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As cegonhas-brancas em Portugal estão a render-se ao ‘fast food’

05.04.2016

Uma equipa de cientistas britânicos e portugueses confirmou que há mais cegonhas-brancas a passarem o ano todo na Península Ibérica, onde estão cada vez mais dependentes dos restos de comida deixados nos aterros sanitários.

 

Um estudo realizado pela Universidade de East Anglia (UEA), no Reino Unido, em colaboração com as universidades de Lisboa e do Porto, veio confirmar que o comportamento migratório destas aves está a mudar.

Uma das causas prováveis são os Invernos mais amenos, admitem os investigadores britânicos e portugueses, mas sobretudo, o aumento da disponibilidade de restos de comida nos aterros sanitários, durante o ano todo.

Com efeito, o novo estudo, publicado na revista Movement Ecology, confirma que “muitas cegonhas residentes descobriram uma forma segura de encontrar alimento durante todo o ano nos aterros”.

A equipa de cientistas, liderada por Aldina Franco, professora de Ecologia na Universidade de East Anglia, colocou emissores GPS/GSM em 48 cegonhas, para obter desta forma a localização das aves, cinco vezes por dia.

Estes aparelhos foram desenvolvidos por responsáveis da UEA, da Universidade de Lisboa e Universidade do Porto, e ainda do British Trust for Ornithology.

“A informação recolhida através destes emissores permitiu seguir os movimentos das cegonhas entre os seus ninhos e as áreas de alimentação, calcular as distâncias percorridas e estudar o seu comportamento”, indicam os investigadores, em comunicado.

Por meio dos dados transmitidos pelos acelerómetros que equiparam os emissores colocados nestas cegonhas, a equipa conseguiu perceber, por exemplo, se as aves estavam a descansar, ou a alimentar-se, ou em voo.

“Descobrimos que os aterros permitem que as cegonhas usem os ninhos ao longo de todo o ano, o que constitui um comportamento novo, surgido muito recentemente”, explica Aldina Franco.

“A proximidade entre o ninho e esta fonte de alimento certa também faz com que que tenham menor propensão para migrar para África no Inverno. Em vez de migrar, os indivíduos residentes defendem os seus ninhos durante todo o período não-reprodutor.”

 

 

Foto: Ron Knight / Wiki Commons
Foto: Ron Knight / Wiki Commons

 

Os cientistas confirmaram também que nem todas as cegonhas residem próximas destas fontes de alimento. Na verdade, durante a época não reprodutora, há cegonhas que viajam 48 quilómetros entre o ninho e o aterro. E a distância pode, ainda assim, chegar aos 28 quilómetros quando se inicia a reprodução.

As alterações do comportamento migratório foram ainda confirmadas com base num censo da população invernante em Portugal, realizado em 2015, coordenado por Inês Catry, investigadora da Universidade de Lisboa e co-autora do trabalho.

Neste censo, no qual colaboraram o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, a Quercus, investigadores portugueses e voluntários, contaram-se 14.400 cegonhas brancas. Ou seja, um aumento “de dez vezes nos últimos 20 anos”, nas que passam os meses mais frios em território português.

De acordo com Inês Catry, espera-se aliás que este número continue a crescer, podendo mesmo levar a que as cegonhas-brancas deixem de ser consideradas uma espécie migradora.

Aliás, as mudanças não acontecem apenas com esta espécie, sublinha Aldina Franco. “Aves que costumavam migrar para África estão agora a estabelecer populações não-migradoras no Sul da Europa. Queremos compreender as causas e os mecanismos por detrás dessas alterações no comportamento migratório.”

 

Acesso aos aterros vai ser mais difícil

 

No entanto, a verdade é que a dependência das cegonhas face aos aterros sanitários pode alterar-se a curto prazo. É que estão para ser aplicadas directivas comunitárias que vão mudar o tratamento de resíduos, que passa a ser feito em unidades fechadas ou semifechadas.

“Esta mudança criará novas dificuldades para as cegonhas, que terão assim de encontrar outras fontes de alimento durante o Inverno”, alerta Inês Catry. “Pode vir a ter influência sobre a sua distribuição, local de reprodução, sucesso reprodutor e decisões migratórias.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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