Foto: Joana Bourgard

Voluntários pela natureza: o que é preciso para ser um e qual a sua importância para a conservação

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Um documentário televisivo de 12 episódios está a contar as histórias do LIFE Volunteer Escapes, projecto de longa duração que promoveu o voluntariado pela natureza em Portugal. Margarida Silva, coordenadora deste projecto na MONTIS, que terminou em Junho, ajuda-nos a saber mais sobre esta forma de fazer conservação.

WILDER: O que é preciso para ser um voluntário pela Natureza?

Margarida Silva: Motivação e disponibilidade, sendo que a disponibilidade está muito relacionada com a motivação. Ao contrário do que se possa pensar, gerir biodiversidade não implica um conhecimento técnico ou científico aprofundado. Na grande maioria das vezes, as técnicas de restauro ecológico são simples e podem ser feitas por qualquer pessoa. Trabalhar com a natureza é termos presente que nada acontece de um dia para o outro. A natureza precisa de tempo e os resultados não se vêem instantaneamente. Para um voluntário esta pode ser uma realidade complicada de ultrapassar: os resultados do que é feito demoram tempo a aparecer. A motivação de um voluntário, disponibilidade e flexibilidade para trabalhar, às vezes em condições até adversas (chuva ou calor), com trabalhos repetitivos como por exemplo várias semanas a controlar espécies invasoras, são muito importantes para se ser voluntário pela Natureza. 

W: O LIFE Volunteer Escapes (2018-2021) terminou em Junho deste ano. O que fica do projecto?

Margarida Silva: O que mais fica deste projeto são os voluntários, sem os quais nada do que nos propusemos fazer seria possível. A motivação, flexibilidade, trabalho de equipa e empenho que os quase 200 voluntários acolhidos demonstraram, permitiu conseguirmos chegar mais longe com os objetivos de cada associação, quer a nível de objetivos de conservação da Natureza, quer a nível de envolvimento da comunidade e sensibilização. Há um conjunto de relações entre parceiros e voluntários que continuarão além do projeto. Sentimos também que vários voluntários saíram do projeto com maior capacidade crítica e mais capacitados para desenvolverem as suas próprias opiniões acerca da gestão da biodiversidade e da conservação da natureza.

W: Que tipo de recuperação da natureza foi feita e que espécies foram ajudadas pelos quase 200 voluntários? Pode dar alguns exemplos?

Margarida Silva: Os voluntários trabalharam nas mais variadas áreas de conservação da natureza, desde a recuperação de ecossistemas – através de sementeiras, plantações de espécies autóctones como carvalho alvarinho (Quercus robur) ou o sobreiro (Quercus suber) – à manutenção de caminhos, apoio ao controlo da erosão de dunas através controlo de espécies invasoras como o chorão das praias (Carpobrotus edulis) e plantações que promovem a fixação das areias (Ammophila arenaria), passando pela monitorização de espécies e conservação das mesmas como o priolo (Pyrrhula murina) ou a cagarra (Calonectris borealis), análises de qualidade da água e temáticas relacionadas com a mudança climática e poluição. Houve também uma parte significativa dedicada ao registo de fauna e flora.

W: De que países eram estes voluntários e quantos portugueses participaram?

Margarida Silva: Ao todo tivemos voluntários de mais de 18 países como por exemplo França, Itália, Reino Unido, Alemanha, Lituânia, Suécia, Bangladesh e Egito (com residência na Europa), Rússia. O projeto acolheu no total 115 portugueses, alguns dos quais mais do que uma vez, pois repetiram o voluntariado. 

W: Qual o estado de arte dos voluntários pela Natureza em Portugal? Que incentivos têm as instituições para os receberem?

Margarida Silva: Tendo em conta que o voluntariado é, na experiência do projeto, provavelmente a forma mais eficiente de fazer educação ambiental, seria muito útil que os programas de financiamento dedicados à conservação da natureza valorizassem ativamente o voluntariado. Hoje em dia existem várias associações e entidades em Portugal que se dedicam à conservação da Natureza e muitas delas dependem em grande parte do apoio dos voluntários para conseguirem trabalhar no que se propõem. Portanto, a maioria destas entidades está muito disponível para receber voluntários, seja em projetos de longa duração como foi o LIFE VOLUNTEER ESCAPES, seja em campos de trabalho ou simplesmente em dias de voluntariado. 

Não há objetivamente um programa substancial que financie o voluntariado para a conservação da natureza ou que tenha um ramo especificamente dedicado a esse financiamento. Grande parte das instituições que dependem de voluntariado para a conservação da natureza fazem-no com recursos próprios, ou adaptando as suas necessidades ao desenho dos projetos financiados. Existem programas de apoio aos trabalhos de conservação da natureza e clima, como é o caso do programa LIFE ou do Fundo Ambiental. Mas não há programas de apoio direcionado para o voluntariado ambiental. Há sim alguns instrumentos como o Corpo Europeu de Solidariedade, alguns programas do IPDJ e Erasmus +, com os quais por vezes é possível encaixar a conservação da natureza e o ambiente em programas de voluntariado.

Muitas associações dependem em grande parte do apoio de voluntários para conseguirem continuar os seus trabalhos. Para terem este apoio dos voluntários é importante terem coordenadores, materiais, disponibilidade para o acompanhamento e até incentivos para cobrir ajudas de custo dos voluntários. Grande parte do trabalho de organização de voluntariado está no esforço de angariação, sobretudo quando as áreas de intervenção são remotas. Esta necessidade financeira de cobrir toda a logística por trás de um voluntário é altamente exigente, sobretudo para as ONG, e não se encontra de forma objetiva equacionada e valorizada nos programas de financiamento existentes.

W: Qual a importância dos voluntários em projetos de conservação no nosso país?

Margarida Silva: O voluntariado tem várias vantagens em relação ao trabalho profissional. A principal vantagem é que o voluntariado é um excelente instrumento de capacitação, sensibilização e de envolvimento das pessoas na gestão da biodiversidade e dos valores da nossa paisagem. Considerando que o abandono do território é um problema transversal ao país, e que há uma distorção considerável entre a informação que os media/ opinião pública passam acerca do que é a gestão da biodiversidade e a realidade, o voluntariado é um instrumento central para contrariar estes dois problemas: permite levar gestão a terrenos que estão abandonados por não terem valor económico e permite conhecer a realidade na primeira pessoa, criando opinião com base na experimentação e na avaliação de factos. Os voluntários acrescem valor e ajudam muitas associações a conseguirmos atingir objetivos de conservação. Frequentemente as áreas com que trabalhamos são de grandes dimensões e o trabalho na Natureza é algo que precisa de continuidade e de sensibilização, e sem voluntários, que doam o seu tempo, disponibilidade e empenho, torna-se um obstáculo conseguir chegar a mais público. 


Agora é a sua vez.

Descubra as histórias, as espécies e as pessoas do projeto LIFE VOLUNTEER ESCAPES, através do documentário Voluntários pela Natureza, da responsabilidade da PlaySolutions Audiovisuais.

A série é composta por 12 episódios e será transmitida todas as sexta-feiras na SIC Notícias pelas 13h25, até dia 1 de Outubro numa versão mais curta para televisão (episódios de 8 a 10 minutos).

Os episódios completos (episódios de 15 minutos) ficam disponíveis no site da SIC Notícias e no canal de Youtube do projeto LIFE VOLUNTEER ESCAPES.

O projeto LIFE VOLUNTEER ESCAPES é um dos quatro apoiados pelo Programa LIFE, em toda a Europa, para ensaiar e avaliar a viabilidade de recorrer a voluntários do Corpo Europeu de Solidariedade para apoiar atividades de conservação da natureza e biodiversidade. De Janeiro de 2018 a Junho de 2021, este projecto reuniu nove entidades – MONTIS, Agência Portuguesa do Ambiente e Programa de Voluntariado para a Água da ARH- Algarve, BCSD Portugal, Município de Torres Vedras, MARCA-ADL, Plantar uma Árvore, Play Solutions, ROTA VICENTINA e SPEA – que receberam um total de 200 voluntários. Estes conseguiram restaurar mais de 40 hectares de habitat para a conservação da natureza e biodiversidade.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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