Carine Azevedo apresenta-nos a única espécie nativa de palmeira que ocorre naturalmente na flora portuguesa, e que por estes dias já está a florescer.
Quando falamos em palmeiras, somos imediatamente transportados para ambientes quentes, em regiões tropicais e subtropicais, ainda que sejam inúmeras as espécies cultivadas e plantadas fora dessas regiões.
Para contrariar esta tendência tropical, em Portugal existe uma espécie de palmeira que não tem origem exótica, conhecida como palmeira-da-vassouras (Chamaerops humilis).
A palmeira-das-vassouras é a única espécie nativa de palmeira que ocorre naturalmente na flora portuguesa.
A palmeira-das-vassouras
A palmeira-das-vassouras é uma espécie da família Arecaceae e é a única espécie aceite do género Chamaerops. É conhecida por inúmeros vernáculos, dos quais se destacam: a palmeira-anã, o palmito, a palma, a palmeira-de-leque-europeia, o leque-do-mediterrâneo e a palma-de-moinho-de-vento.
É uma planta perene, geralmente de porte arbustivo, com apenas alguns metros de altura, daí também ser conhecida como palmeira-anã.
Também o seu nome científico teve origem na dimensão natural da planta. O nome do género Chamaerops deriva da combinação de duas palavras gregas: khamai = pequeno, anão, prostrado, e rhops = arbusto, referindo-se ao pequeno porte da planta. O restritivo específico humilis deriva do latim humilis-e = de pouco crescimento ou menor.
Geralmente, a palmeira-das-vassouras atinge alturas médias de dois a cinco metros e 20 a 25 centímetros de diâmetro de caule, ainda que possa, excepcionalmente, atingir cerca de dez metros de altura.
É caracterizada por formar touças densas, com múltiplos pés, dando a ideia de ser bastante ramificada desde a base.
O caule é revestido de fibras cinzento-escuras, reticuladas, provenientes da desagregação das bainhas velhas das folhas.
As folhas são persistentes e formam-se no topo do caule. São verdes, coriáceas, e possuem pecíolos longos e finos, revestidos com espinhos laterais. O limbo da folha divide-se em vários segmentos pontiagudos, assumindo o típico formato de leque. Pela sua forma, estas folhas foram tradicionalmente usadas no fabrico de vassouras, daí o seu nome comum – palmeira-das-vassouras.
A palmeira-das-vassouras é uma espécie polígama ou dióica, uma vez que possui flores hermafroditas ou unissexuais. As flores surgem na primavera, entre março e abril. São pequenas, numerosas, amarelo-esverdeadas e surgem reunidas em inflorescências densas e pendentes, que se formam entre as folhas e que se encontram envolvidas por uma espata de margens lanosas.
O fruto é uma drupa elipsoidal, carnudo, amarelo-avermelhado ou castanho, quando maduro, com dois a três centímetros de comprimento, e não é comestível. Cada fruto contém apenas uma semente.
Endemismo mediterrânico
A palmeira-das-vassouras é uma espécie endémica do Mediterrâneo e encontra-se disseminada pelo oeste e centro desta região, desde o sul de Portugal até Malta e de Marrocos até à Líbia.
Em Portugal, ocorre naturalmente e com mais frequência na região do Algarve, tanto ao longo da costa como em toda a região do barrocal. Ocorre pontualmente no Litoral Alentejano e na Serra da Arrábida, habitualmente em zonas de matos xerófilos e em encostas soalheiras e pedregosas.
A palmeira-das-vassouras necessita de uma exposição solar abundante, ainda que possa, muito pontualmente, tolerar alguma sombra.
É uma planta que se adapta bem a qualquer tipo de substrato, com pH ácido ou básico, podendo viver em solos pobres, arenosos ou rochosos, desde que bem drenados. É bastante tolerante à seca, no entanto não suporta o frio intenso.
É um excelente elemento decorativo em jardins e outros espaços verdes. Isolada ou em maciços, em vasos ou diretamente no solo, é ideal para jardins pequenos e perfeita para jardins com um toque mediterrânico.
Pela sua beleza e importância para o ajardinamento e paisagismo, foi premiada pela Royal Horticultural Society com o prémio de mérito de jardim.
Grande valor ecológico
Ecologicamente é também uma planta muito importante, pois é muito eficaz contra a erosão dos solos e a desertificação.
Possui uma grande resiliência perante os incêndios florestais, pois tem uma elevada facilidade de se regenerar e de formar novas rebentações após a passagem de um incêndio, sendo capaz de sobreviver em zonas repetidamente sujeitas ao fogo e desprovidas de plantas.
O sistema radicular profundo ajuda a fixar os solos, protegendo-os da erosão.
As densas e quase impenetráveis moitas que forma tornam-na num excelente local de refúgio de inúmeras espécies de fauna selvagem, nomeadamente animais com hábitos noturnos como, por exemplo, o texugo (Meles meles), também conhecido como texugo-europeu e texugo-euroasiático, e a raposa – ou raposa-vermelha (Vulpes vulpes).
Estes animais também se alimentam dos frutos, ajudando na dispersão das sementes. A polpa é fibrosa, possui um cheiro forte a manteiga rançosa e é levemente adocicada.
A polinização da palmeira-das-vassouras é essencialmente entomófila, ou seja, depende dos insectos, em particular do gorgulho (Derelomus chamaeropsis), o principal responsável por polinizar as suas flores. O vento é outro dos agentes que contribui parcialmente para a polinização desta planta – polinização anemófila.
Outros usos
Além do valor ornamental e ecológico, as fibras da palmeira-das-vassouras têm múltiplas aplicações artesanais, tais como cestas, chapéus, esteiras, leques, cordas e vassouras, muito devido à sua dureza e resistência.
Também o seu meristema – gema apical, único local por onde a planta consegue crescer e desenvolver-se – conhecido como palmito, é apreciado como uma iguaria, e pode ser comido em salada, o que levou a que muitas das populações naturais desta espécie desaparecessem, uma vez que o seu consumo conduz à morte integral da planta.
A palmeira-das-vassouras é uma planta de crescimento muito lento e as suas folhas também crescem muito devagar, podendo viver muitos séculos. O exemplar mais antigo desta espécie pode ser visto no Jardim Botânico de Pádua. Foi plantado em 1585, no interior de uma estufa, e mede cerca de 10 metros de altura – um recorde impressionante para esta espécie.
Este exemplar é também a planta mais antiga do Jardim e é conhecida como “La palma di Goethe”, pelos inúmeros ensaios e trabalhos científicos que este lhe dedicou.
A família Arecaceae
A família Arecaceae, a que a palmeira-das-vassouras pertence, agrupa numerosos géneros e espécies de palmeiras. Atualmente são reconhecidos em todo o mundo 180 géneros botânicos e cerca de 3000 espécies perenes, com porte arbóreo ou arbustivo, tipicamente com um caule cilíndrico, não ramificado, que pode atingir grandes dimensões.
O número total de indivíduos desta família varia constantemente devido ao contínuo descobrimento de novas espécies e às modificações na classificação botânica, à medida que é estudada com mais pormenor.
As palmeiras não são consideradas árvores. Como na maioria das plantas, são providas de raízes, caules, folhas, flores, frutos e sementes, porém essas estruturas apresentam características próprias e bem definidas.
A estrutura geral das palmeiras é fibrosa e não lenhosa como nas árvores. Por esse motivo, o seu caule não é um tronco verdadeiro, pois não desenvolve anéis de crescimento e é conhecido como espique ou estipe.
O caule possui apenas crescimento monopodial, ou seja, carece de crescimento secundário e de engrossamento, logo o diâmetro mantém-se igual em toda a sua extensão. Isto deve-se à presença de um único meristema terminal de onde parte o crescimento em altura e a formação das folhas.
No topo do caule forma-se unicamente uma coroa de folhas perenes, de aspeto palmado ou pinado, com uma consistência coriácea e vários metros de comprimento, e que podem ser simples ou compostas.
As flores aparecem agrupadas em inflorescências, são muito pequenas, pouco diferenciadas e raramente vistosas. São geralmente de cor clara, amarelas ou cremes, e excepcionalmente rosa ou vermelho.
Algumas espécies são plantas monocárpicas, ou seja, podem viver muitos anos antes de florescer. Algumas espécies podem mesmo produzir flores e sementes uma única vez na vida. A palmeira doom (Hiphaene thebaica) e a palmeira tahina (Tahina spectabilis) são exemplos de palmeiras que raramente florescem.
As raízes são adventícias, ou seja, formam-se todas a partir do mesmo ponto, e todas têm mais ou menos o mesmo comprimento.
Espécies recordistas
Entre as plantas que constituem esta família, algumas destacam-se pelas suas características únicas:
– o coqueiro (Cocos nucifera) e a tamareira (Phoenix dactylifera), essencialmente cultivados pelos seus frutos, o coco e a tâmara, respetivamente, e o dendezeiro ou palma (Elaeis guineensis), cultivado para extração do óleo de palma, o óleo vegetal mais produzido no mundo.
– a espécie com a maior semente conhecida: o coco-de-Seychelles ou coco-do-mar (Lodoicea maldivica), cujo fruto pode levar até seis anos para se desenvolver, contém entre uma a três sementes. Cada uma mede até 50 centímetros de comprimento e pesa mais de 25 quilos.
– a espécie com a maior folha conhecida: a palmeira ráfia (Raphia farinifera), cuja folha pode medir até 25 metros de comprimento, com pecíolo até quatro metros.
– a espécie com a maior inflorescência: a palmeira talipot (Corypha umbraculifera), cuja inflorescência cresce no ápice da palmeira e pode medir entre seis a oito metros de comprimento e quase o mesmo de largura, o que representa milhões de flores branco-creme agrupadas numa mesma haste floral.
Esta família botânica, além de recordista, constitui o segundo grupo vegetal de maior importância em todo o mundo.
Se gosta de palmeiras e quer plantar uma no seu jardim, escolha a palmeira-das-vassouras, a única palmeira nativa em Portugal.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Bainha – parte basal e mais ou menos larga de certas folhas, que envolve mais ou menos o eixo.
Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.
Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.
Limbo – parte larga de uma folha normal.
Polígama – espécie vegetal que possui flores hermafroditas e unissexuais (masculinas e femininas) dispostas na mesma planta.
Dióica – espécie que apresenta flores unissexuadas, femininas e masculinas, ocorrendo em indivíduos diferentes.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Unissexual – flor que possui apenas órgãos reprodutores femininos (carpelos) ou masculinos (estames).
Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.
Espata – bráctea ou par de brácteas, que rodeia e protege certas inflorescências, geralmente vistosa para atrair os polinizadores (ex. parte branca das flores dos jarros-de-jardim).
Lanosa – coberta de pêlos longos e crespos, semelhantes a lã.
Drupa – Fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.
Polinização entomófila – realizada por insetos.
Polinização anemófila – realizada pelo vento
Meristema – tecido vegetal indiferenciado, constituído por células que se dividem continuamente e do qual resultam os tecidos definitivos. O meristema apical ou terminal é responsável pelo crescimento longitudinal das plantas e ocorre no ápice do caule e das raízes.
Espique – caule geralmente cilíndrico, desprovido de ramos, que termina num tufo de grandes folhas (ex. palmeiras).
Monopodial – eixo principal de uma planta, provido ou não de ramos.
Pinado – folha composta, com os folíolos articulados ao longo do eixo comum ou ráquis.
Monocárpica – planta perene que só floresce e produz fruto uma vez na vida (ex. agaves, palmeiras).
Policárpica – planta que produz flores e frutos várias vezes (ex. a maioria das plantas perenes).
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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