Com ante-estreia marcada para 15 de Março, o documentário realizado por Madalena Boto, “Lisboa – Outras Formas de Vida”, descobriu as espécies selvagens que vivem na capital portuguesa. Através de histórias de pessoas e de animais e plantas, responde à pergunta: “Quando e onde se cruzam os nossos mundos?”
Começamos este documentário de 50 minutos a bordo de um veleiro no rio Tejo, com vista para o Padrão dos Descobrimentos e para a Ponte 25 de Abril. A esta viagem que faremos por Lisboa não faltarão alguns dos maiores símbolos da cidade, desde as ruas da Baixa Pombalina, onde passam os famosos eléctricos, aos pátios lisboetas ou ao Castelo de São Jorge.
Mas a verdadeira viagem pela qual esperamos é outra. É mais selvagem. E ela chega depressa.
Com narração de Manuela Azevedo, achamo-nos no Estuário do Tejo, uma das 10 zonas húmidas mais importantes da Europa para as aves aquáticas. Quem nos guia é Magnus Robb, ornitólogo escocês que vive em Portugal há décadas e que estuda o canto das aves há mais de 20 anos. Sentamo-nos ao seu lado no carro que percorre a estrada de terra batida das lezírias daquela zona protegida, com bandos de centenas de aves por cima das nossas cabeças.
A biodiversidade de Lisboa tem aqui um dos seus bastiões. Mas a verdade é que a vida selvagem está um pouco por todo o lado, mesmo sem nos darmos conta.
A realizadora Madalena Boto explica à Wilder que a ideia para este documentário surgiu pouco depois do seu regresso a Lisboa, após alguns anos a viver em Bristol, Reino Unido. “Durante esse tempo fora, tive a oportunidade de trabalhar em produções com filmagens internacionais e, embora tenha desfrutado e aprendido muito com essas experiências, fui sentindo uma vontade cada vez maior de me focar em temas mais próximos”, conta. “Quando voltei, falei desta ideia aos produtores Paula Oliveira e Luís Correia, da Lx Filmes, e começámos a planear o projeto.”
O objetivo era “fazer um filme para toda a família, que pudesse despertar o interesse de quem vive mais desligado do mundo natural”.
Em 2019 a equipa esboçou um primeiro guião. “Sabia que não queria que o documentário se tornasse num catálogo exaustivo da biodiversidade da cidade, mas sim que contasse pequenas histórias sobre algumas espécies”, explica Madalena Boto. “Para seleccionar esses protagonistas e perceber que facetas das suas vidas seria possível filmar, reuni-me com várias pessoas da área da biologia.”
Entre essas pequenas histórias está a do biólogo Bruno Herlander Martins que estuda as migrações dos andorinhões que todos os anos fazem os seus ninhos entre os telhados dos edifícios de Lisboa. Outra é a da família de rabirruivo-preto que escolheu uma garagem para criar os seus filhotes e ainda a dos peneireiros-vulgares que preferiram uma floreira num 10º andar, onde puseram seis ovos. Ouvimos ainda a história da bióloga Joana Bernardino que, através de câmaras de foto-armadilhagem estuda os carnívoros da Tapada da Ajuda ou a de Verónica Bogalho, que trabalha no LX-CRAS – Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa.
Depois, “com os apoios da RTP e da Câmara Municipal de Lisboa para a produção, comecei por filmar nas ruas e espaços verdes da cidade e a reunir uma equipa técnica para trabalhar comigo. Em 2020, a pandemia alterou bastante os nossos planos e acabámos por ter de adiar a maioria das rodagens. A fase final foi em 2023, quando, já com a maquete pronta, nos focámos nos acabamentos da montagem, na mistura de som, na locução, na correcção de cor e na música”.
Entre os locais de filmagens estão o Castelo de São Jorge, para ouvirmos a história das quatro espécies de morcegos que lá vivem, o Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, para ouvirmos os coros da rã-verde por entre as folhas de nenúfares, e o Parque Florestal de Monsanto, com os seus esquilos-vermelhos, ouriços-cacheiros ou salamandras-de-pintas-amarelas.
Perguntámos a Madalena Boto o que mais a surpreendeu e o que descobriu sobre Lisboa. “Fico sempre impressionada com o número de aves no inverno. Gostei muito de aprender sobre a vida dos andorinhões, que têm um ciclo de vida e comportamentos muito particulares. Dois aspectos que também me surpreenderam, e sobre os quais pouco sabia antes de começar este projecto, foram a diversidade de cogumelos em Monsanto e a de insectos polinizadores urbanos.”
Mas contar todas estas histórias tem os seus desafios próprios. “Fazer um documentário de natureza é um pouco como montar um puzzle”, conta. “Podemos imaginar e idealizar uma história na cabeça, mas tudo depende do que se consegue filmar na prática, já que os animais são muitas vezes imprevisíveis. Eu gosto particularmente desse desafio, de pensar como construir uma narrativa visual apelativa a partir das imagens de um comportamento específico.”
Em termos técnicos, “algumas das imagens mais difíceis de captar foram os time-lapses de cogumelos a crescer, o vôo em câmara lenta dos morcegos e o interior das caixas-ninho dos andorinhões, filmado com luzes infravermelhas. Mas talvez o maior desafio de todos tenha sido o de concretizar o máximo de ideias com um orçamento modesto – algo que só foi possível graças à dedicação, criatividade e trabalho conjunto de toda a equipa e especialistas, a quem estou profundamente grata”.
Apesar de não faltar a referência à crise mundial da biodiversidade, com cerca de um milhão de espécies em risco de extinção – dando como exemplo a ameaça aos insectos polinizadores -, esta viagem termina com uma nota de esperança, apresentando a cidade como “ponto de encontro”, onde devemos reflectir sobre os nossos impactos no mundo natural e sobre o que nos arriscamos a perder.
Essa foi uma das mensagens que Madalena Boto quis passar com este documentário. Quis dizer-nos “que existe um mundo fascinante à nossa porta e com um potencial muito enriquecedor das nossas vidas mas que, por vezes, passa despercebido. E, sobretudo, que é urgente reforçar a ligação com a biodiversidade, que se encontra em crise”.
O filme “Lisboa – Outras Formas de Vida”, da Ocidental Filmes e da Lx Filmes, tem 50 minutos e será apresentado no Fórum Lisboa, a 15 de Março, às 16h30, num evento de entrada livre. Uma semana depois, dia 22 de Março, será exibido na RTP1. Tem realização de Madalena Boto, música de João Grilo e narração de Manuela Azevedo.
Conheça aqui um pouco melhor a realizadora Madalena Boto.