Cinco dias depois de chegar ao Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa (LxCRAS), com uma pata praticamente amputada por uma armadilha ilegal, uma raposa (Vulpes vulpes) deu à luz uma ninhada. A Wilder falou com a equipa do LxCRAS e conta-lhe toda a história.
Casos de animais apanhados em armadilhas ilegais, e depois recuperados em cativeiro, têm sempre prognósticos muito graves e reservados, sublinha Verónica Bogalho, bióloga do Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa (LxCRAS), em Monsanto. Mas até agora a história desta raposa, que poderia ter terminado muito mal, parece encaminhar-se sem novas tragédias.
Foi no final de Fevereiro que tudo começou, quando a equipa do LxCRAS recebeu uma raposa com graves lesões e uma pata praticamente amputada, apanhada por uma armadilha ilegal no concelho de Palmela.
“São sempre casos com prognósticos muito graves à partida, pois as lesões provocadas são muitas vezes extensas e de difícil resolução, quando esta é de todo possível”, explica a bióloga do centro, gerido pela Câmara Municipal de Lisboa. Ainda para mais, quando a recuperação é muito demorada, mais complicada se torna a reintegração em ambiente selvagem.
Mas o desafio dos técnicos era maior: a raposa estava com uma gravidez avançada.
Medicado para combater a dor e a infecção na pata gravemente ferida, o animal deu à luz cinco dias depois de entrar no centro. Foi ali que nasceram, de forma natural, três crias vivas e um nado-morto.
A operação à pata realizou-se alguns dias depois, seguida de uma recuperação “muito boa”. A 19 de Março, a mãe e os três pequenos raposos passaram para o parque de reabilitação – sempre acompanhados pelos técnicos do LxCRAS, que tentaram restringir ao máximo o contacto directo desta família com os humanos.
“Os mamíferos selvagens são especialmente sensíveis e como tal, progenitora e crias foram manuseados apenas para os cuidados necessários, sempre da forma menos stressante, e em todas as fases foram criadas barreiras visuais”, recorda Verónica Bogalho. “No parque de recuperação exterior, os alimentos foram fornecidos de forma a evitar a associação dos mesmos com as pessoas.”
A “ementa” era variada e o mais próxima possível da natureza: pintos do dia, coelho, codorniz e ratazanas, a que se juntaram algumas frutas. Numa primeira fase a mãe deu de mamar às crias, mas depois incentivou-as a comerem do mesmo.
No final de Julho, as quatro raposas viajaram para o Parque Biológico de Vinhais, em Trás-os-Montes, para onde foram transferidas, a muitos quilómetros do sítio onde a mais velha tinha sido encontrada.
“Nos casos em que os animais sofreram traumas resultantes de uma acção humana directa e intencional, como é o caso das armadilhas ilegais, por princípio não os libertamos no local de origem”, explica a técnica do LxCRAS.
A escolha de Vinhais foi decidida pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que em Portugal coordena a Rede Nacional de Centros de Recuperação de Fauna Selvagem.
O parque biológico foi escolhido por se tratar de um local “com condições favoráveis à sobrevivência e integração das raposas na população selvagem“, resume Verónica Bogalho. Por outro lado, os animais não tinham ainda condições para serem directamente libertados na Natureza. “Necessitavam de continuar o processo de recuperação numa instalação maior, de que não dispomos, e ser continuamente avaliados para uma decisão definitiva sobre a libertação.”
Em Vinhais, os animais foram transferidos para “um local com cercados relativamente grandes, num ambiente mais ‘naturalizado’” do que os espaços de recuperação em Lisboa. É ali que os pequenos raposos crescem e aprendem a caçar com a progenitora. Quanto aos técnicos, o contacto é reduzido ao mínimo.
Se a equipa de Vinhais concluir que as crias têm capacidade para sobreviver na natureza, vão abrir o cercado, “num processo de libertação ‘suave’ em que os animais saem e deixam definitivamente o parque por sua própria decisão”.
Quanto à mãe das três crias, tem sido também “avaliada tendo em conta a sua situação de amputação”. “No caso dos animais não apresentarem as aptidões requeridas, serão possivelmente mantidos em cativeiro para propósitos de educação ambiental”, conclui a bióloga.
Em Monsanto, o LxCRAS costuma receber uma média de cinco raposas por ano – uma fatia muito pequena, num total de 1000 animais que o centro tem acolhido anualmente.
Desde 1996, já deram ali entrada 81 raposas. Decerto, nem todas tinham sido apanhadas numa armadilha e estavam prestes a dar à luz, como a desta história que continua agora por Trás-os-Montes.