É importante repensar o uso deste material em campos desportivos e outras estruturas, apelam investigadores responsáveis por um novo estudo científico, que detectaram a presença destas fibras na água através de um projecto de ciência cidadã.
Uma equipa de investigadores liderada pela Universidade de Barcelona deparou-se com quantidades importantes de pequenas fibras de plástico com origem em relva artificial, nas análises que fizeram a águas costeiras e fluviais.
De acordo com os resultados das análises realizadas em águas superficiais na costa de Barcelona e na foz do rio Guadalquivir, as fibras de relva artificial chegam a constituir mais de 15% dos plásticos com mais de cinco milímetros que flutuam nesses meios aquáticos. O estudo foi publicado esta semana pela revista científica Environmental Polution.
“As fibras de plástico que encontrámos são principalmente de polietileno e polipropileno, que coincidem com as tendências actuais de produção mundial de relva artificial e que normalmente se encontram a flutuar no meio aquático”, descreveu William P. de Haan, investigador da Universidade de Barcelona e primeiro autor do artigo científico, numa nota publicada sobre o estudo. As fibras foram encontradas “em zonas próximas da costa de grandes cidades como Barcelona.”
Os materiais analisados chegaram às mãos da equipa através de um projecto de ciência cidadã, Surfing for Science, no qual grupos de voluntários recolhem amostras com o auxílio de uma rede especial fixada em pranchas de ‘stand up paddle’ e noutras embarcações semelhantes. Dessa forma, desde 2014 que cientistas da Universidade de Barcelona analisam microplásticos e outros pedaços superiores a cinco milímetros recolhidos na costa catalã.
Ao todo, para o estudo agora publicado, a equipa analisou 217 amostras de água provenientes da costa de Barcelona e outras 200 da foz do rio Guadalquivir, situado no sul de Espanha. Mais de metade das amostras (62%) do mar continham fibras de relva sintética, enquanto que na foz do rio o mesmo aconteceu com 37% do total. A concentração destes materiais junto à costa foi também muito superior às águas fluviais, sendo 50% mais alta.
Os cientistas acreditam que essa diferença se deve a uma retenção mais pequena dos plásticos nos rios e também ao facto de estes materiais se acumularem ao longo de décadas na zona costeira, antes de se dispersarem para o mar alto.
Por outro lado, uma vez que o estudo foi realizado numa área restrita, “é de esperar que outras cidades também contenham fibras de relva artificial, mas a quantidade que se liberta no meio ambiente depende de muitos factores, como a tipologia, o uso e antiguidade dos campos ou superfícies com este material, a superfície total instalada e as medidas de prevenção em curso”, avisou William P. de Haan.
Uma surpresa e um grave impacto ambiental
Na União Europeia, estima-se que são instalados anualmente entre 1200 a 1400 campos desportivos com relva artificial. Ainda assim, a equipa ficou surpreendida com o facto de encontrarem este material tão disseminado e por este problema ter passado despercebido em estudos semelhantes.
Uma das causas é que essas fibras podem confundir-se com “restos vegetais ou filamentos de pesca”, pelo que os investigadores publicaram também um guia online para ajudar outros cientistas a identificarem restos de relva artificial encontrados no mar, nos rios e em lagos.
Os efeitos destas fibras sobre o ambiente são qualificados como “múltiplos e muito graves”, uma vez que já eram conhecidos muitos outros impactos negativos deste material. “O nosso estudo serviu para determinar que, além de reduzirem a biodiversidade humana, reduzirem a escorrência, sobreaquecerem (até mais 50 ºC que as superfícies naturais) e conterem uma grande quantidade de compostos químicos prejudiciais que lhes dão durabilidade, as superfícies com relva artificial libertam fragmentos de plástico no meio aquático”, sublinhou Anna Sanchez-Vidal, coordenadora do novo estudo.
Ingeridos pelos animais aquáticos, como peixes e moluscos, os restos de relva sintética provocam “o bloqueio das vias intestinais e a diminuição das taxas de crescimento e reprodução, entre outros problemas importantes”, notou a investigadora.
O que se pode fazer?
Além de detectarem o problema, os investigadores chamaram ainda a atenção para as medidas a tomar desde já para lidar com esta situação, nomeadamente ao nível político e de gestão.
“Se se quer acabar com a contaminação de plástico dos oceanos, é necessário actuar a todos os níveis, começando por repensar a instalação destas superfícies de plástico verde em áreas públicas, como pátios de escolas ou campos desportivos, e privadas, como festivais de música, ginásios, jardins e terraços particulares”, salientou Anna Sanchez-Vidal, lembrando que em breve a ONU deverá aprovar um acordo global e vinculativo, para se acabar com a contaminação por plásticos até 2040.