Autónoma da Madeira têm, por isso, uma obrigação legal de proteger a espécie”, defendem as organizações no comunicado. 

Desde 2012 que a Região Autónoma da Madeira tem vindo a efetuar todos os anos um abate “excecional” de pombo-da-madeira, como medida de redução de alegados prejuízos na agricultura.

Na queixa agora apresentada à Comissão Europeia, as organizações de ambiente salientam que o abate desta espécie protegida tem sido feito sem cumprimento de todos os pressupostos e obrigações legais que uma medida desta natureza exige.

“Nunca foi realizada a quantificação e avaliação precisa dos prejuízos causados pela espécie na agricultura, não foi obtida a necessária informação técnico-científica que sustente a opção do abate, nomeadamente sobre a alegada ineficácia das várias medidas alternativas ao abate, como o uso de canhões de gás e de redes protetoras das culturas, nem foi obtida informação precisa sobre o efetivo populacional da espécie.” 

Pombo da madeira. Foto: Erik Wahlgren

Recentemente, a situação agravou-se. “Em 2021, 2022 e 2023, o governo regional da Madeira autorizou que o abate do pombo-da-madeira fosse efetuado por caçadores, sem estabelecer devidamente as condições e os limites desse abate, tratando esta espécie protegida como se fosse uma espécie cinegética a controlar.”

Domingos Leitão salientou que “não é pelo simples facto de uma espécie se alimentar de cultivos agrícolas numa dada altura que existe um prejuízo que justifique o seu controlo. A Diretiva Aves da União Europeia é muito clara e exige que o alegado prejuízo seja avaliado e quantificado com rigor. Só se existir um prejuízo significativo é que se poderá avançar para medidas de proteção das culturas.”

Segundo a legislação europeia, primeiro devem ser implementadas medidas de proteção não letais e só poderá haver recurso ao abate se ficar claramente demonstrado que as outras medidas não funcionam. Mesmo neste caso extremo, só será possível efetuar um abate limitado e controlado, que não coloque em risco a espécie em causa. “Acontece que a Administração Regional não cumpriu nenhum destes pressupostos e decidiu matar pombos-da-madeira sem justificação nem salvaguardas”, salientou Domingos Leitão.

Desde 2012 que as organizações de ambiente insistem com a Administração Regional que o abate de pombo-da-madeira é errado e pedem informação precisa que o justifique. “Mas a informação fornecida pela Administração Regional, tanto sobre a quantificação de prejuízos como sobre a comparação das medidas de proteção das culturas, foi sempre inexistente ou insuficiente.”

Segundo as organizações, entre 2012 e 2020 foi abatida uma média de 472 pombos por ano, num total de 4.253 aves em nove anos. “A continuidade dos abates ao fim de 12 anos é um indicativo de que esta opção para solucionar o problema não é eficaz. Em 2021, 2022 e 2023, com o alargamento dos abates aos cidadãos portadores da carta de caçador, não se sabe quantos pombos foram abatidos, porque à data atual os dados não foram tornados públicos pela Administração, não sendo claro sequer se aqueles existem.” 

As organizações de ambiente que apresentaram a queixa esperam agora que a Comissão Europeia interpele o Estado Português e a Administração Regional da Madeira e faça cumprir a Diretiva Aves, “impedindo o abate ilegal e desnecessário desta espécie única e endémica, que é uma das jóias da ilha da Madeira e da floresta Laurissilva, património mundial da UNESCO”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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