Carine Azevedo dá-nos a conhecer esta árvore nativa de Portugal que está a florescer por estes dias e que atrai inúmeras aves e insectos.
A cerejeira-brava é uma das árvores nativas mais bonitas que podemos encontrar na floresta nacional e uma das preferidas dos polinizadores.
Esta árvore destaca-se na primavera pelas flores brancas e, no início do verão, pelos frutos vermelhos e brilhantes, muito saborosos e ricos em propriedades antioxidantes.
Venha conhecer a cerejeira-brava, uma árvore de beleza incomparável, símbolo da renovação e da esperança.
A cerejeira-brava
A cerejeira-brava (Prunus avium), conhecida também como cerejeira ou cerdeira, é uma espécie da família Rosaceae, que agrupa 109 géneros botânicos e mais de 5000 espécies.
Esta família está representada em Portugal por pouco mais de 75 espécies, distribuídas por 19 géneros botânicos, das quais algumas bem conhecidas: o pilriteiro (Crataegus monogyna), a macieira (Malus sylvestris), a pereira-brava (Pyrus bourgaeana), o abrunheiro-bravo (Prunus spinosa), o azereiro (Prunus lusitanica), tramazeira (Sorbus aucuparia), a rosa (Rosa spp.), o morangueiro (Fragaria vesca) e a silva (Rubus ulmifolius).
Dois destes géneros são exclusivos do Arquipélago da Madeira, representados, cada um deles, por uma espécie endémica dessa região: o buxo-da-rocha (Chamaemeles coriacea) e a Marcetella maderensis, respetivamente.
A cerejeira-brava é uma árvore caducifólia, de porte médio, que pode crescer entre 15 e 30 metros de altura. É uma árvore com uma vida útil relativamente curta, não indo além dos 150 a 200 anos de idade.
O tronco da cerejeira-brava é direito e é revestido por uma casca lisa, avermelhada e cinzenta quando jovem, com faixas horizontais com muitas lenticelas de cor creme, alongadas, também horizontais. Com a idade, a casca torna-se castanho-avermelhada, mais escura, e as lenticelas maiores, dando a ideia de formação de largos anéis transversais que se destacam em tiras.
As folhas são grandes, simples e pendentes, possuem uma forma obovada-oblonga a elíptica e são acuminadas. São verde-escuras, glabras e baças na página superior e mais claras e ligeiramente pubescentes na face inferior. No outono, antes de caírem, assumem cores muito ornamentais, desde o amarelo-dourado, vermelho-alaranjado, escarlate ou rosa.
A margem das folhas é levemente serrilhada a crenada. O pecíolo tem dois a cinco centímetros de comprimento e apresenta geralmente pares de glândulas vermelho-anegradas junto à base do limbo.
A floração da cerejeira-brava ocorre entre março e maio, ao mesmo tempo que se formam as novas folhas.
As flores são hermafroditas, actinomórficas, brancas e perfumadas. São pediceladas e surgem dispostas em cimeiras sésseis, em conjuntos de duas a seis flores, rodeadas na base por uma coroa de brácteas de cor púrpura.
A cerejeira-brava pode começar a frutificar aos 10-15 anos de idade.
O fruto é uma drupa globosa ou cordiforme – cereja – com aproximadamente um centímetro de diâmetro, ou maior, nas variedades cultivadas. É monospérmico, glabro, não pruinoso, liso e de cor vermelha, embora também possa ser amarelado, vermelho-vivo ou vermelho-escuro a negro conforme as cultivares. Cada fruto contém apenas uma semente dura de cor creme.
Distribuição e ecologia
A cerejeira-brava é uma espécie nativa de quase toda a Europa, desde o Mediterrâneo até à Escandinávia e Rússia, Ásia Ocidental e Norte de África.
Em Portugal ocorre de forma espontânea nas regiões do Norte e Centro, embora seja cultivada no resto do país, incluindo nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, onde foi introduzida.
É rústica, plástica, considerada uma espécie heliófila, embora tolerante à sombra enquanto jovem. Tem preferência por solos ricos, profundos, bem drenados e frescos, preferencialmente calcários. É tolerante a solos carbonatados e é muito resistente a baixas temperaturas, podendo suportar temperaturas até -20ºC. Necessita de humidade regular.
A cerejeira-brava é um elemento frequente de várias florestas caducifólias, em particular em bosques de carvalhos, faias, castanheiros e outras florestas mistas. Também é frequente em zonas de barrancos, margens de rios e noutros locais frescos e com solos profundos, maioritariamente em zonas de montanha.
É uma espécie florestal com um elevado valor para a vida selvagem, sendo uma importante fonte de alimento para muitas espécies de aves e insectos.
A cerejeira-brava é uma excelente planta melífera. As flores fornecem, na primavera, uma fonte precoce de néctar e pólen às abelhas, borboletas e aves, como o chapim-azul (Cyanistes caeruleus).
A polinização da cerejeira-brava é entomófila, ou seja, feita por insectos, sendo as abelhas as principais responsáveis por esse processo.
As cerejas surgem no verão atraindo muitos pássaros, incluindo melros (Turdus merula), tordoveias (Turdus viscivorus ) e tordos (Turdus philomelos) e alguns mamíferos, como o texugo (Meles meles) e o rato-doméstico (Mus musculus). Ao mesmo tempo que se alimentam, estes animais ajudam a dispersar as sementes, permitindo que a espécie possa colonizar novas áreas.
A atração das aves pelos frutos desta árvore é responsável pela sua denominação científica. O nome do género Prunus é o nome em latim para a ameixa ou ameixoeira, que deriva do antigo nome grego prune. O restritivo específico avium também deriva do latim e é um genitivo plural de avis = “pássaro”, ou seja, “pássaros, que são ávidos dos frutos desta árvore” = “cereja de pássaro”.
Já a folhagem é a principal fonte alimentar para lagartas de muitas espécies de borboletas, incluindo a mosca-da-cereja (Rhagoletis cerasi), a “brown Hairstreak” (Thecla betulae), a Yponomeuta Latreille e a borboleta-caveira (Acherontia atropos).
As flores e os frutos de cerejeira
A cerejeira-brava é uma espécie florestal importante, sendo comum a sua utilização para reflorestação de terras agrícolas abandonadas, e é também valorizada para revitalização da fauna e da flora.
Esta espécie também pode ser cultivada como árvore de fruto ou simplesmente como ornamental.
É uma árvore de beleza incomparável, que se modifica a cada estação. O melhor efeito obtém-se com a planta isolada, em destaque ou em pequenos núcleos, formando pequenos bosquetes em parques e jardins, mas também pode ser utilizada para alinhamentos, em alamedas ou misturada nas sebes campestres.
A sua magnífica floração anuncia a chegada da primavera. Os seus ramos enchem-se de magníficas flores brancas, reunidas em pequenos grupos, que aparecem ainda antes da formação total das folhas, criando um contraste singular com a envolvente.
Além de promover um espetáculo único, todas as vezes que floresce a cerejeira torna-se símbolo de amor, renovação e esperança, embora apenas nos presenteie com a beleza das suas flores uma vez por ano e por um breve período.
No verão os seus pequenos frutos matizam a paisagem de vermelho e deliciam os mais gulosos. A sua copa verde proporciona uma sombra muito interessante, que se vai transformando, e no outono a sua folhagem assume magníficas tonalidades avermelhadas, antes de se desprender totalmente a árvore.
O seu tronco também é particularmente ornamental, com características particulares que facilitam a identificação desta espécie.
A madeira da cerejeira-brava é dura, pesada, flexível e elástica. Possui uma textura fina e cor avermelhada, sendo valorizada como madeira para marcenaria de luxo, com aptidão para mobiliário, torneados, folheados e instrumentos musicais.
A cerejeira-brava é cultivada como árvore de fruto, em particular devido à cereja, um dos frutos mais tentadores e deliciosos. É suculenta, doce ou ácida e é amplamente utilizada na alimentação humana.
A cereja pode ser comida crua ou cozinhada, sendo empregue para fazer xaropes, compotas, geleias, gelados, bolos, frutas em calda e outros doces. Também é utilizada para obter o conhecido licor kirsch, uma bebida alcoólica resultante da destilação de suco fermentado da cereja, muito apreciada como digestivo.
Além das inúmeras aplicações culinárias, as cerejas são detentoras de importantes benefícios para a saúde. Possuem um importante valor nutricional, são ricas em vitaminas, minerais, fibras e têm um baixo teor calórico.
As cerejas também possuem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, ajudam a desintoxicar o organismo, a melhorar a saúde do coração, previnem o envelhecimento precoce, as doenças degenerativas e neurológicas e alguns tipos de cancro, melhoram a qualidade do sono, ajudam a atenuar os sintomas de gota e atua contra dores de cabeça.
Os pedúnculos da cereja têm propriedades diuréticas, drenantes e anti-infecciosas, sendo comum a sua utilização, na forma de chá, no tratamento de problemas do trato urinário.
Da casca da cerejeira-brava obtém-se uma goma aromática, comestível, que pode ser mascada como substituto da goma de mascar.
Como acontece com qualquer outra planta com propriedades medicinais, a cerejeira-brava não deve ser utilizada para esse fim sem um acompanhamento médico, já que todas as partes da planta, exceto a cereja madura, são levemente tóxicas.
A presença de cianeto pode ser letal dependendo da quantidade ingerida, em particular para os animais domésticos, nomeadamente cães e gatos.
A cerejeira-brava convida-nos a contemplar a sua beleza e importância e a refletir sobre a efemeridade da vida e a necessidade de aproveitá-la intensamente no presente.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Endémica – espécie nativa de uma região, com uma distribuição muito restrita.
Caducifólia – espécie cuja folha cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.
Lenticela ou Lentícula – saliência, circular, oval ou alongada, no tecido suberoso do caule que permite trocas gasosas entre o interior e o exterior da planta e que se formam geralmente associadas a estomas.
Obovada-oblonga – folha com a forma de um ovo invertido, mais estreita na base do que no ápice da folha, mais longa do que larga.
Elíptica – folha com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.
Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.
Glabra – sem pelos.
Pubescente – que tem pelos finos e densos.
Serrilhada – a margem da folha é serrada, com dentes muito pequenos.
Crenada – a margem da folha possui recortes arredondados.
Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.
Glândula – estrutura capaz de produzir uma secreção.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Actinomórfica – flor com simetria radial, ou seja a flor pode ser dividida em várias partes iguais.
Pedicelada – flor que possui “pé” (haste de suporte).
Cimeira – inflorescência com crescimento limitado, terminando numa flor, assim como os seus ramos laterais.
Sésseis – as inflorescências não possuem pecíolo (haste de suporte), inserindo-se diretamente no caule.
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.
Drupa – fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.
Cordiforme – em forma de coração.
Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.
Pruinoso – que esta revestido de pruína (cera em forma de pó muito fino, que confere um tom glauco).
Heliófila – planta que vive preferencialmente em locais de exposição solar plena. Necessita da luz solar para um bom desenvolvimento.
Polinização entomófila – realizada por insetos.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.