Anilhagem de gaivota na ilha da Barreta. Foto: Filipe Moniz

Anilhagens na costa portuguesa estão a revelar gaivotas reprodutoras com quase 30 anos de idade

18.09.2024

Projeto de anilhagem realiza-se na ilha da Berlenga, nas ilhas da Barreta e da Culatra, na Ria Formosa, e também na cidade do Porto. A Wilder falou com Nuno Oliveira, anilhador credenciado e técnico da SPEA, e conta-lhe o que a equipa está a fazer e como pode colaborar.

Se um destes dias observar uma anilha amarela com um código de três letras a preto na pata de uma gaivota, é provável que essa seja uma das mais de 2600 anilhadas pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), no âmbito de um projeto para se conhecerem melhor estas aves marinhas coordenado pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Gaivota-de-patas-amarelas com anilha, no seu segundo ano de idade. Estas aves fazem duas mudas de penas por ano. Foto: Inês Sequeira

Foi entre 1996 e 1998 na ilha da Berlenga, que acolhe a maior colónia de gaivotas-de-patas-amarelas (Larus michaellis) do país, que o ICNF avançou com um esquema de anilhagem de gaivotas com recurso a estas anilhas de cor amarela e três letras a preto. Passados 18 anos, em 2016 – à boleia do projeto Life Berlengas – uma equipa da SPEA deu seguimento ao esquema com a realização de uma anilhagem anual, que se mantém até hoje.

Gaivota-de-patas-amarelas, com as cores características de adulto. Foto: Jörg Hempel / Wiki Commons

“Em 2020, no âmbito do projeto Life Ilhas Barreira, estendemos o esquema para as colónias da Ria Formosa (ilhas-barreira da Barreta e da Culatra) e, adicionalmente em 2021, foi marcado um pequeno número de gaivotas (32) na cidade do Porto”, explicou à Wilder Nuno Oliveira, técnico da SPEA e coordenador destes trabalhos. “O nosso objectivo é manter as campanhas de anilhagem por longos anos.” 

Na sua grande maioria, estas gaivotas são capturadas e anilhadas ainda antes de conseguirem voar, na colónia onde nasceram. A maior parte saiu do ovo há mais de um mês, pelo que já deixaram os ninhos, mas mantêm-se num local onde são regularmente alimentadas pelos pais. E por isso, quem está a anilhar precisa de se proteger, às vezes, “contra eventuais investidas dos progenitores”, adiantou o mesmo responsável. “Não há muito a fazer, para além de aguentar e anilhar.”

Anilhagem de gaivotas na ilha da Berlenga. Foto: Nuno Oliveira

Graças a estas campanhas, que até ao momento já abrangeram 2621 aves e permitem a sua identificação individual, uma vez que cada anilha contém um código de letras com uma combinação única, desvendaram-se dados novos sobre a longevidade da gaivota-de-patas-amarelas, principal alvo destas anilhagens. De acordo com Nuno Oliveira, “neste momento existem pelo menos duas gaivotas com 27 anos de idade a nidificar na ilha da Berlenga”. Em comparação, os últimos registos de longevidade publicados pela organização internacional EURING, em setembro de 2023, estão à espera de atualização: apontam uma gaivota-de-patas-amarelas na Itália, com 23 anos e nove meses, como a ave europeia de maior idade registada para a espécie.

Outro dado interessante sobre as duas gaivotas é que costumam regressar ao mesmo local de nidificação. “Apesar da pressão sobre estas aves elas mantêm-se fieis à colónia, não mudando para outra. Para além disso, usam as mesmas áreas dentro da colónia para fazerem o ninho, ano após ano.” 

Em contrapartida, nos primeiros três anos de vida, sabe-se que as gaivotas-de-patas-amarelas fazem viagens bastante maiores. Esse comportamento de dispersão nos primeiros anos – comum a outras espécies de aves – leva a que gaivotas nascidas na costa portuguesa já tenham sido observadas nas Ilhas Britânicas, por exemplo, ou na costa do Sara Ocidental. “Também conseguimos perceber que passados cerca de três anos algumas voltam à colónia onde nasceram para nidificar, como por exemplo a gaivota marcada com a anilha XPY”, acrescentou o responsável da SPEA.

Observou uma ave anilhada? Comunique

A colocação e estudo das anilhas torna assim possível responder a várias perguntas colocadas pelos biólogos: qual é a distribuição destas gaivotas ao longo das diferentes fases do seu ciclo de vida? Regressam à colónia onde nasceram ou essa funciona como fonte de gaivotas para outras colónias? Quantas sobrevivem anualmente e qual é a longevidade da espécie? Até onde dispersam os adultos? E não só, pois também fornece dados para se analisarem os impactos que várias alterações estão a ter sobre estes animais, desde a gestão do lixo e de outros resíduos até à pesca comercial e às alterações climáticas.

E por isso, quem quiser ajudar o projeto deve enviar à equipa todas as observações de gaivotas-de-patas-amarelas anilhadas, apelou Nuno Oliveira. “O nosso esquema compreende uma anilha amarela com um código de três letras a preto. Basta o cidadão enviar a sua observação por email (para [email protected]) com a data, localização (se possível coordenadas geográficas), código de anilha e se possível uma foto. Na resposta, enviamos ao observador um histórico da ave, que contem a localização e data da anilhagem e a lista de locais e datas onde esta foi observada entretanto.”

Até ao momento, a SPEA recebeu cerca de 4500 observações de gaivotas anilhadas, sendo que 95 por cento foram enviadas por cidadãos. “A maioria são observadores de aves que se ‘especializaram’ na observação de aves anilhadas. É um passatempo”, notou o anilhador.


Agora é a sua vez.

Se deparar com uma ave anilhada, pode enviar para o nosso email ([email protected]) uma ou mais fotografias em que se veja a anilha com o código, além da data e do local da observação, que lhe daremos informações sobre essa ave.

Fique a conhecer uma gaivota com uma anilha deste projeto, fotografada na praia de Cabanas de Tavira, em setembro de 2024. E também uma gaivota anilhada no âmbito de outro projeto, observada na Linha de Cascais em 2023.


Saiba mais.

Já aprendeu a distinguir as cinco espécies de gaivota que podem ser observadas em Portugal? Aprenda aqui e conheça mais sobre estas aves. Pode também adquirir a ficha de campo das aves marinhas, na loja da Wilder.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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