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Dente-de-leão (Taraxacum officinale). Foto: Krzysztof Ziarnek/WikiCommons

As estratégias das plantas: como conquistar novos territórios sem sair do lugar

31.01.2025

Neste novo artigo da série botânica dedicada às extraordinárias estratégias das plantas, em Portugal e no mundo, Carine Azevedo explica como as plantas, que não podem sair do seu lugar, conseguem dispersar as sementes para sobreviver e prosperar.

As plantas desenvolveram estratégias engenhosas para superar a imobilidade. Uma das mais fascinantes é a dispersão de sementes, um processo indispensável para conquistar novos habitats, evitar a competição direta com a planta-mãe e aumentar as hipóteses de perpetuar a espécie.

Mas como o fazem? De que forma usam o vento, a água e os animais? Ou até estratégias autossuficientes, como a gravidade e explosões naturais?

Dispersão pelo vento: a viagem das sementes pelo ar

Uma das formas mais conhecidas de dispersão de sementes é a anemocoria, em que o vento é o principal aliado. As plantas que adotam esta estratégia produzem sementes leves, frequentemente equipadas com estruturas especializadas para maximizar a flutuação. Os exemplos mais icónicos são as sementes de dente-de-leão (Taraxacum officinale), cujas estruturas em forma de paraquedas permitem que sejam transportadas por grandes distâncias. 

Dente-de-leão (Taraxacum officinale). Foto: Krzysztof Ziarnek/WikiCommons

Quem nunca soprou, ainda criança, as sementes felpudas de um dente-de-leão maduro, fazendo a pergunta “O teu pai é careca?” enquanto via as sementes a dançarem ao vento? Esta brincadeira infantil, para além de divertida, ilustra de forma encantadora o processo natural de dispersão de sementes pelo vento, transformando este fenómeno ecológico num momento de pura magia e descoberta.

Outro exemplo impressionante é o do bordo (Acer pseudoplatanus). As suas sementes, chamadas sâmaras, têm uma forma característica de ‘hélice de avião’, o que lhes permite ser transportadas pelo vento a grandes distâncias. 

Passageiros da água: as sementes que flutuam 

A água, com a sua capacidade de transportar objetos por longas distâncias, é uma aliada fundamental na dispersão de sementes. Algumas plantas que habitam em áreas próximas de cursos de água, como rios, ribeiras, lagos ou oceanos, desenvolveram adaptações notáveis para aproveitar esse recurso natural a seu favor. O fenómeno, conhecido como hidrocoria, permite que as sementes viajem por longas distâncias, sendo simplesmente levadas pelas correntes de água. 

As sementes destas plantas têm cascas espessas e leves, permitindo que flutuem e resistam à imersão prolongada. Um exemplo clássico é o coqueiro (Cocos nucifera), cujas sementes, envoltas numa casca fibrosa cheia de ar, podem viajar milhares de quilómetros pelo oceano até atingirem praias tropicais. Outro exemplo fascinante é a flor-de-lótus (Nelumbo nucifera), uma planta aquática originária da Ásia, que produz sementes com uma casca dura e impermeável, capazes de flutuar em lagos e pântanos e germinar mesmo após anos de dormência. 

Em Portugal, destacam-se espécies ribeirinhas como o amieiro (Alnus glutinosa), os salgueiros (Salix spp.), os choupos (Populus spp.) e o lírio-amarelo (Iris pseudacorus). Estas plantas têm adaptações específicas que permitem que as suas sementes flutuem e sejam transportadas pelas correntes, colonizando eficazmente novas margens de rios e zonas húmidas. 

Amieiro. Foto: Lidine Mia/WikiCommons

A ajuda dos animais: transporte intencional e acidental

Os animais também têm um papel fundamental na dispersão de sementes. A zoocoria, dispersão mediada por animais, é talvez a estratégia mais diversificada e bem-sucedida. Este processo ocorre de diversas formas, dependendo da interação entre a planta e o animal, resultando em diferentes tipos de dispersão.

Há plantas que oferecem frutos saborosos e nutritivos para atrair os animais; estes consomem os frutos e espalham as sementes ao defecar em locais distantes. A esta estratégia chamamos endozoocoria. Um exemplo clássico é o medronheiro (Arbutus unedo), cujos frutos atraem aves como o tordo (Turdus philomelos) e o melro (Turdus merula) e mamíferos como a raposa-vermelha (Vulpes vulpes) e o texugo (Meles meles). O pilriteiro (Crataegus monogyna), o sabugueiro (Sambucus nigra), o azevinho (Ilex aquifolium) e a cerejeira-brava (Prunus avium) dependem de aves como os gaios (Garrulus glandarius), melros, tordos e pombos (Columba spp.) e de pequenos mamíferos, como os esquilos (Sciurus vulgaris), raposas (Vulpes vulpes) e coelhos (Oryctolagus cuniculus) para dispersar as suas sementes. 

Outras desenvolveram uma estratégia diferente, a epizoocoria. Várias gramíneas – como a bole-bole-maior (Briza maxima), a erva-lanar (Holcus lanatus), a cevada-das-lebres (Hordeum murinum), o azevém-perene (Lolium perenne) e a erva-de-febra (Poa pratensis) – têm sementes com espinhos ou ganchos que aderem ao pelo, penas ou patas dos animais, permitindo que sejam transportadas involuntariamente para locais distantes. Outros exemplos são a bardana (Arctium minus) – cujas sementes, dotadas de ganchos, inspiraram a invenção do velcro – e a bardana-menor (Xanthium strumarium), cujas sementes se fixam devido aos espinhos curvos.

Esquilo-vermelho, uma das espécies conhecidas em Lisboa. Foto: Jakub Hałun/Wiki Commons

A mirmecocoria é outra estratégia eficaz. Esta envolve a colaboração de formigas, que são atraídas por elaiossomas – estruturas ricas em nutrientes presentes nas sementes. Este mecanismo eficiente é observado em plantas como o tomilho (Thymus spp.), a violeta-brava (Viola riviniana), a erva-da-verrugas (Chelidonium majus) e o trevo (Trifolium spp.), que beneficiam do transporte fornecido por estes pequenos insetos.

E de outras vezes as sementes são deliberadamente transportadas por animais, geralmente na boca ou no bico. Contudo, nem sempre são consumidas. Em alguns casos, os animais armazenam os frutos ou sementes para alimentação e, por esquecimento ou abandono, promovem a sua germinação. Este processo é conhecido como diszoocoria. Um exemplo clássico é o carvalho (Quercus spp.), cujas bolotas são frequentemente enterradas ou escondidas por aves, como os gaios, em locais propícios para germinação. Outro exemplo deste tipo de dispersão é a estomatocoria, quando as sementes ou frutos são regurgitados pelas aves. Isto pode ocorrer, por exemplo, com os frutos do sabugueiro (Sambucus nigra), consumidos por aves como os tordos.

A dispersão acidental e o papel do ser humano

Além dos mecanismos naturais, o homem também desempenha um papel importante na propagação de sementes, seja de forma intencional ou acidental. A antropocoria ocorre através de atividades como a agricultura, a jardinagem e o transporte de mercadorias. Na agricultura, por exemplo, sementes de espécies como o milho (Zea mays), o trigo (Triticum aestivum) e a vinha (Vitis vinifera) são amplamente distribuídas por todo o mundo para satisfazer as necessidades alimentares e comerciais.

Mas o movimento de sementes também pode levar à propagação de espécies invasoras – como as acácias (Acacia spp.), a háquea-picante (Hakea decurrens), o chorão-das-praias (Carpobrotus edulis) e a erva-das-pampas (Cortaderia selloana) – que podem causar desequilíbrios ecológicos, invadindo ecossistemas naturais e alterando a biodiversidade local.

A dispersão de sementes pode ocorrer de forma involuntária, quando estas ficam presas à roupa, calçado ou a outros objetos pessoais. Este transporte acidental, associado ao movimento humano entre regiões, facilita a introdução de plantas exóticas, desafiando barreiras naturais e alterando dinâmicas ecológicas, muitas vezes com impactos negativos nos ecossistemas.

A força da autossuficiência: a energia das explosões naturais

Nem todas as plantas dependem de agentes externos. Algumas plantas desenvolveram mecanismos internos altamente especializados para lançar as suas sementes a curtas ou longas distâncias, utilizando a energia armazenada. Este processo, conhecido como autocoria, varia conforme o tipo de movimento gerado pela planta e a maneira como as sementes são projetadas.

Há plantas que usam a força da explosão para dispersar as sementes rapidamente (processo chamado balocoria). Um exemplo notável é o pepino-de-são-gregório (Ecballium elaterium), cujos frutos, quando maduros, explodem, dispersando as sementes para distâncias consideráveis. A giesta (Cytisus scoparius) e o tremoço-bravo (Lupinus albus) também utilizam esse mecanismo de dispersão.

Pepino-de-são-gregório. Foto: Krzysztof Ziarnek/WikiCommons

Outras espécies recorrem a uma libertação mais suave e controlada das suas sementes (herpocoria). A ervilha-de-cheiro (Lathyrus spp.), a malagueta (Capsicum annuum) e a erva-de-são-joão (Hypericum perforatum) são alguns exemplos de plantas cujos frutos se abrem lentamente lançando as sementes a uma curta distância, num movimento mais delicado.

Já o amendoim (Arachis hypogaea) tem um mecanismo de dispersão único, uma vez que as suas sementes não são dispersas diretamente pela planta através de um movimento explosivo. As sementes do amendoim crescem abaixo do solo e a planta utiliza um processo de desenvolvimento subterrâneo, com os frutos sendo enterrados naturalmente. 

Gravidade: O caminho simples da queda

A gravidade (barocoria) é o método mais simples de dispersão, permitindo que as sementes caiam diretamente ao solo. Os exemplos mais clássicos são os carvalhos (Quercus spp.) e o castanheiro (Castanea sativa) que produzem sementes pesadas (bolotas e castanhas) que rolam para longe da planta-mãe. 

Frutos do castanheiro. Foto: Oliylkaeng/WikiCommons

A criatividade da natureza em ação

As estratégias de dispersão de sementes são um testemunho da criatividade e adaptabilidade da natureza. Cada mecanismo – do vento à água, dos animais ao ser humano – desempenha um papel crucial na perpetuação da vida vegetal e na sustentabilidade dos ecossistemas. Estes processos garantem a diversidade e o equilíbrio das espécies, além de proporcionar recursos imprescindíveis para outros seres vivos.

Ao observarmos estas estratégias, somos convidados a refletir sobre a nossa interação com o ambiente. As sementes, tão pequenas e aparentemente simples, carregam em si o poder de transformar paisagens e criar habitats.

Cada semente é uma pequena promessa de vida. Protegê-las e compreender o seu papel no equilíbrio da natureza é fundamental para garantir um futuro sustentável.


Se quiser aprender mais sobre plantas e a sua importância nos jardins e no ambiente, recomendo explorar alguns dos artigos da série “Abra espaço para a natureza”. No texto Como criar um jardim para borboletas? descubra espécies específicas que ajudam a atrair e a sustentar estes polinizadores essenciais. Já no artigo Como criar um jardim para a vida selvagem?, encontra algumas práticas que incentivam a presença de fauna diversa no jardim. E se a curiosidade for por plantas aromáticas, o texto Como ter um jardim num apartamento: plantas aromáticas? oferece uma abordagem prática para cultivar estas espécies mesmo em espaços reduzidos. Estas leituras complementares mostram como pequenas escolhas no planeamento de jardins podem ter impactos significativos na biodiversidade e na qualidade de vida, promovendo uma relação mais harmoniosa entre o ser humano e a natureza.

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