São 55 minutos em que acompanhamos a viagem do rio Côa e ficamos a conhecer as suas espécies e quem as protege. João Cosme, em entrevista à Wilder, conta os bastidores do seu documentário “Côa mais Selvagem”. Em breve poderemos vê-lo na televisão.
WILDER: O que representa este documentário para si, a nível pessoal e para a sua carreira?
João Cosme: Este projeto acabou por ser um enorme desafio pessoal, quer pela responsabilidade de organizar e planear o guião – nomeadamente o trabalho de campo, as sequências e histórias das espécies a serem filmadas -, quer pelo grau de exigência em transmitir a qualidade desejada. Era importante que todo este longo processo culminasse no cumprimento dos objetivos traçados por mim, e, principalmente, pela equipa da Rewilding Portugal, como a divulgação do trabalho desta organização ambientalista no grande vale do Côa.
A nível profissional é sempre gratificante ver o nosso trabalho reconhecido e publicado, permitindo-me, também, ajudar na promoção deste magnífico e valioso património natural que esta região oferece.
W: Qual o seu grande objetivo com este filme?
João Cosme: O grande objetivo foi, sem dúvida, divulgar uma região maravilhosa, que acolhe uma cultura única e um património natural rico e muito diversificado. Depois, ser mais um veículo de promoção do trabalho da Rewilding Portugal, que está a criar condições favoráveis para uma coexistência entre as pessoas e a vida selvagem, ajudando dezenas de produtores de gado e, ao mesmo tempo, sensibilizar estas populações raianas para a importância da conservação da natureza. Todos podem ganhar se existir uma boa compreensão e lutarmos no mesmo sentido pela conservação da natureza.
W: Que tipo de espectador teve em mente para fazer este trabalho?
João Cosme: Este tipo de documentários de natureza e vida selvagem são muito específicos, contudo chegam a um público bem diverso. O desejo é abranger uma quantidade significativa de público e não um espetador específico. O principal objetivo é, de alguma forma, ajudar na mudança de mentalidades e sensibilizar as comunidades, incluindo os decisores de cargos públicos e privados, através da imagem, que a natureza é um bem precioso e que é possível uma coexistência entre homens e vida selvagem.
W: Quanto tempo demorou a fazer este documentário? E quais as suas diferentes fases?
João Cosme: Este filme teve várias fases, quer no planeamento quer no terreno e depois na pós-produção. No total, e apenas no trabalho de campo, foram praticamente 18 meses para filmagens. Foi necessário muito trabalho de campo, meses inserido num abrigo camuflado para captação de imagens de espécies, algumas de dificuldade elevada de observação devido à sua raridade, como o caso do lobo-ibérico, águia-imperial, entre outras. Por fim, na fase final, foram necessários quase 3 meses de montagem e edição para concluir esta película.
W: Pode descrever um pouco como foi o trabalho de campo, de recolha das imagens?
João Cosme: O trabalho de campo foi planeado com alguma antecedência e cada saída para o terreno tinha os seus objetivos específicos. Havia semanas que eram apenas dedicadas às paisagens, já que estas têm os seus “timings”. No caso dos anfíbios, tinha que ser também numa altura específica, como o do sapo-corredor, que foi necessário mostrar um pouco da sua biologia desde a cópula, postura e fase larvar. Em alguns casos foram precisas semanas de trabalho e noutros, meses. Quando fazemos um documentário de vida selvagem ou uma reportagem fotográfica, e se quisermos contar uma história e sequência sobre uma determinada espécie, é necessária muita dedicação, horas passadas no terreno e conhecimento sobre as espécies. Este é, sem dúvida, um dos aspetos mais importantes nesta atividade de fotógrafo de natureza.
Neste filme podemos ver como os abutres se alimentam e como são benéficos no equilíbrio do ecossistema. Todo este processo de captação de imagens foi complexo e de alguma exigência. Só neste caso, estive mais de 3 meses a trabalhar com estas aves, nomeadamente com o abutre-preto, o grifo e o britango ou abutre-do-egipto.
W: Que equipamentos e técnicas usou?
João Cosme: Foram usados diversos métodos de captação de imagens e diferentes técnicas de filmagens. No que se refere ao equipamento, usei duas câmaras, outras com recurso a controlo remoto à distância, drones, e uma vasto leque de objetivas SIGMA, desde as grande angulares ( 14-24mm f/2.8, 24-70mm f/2.8, macro ( 24mm f/1.4, 105mm f/2.8) até as grandes teleobjetivas ( 70-200mm f/2.8, 120-300mm f/2.8 e 500mm f/4) teleconversores, carril, luz artificial ( Leds), entre outros equipamentos.
W: O que considerou mais difícil e qual o momento que mais o fascinou?
João Cosme: É uma excelente pergunta e de difícil escolha, pois foram vários os momentos fascinantes que passei no terreno em volta de muitas espécies, umas mais colaborantes, outras de difícil observação. Talvez todo o processo de filmagem dos abutres e águia-real tenha sido o mais emocionante e, provavelmente, o que me causou mais frustração pelas falhas consecutivas. Nem sempre este trabalho corre como pretendemos, bem pelo contrário. Para conseguir uma sequência sobre uma espécie são necessários muitos dias no terreno e insistir até chegar ao pretendido. Por vezes, falta um plano que pode demorar meses a captar ou, se o conseguirmos, pode não estar como o previsto. Pode ser frustrante e desanimador, mas faz parte.
W: Quais as suas maiores inspirações?
João Cosme: A minha paixão pela natureza, mais concretamente pela vida selvagem, iniciou-se na adolescência. Nessa fase tive um grande influenciador, o espanhol Félix Rodriguez de la Fuente que, na época, realizou a série televisiva “O Homem e a Terra”. Foi, sem dúvida, o que despertou este meu interesse pela natureza. Depois sempre segui grandes séries televisivas relacionadas com documentários de natureza, como várias séries da BBC e, provavelmente, a minha maior referência é Joaquin Gutierrez Acha. Este é um dos melhores realizadores europeus, com filmes absolutamente fascinantes e a vantagem de serem produzidos sobre a nossa fauna ibérica, que é a minha grande paixão. Tive o privilégio de ter colaborado numa das produções deste realizador, “Montado, o bosque do Lince-ibérico”. Apreciei como funcionava uma grande produção, os meios envolvidos, a exigência e o cuidado incrível de cada sequência dos seus filmes. Estas experiências ajudam-nos a ter outras perspetivas e fazem-nos evoluir profissionalmente.
W: Para os amadores que gostavam de começar na área de documentários de natureza, que conselhos pode dar?
João Cosme: Em primeiro lugar, que sejam exigentes e tenham boas referências nesta área. Vejam séries televisivas sobre documentários de natureza, fotografia, livros, revistas, para terem uma boa cultura visual. Penso que é o grande problema que temos em Portugal. Não sabemos distinguir o que é bom, razoável e medíocre, isto não só para quem produz, mas também para o público em geral. É também importante construir um projeto consistente e bem delineado, onde possa haver boas sequências e histórias numa fotografia, assim como planos equilibrados, e nunca exagerar em imagens de drone. Não compreendo como alguns documentários ou promos, que têm mais de 90% dos planos produzidos, sejam obtidos por imagens aéreas, sem qualquer sequência ou história. Na BBC existe um equilíbrio enorme entre planos de drone e terrestres. Por último, que acreditem na sua capacidade, nos seus sonhos e no trabalho que fazem, mas com humildade.
W: Como comenta o panorama actual português de realização de documentários de natureza?
João Cosme: Se compararmos com alguns anos atrás, melhorou imenso. Existem mais produções que ajudam a divulgar o nosso património natural. Mesmo assim acho que continua a existir falta de apoio a grandes produções de qualidade. Mas, sem dúvida que atualmente o panorama nacional está a crescer em produções o que não quer dizer que a qualidade seja sempre a melhor, em alguns casos.
W: Está prevista a presença do documentário em televisão? Onde podem as pessoas vê-lo?
João Cosme: Sim, estão previstas várias exibições a nível nacional, como na Guarda, dia 14 janeiro, e no Porto, dia 24, mas todo este processo de exibições está a cargo da Rewilding Portugal.
Na televisão nacional será exibido em breve na SIC, ainda sem datas definidas. Existe também a possibilidade de ser transmitido em canais internacionais, mas ainda está numa fase negocial.
W: Quando começou a fotografar e a filmar a natureza e porquê?
João Cosme: Iniciei esta minha paixão pela observação de aves, por pequenos passeriformes e pelas grandes aves de rapina, de seguida passei a outros grupos de animais. O facto de ter uma paixão pela natureza e de a querer divulgar, foi o princípio para iniciar o gosto pela fotografia, influenciado por séries televisivas nesta área, já referidas anteriormente. Quando comecei a fotografar, ainda na era da película, o processo era mais complicado e, sobretudo, mais dispendioso do que o do digital. Os resultados eram uma incógnita, mas fascinante quando se recebia a película revelada. Atualmente, a evolução é mais eficaz e o digital veio ajudar na produção de documentários e fotografia de natureza. O meu grande objetivo é divulgar o património natural do nosso país; tentar levar, através da imagem, uma mensagem e sensibilizar para a importância da conservação da natureza, sendo esta crucial para o próprio ser humano.