É durante o mês de junho que o alho-porro-bravo (Allium ampeloprasum) sai à rua. Uma planta que anda de cabeça em cabeça a festejar os santos populares e que muitas pessoas acreditam ser um sinal de sorte e de bênção.
Este antigo ritual pagão remonta ao tempo dos Celtas, quando celebravam a mãe-natureza e davam as boas-vindas ao solstício de verão, oferecendo ervas aromáticas que queimavam em fogueiras para espantar o mau-olhado e para obter prosperidade e fertilidade.
Amaryllidaceae
O alho-porro-bravo (Allium ampeloprasum) tem inúmeros outros nomes comuns: alho-bravo, alho-ordinário, alho-de-verão, alho-francês, alho-inglês, chalotes, porreta, porro-hortense, porro-pratense e porro-bravo.
É uma planta da família Amaryllidaceae, que engloba perto de 2.300 espécies, algumas das quais bem conhecidas como o agapanto (Agapanthus africanus), a amarílis (Amaryllis belladonna) e a clívia (Clivia miniata).
Mais de 1.000 espécies desta família pertencem ao género Allium, a que pertencem esta planta e que agrupa espécies de grande importância económica como a cebola (Allium cepa), o alho (Allium sativum), o cebolinho (Allium schoenoprasum), entre outras.
Em Portugal, podemos encontrar representantes de quatro géneros botânicos pertencentes a esta família, dos quais se destacam algumas espécies do género Narcissus, por serem endémicas de Portugal continental e outras exclusivas da Península Ibérica.
Das espécies exclusivas de Portugal continental destacam-se a N. calcicola, N. scaberulus e a N. willkommii. Já das espécies exclusivas da Península Ibérica, ocorrem em Portugal Continental a N. asturiensis, N. cavanillesii, N. cyclamineus, N. jonquilla, entre outras.
Muitas destas espécies constam da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, que sinaliza as espécies ameaçadas de extinção em Portugal Continental.
Em Portugal continental também podemos encontrar outras espécies nativas, como a campainha-amarela (Narcissus bulbocodium), as campainhas-de-outono (Acis autumnalis), o cebolinho (Allium schoenoprasum), o narciso-trombeta (Narcissus pseudonarcissus) e o lírio-das-areias (Pancratium maritimum).
Nos arquipélagos da Madeira e dos Açores não há registo de espécies nativas desta família botânica, embora ocorram muitas espécies exóticas.
Alho-porro-bravo
O alho-porro-bravo é uma planta herbácea, perene, que se desenvolve a partir de um bolbo. O bolbo é ovóide a globoso, solitário, revestido por uma túnica externa coriácea, lisa e acinzentada. Em redor do bolbo principal é comum formarem-se numerosos bolbilhos amarelados, sésseis ou ligeiramente pedunculados.
As folhas são simples, longas e finas e surgem ao longo da metade inferior do caule. São glabras, sésseis, mais ou menos suculentas, de cor verde-azulada e possuem bainha membranosa e margem lisa ou ligeiramente áspera.
As hastes florais surgem do centro do bolbo, são robustas, parcialmente envolvidas por folhas, têm uma seção circular e são sólidas. As hastes florais podem crescer até cerca de um metro de altura.
No topo da haste floral desenvolve-se uma inflorescência, geralmente esférica – umbela, com cinco a nove centímetros de diâmetro, densa, com uma com uma bráctea caduca na base e com numerosas flores, às vezes parcialmente substituídas por pequenos bolbilhos.
O alho-porro-bravo floresce durante os meses de maio a julho, e as flores podem ser brancas, esverdeadas, róseas ou roxas. As flores vão abrindo, na inflorescência, em pequenos grupos, numa sequência definida, ao longo de vários dias. Em geral, entre a abertura da primeira e da última flor de uma umbela, podem passar de 25 a 30 dias.
Após a polinização, maioritariamente realizada por abelhas e borboletas, que são atraídas pelo seu pólen e néctar, as flores vão murchando lentamente e transformam-se em pequenas cápsulas, com uma a duas sementes por lóculo.
A dispersão das sementes é essencialmente barocórica, ou seja, as sementes caem por ação da gravidade, em consequência do seu próprio peso.
Em meados do mês de agosto, a parte aérea do alho-porro-bravo seca, ficando o bolbo em repouso vegetativo até ao final do inverno, altura em que volta a formar-se as primeiras folhas.
Habitat
O Allium ampeloprasum ocorre espontaneamente pelo sul e oeste da Europa, Cáucaso, oeste da Ásia e norte de África.
Em Portugal ocorre, como espécie nativa, um pouco por todo território continental, excepto nas regiões do Minho e Douro Litoral, e como planta introduzida nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
É uma espécie com elevada plasticidade de habitats, ocorrendo preferencialmente em solos pedregosos, secos e bem drenados e em locais com exposição solar plena.
O alho-porro-bravo pode ser encontrado na clareira de bosques e de matagais, em prados secos, dunas, arribas litorais, nas vinhas, em campos de cultivos e baldios e na berma de caminhos e estradas.
O nome científico da espécie está diretamente relacionado com o seu habitat natural. O nome genérico Allium é o nome clássico, em latim, para o alho, do celta all, que significa “áspero, quente e picante”, pela sensação que se tem ao mordê-lo. O restritivo específico ampeloprasum deriva da conjugação de duas palavras gregas: ampelos-, que significa “vinha” e –parson que significa “junto”, por ser comum encontrar esta planta a crescer nas vinhas.
Ornamental, medicinal e alimentar
O alho-porro-bravo é uma planta inconfundível, muito interessante como ornamental, devido às suas longas hastes florais e às vistosas inflorescências, e por tratar-se de uma planta de cultivo muito simples, de fácil adaptação à vivência no jardim ou no vaso.
É uma planta com diversas aplicações farmacológicas: fungicida, antiparasitária, antiasmática, antisséptica, balsâmica, diurética e vasodilatadora.
É muito comum no tratamento da pressão arterial alta e é um importante aliado do sistema digestivo, pois auxilia o processo digestivo, graças à presença de óleos essenciais que estimulam a secreção de sucos gástricos. Além disso, possui interessantes propriedades carminativas que reduzem os gases intestinais, úteis em caso de inchaço abdominal.
O alho-porro-bravo, como acontece com outras espécies do género Allium, contém alicina, uma substância química que tem efeito antibiótico, útil no tratamento de problemas de reumatismo, artrite e gota, mas também para resfriados e gripes, para os quais também é útil a vitamina C que possui, que ajuda a fortalecer o sistema imunológico.
As suas propriedades desintoxicantes e diuréticas também são fundamentais, uma vez que promovem a secreção de líquidos no organismo e a eliminação de substâncias tóxicas por meio dos rins.
O alho-porro-bravo é também uma planta usada na alimentação, cozido, em puré ou em creme com legumes, em saladas, ovos mexidos ou em omelete. Tem um cheiro forte e sabor intermédio entre o alho e a cebola.
Embora tenha um importante contributo no regime alimentar humano, o alho-porro-bravo pode causar problemas digestivos, se ingerido em grande quantidade, e pode ser nocivo para os animais, nomeadamente cães e gatos.
Ancestral do alho-francês
O alho-porro-bravo é a espécie de onde foi domesticado o alho-francês, também conhecido como alho-porro, “leek”, em inglês e “poireau”, em francês, muito comum na alimentação humana.
Embora a classificação científica seja a mesma, o alho-francês foi selecionado do seu ancestral, distinguindo-se deste pela forma do bolbo, largura das folhas, ciclo de vida e características químicas.
O alho-francês apresenta um valor nutritivo importante. Contém vitamina C, vitamina A, fibras, proteínas e vários minerais, entre os quais se destacam o magnésio, o ferro e o potássio e é um dos alimentos base para a preparação de sopas e temperos na indústria alimentar.
Esta planta pode ser consumida crua ou cozida, e tanto a parte branca quanto a verde podem ser usadas. A parte branca possui um aroma muito próximo do alho ou da cebola, embora de sabor mais suave e delicado, geralmente utilizada em recheios e refogados de legumes e nas mais diversas preparações. A parte verde tem um sabor mais amargo e é mais utilizada para a preparação de molhos e sopas.
A flor que usamos durante as festas populares é geralmente do alho-porro-bravo espigado, que de mão em mão e de cabeça em cabeça faz a festa. Segundo a tradição e a sabedoria popular, protege do mau-olhado e até há quem diga que se for guardado de um ano para ou outro dá sorte. Se for oferecido, ainda melhor.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.
Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.
Bolbo – caule subterrâneo de eixo curto, cujas folhas, transformadas em escamas, contém substâncias nutritivas de reserva e que se mantém ativo ao longo de todo o ano.
Túnica – membrana que reveste o bolbo.
Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.
Bolbilho – bolbo mais pequeno, que se forma na axila das escamas de um bolbo maior, a partir do qual se pode originar uma nova planta.
Séssil – que se insere diretamente pela base, sem pecíolo ou pedicelo.
Pedunculado – que tem pedúnculo, “Pé” que sustenta a flor.
Glabra – sem pêlos.
Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.
Umbela – inflorescência em que as flores se agrupam em forma de guarda-sol.
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.
Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.
Dispersão Barocárica – modo de dispersão das sementes por ação da gravidade, em consequência do seu próprio peso.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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