As características morfológicas das plantas são essenciais para que as possamos identificar e classificar. No entanto, a morfologia externa das espécies é muitas vezes semelhante e é necessário algum cuidado particular para não as confundir.
Para identificar corretamente uma espécie recorremos a chaves dicotómicas e a floras.
As chaves dicotómicas são ferramentas de apoio à identificação de espécies, por meio de descrições sistemáticas de algumas características da morfologia externa das plantas. Estas descrições das características físicas das plantas são apresentadas em diferentes etapas, com alternativas em duplas opções opostas entre si.
A escolha de cada uma dessas alternativas determina a passagem para a etapa seguinte, até que se chegue a um determinado resultado. A identificação resultante da análise da chave dicotómica deve ser comparada com a descrição pormenorizada da Flora. A Flora é uma obra escrita onde estão representadas e descritas as espécies vegetais que compõem o coberto vegetal de um determinado território. (Ex. “A Flora de Portugal”, por António Xavier Pereira Coutinho e a “Nova flora de Portugal: continente e Açores”, por João do Amaral Franco). Pode também recorrer-se à observação direta de material de herbário.
Espécies com características muito próximas podem apresentar relações de parentesco muito distantes. É o que acontece com o folhado (Viburnum tinus) que, devido à cor e forma das folhas, pode ser confundido com outras espécies, nomeadamente o loureiro (Laurus nobilis).
O folhado
O folhado – também conhecido como loureiro-de-jardim, folhado-comum, viburno, milfolhado e laurestim – pertence à família das Adoxaceae e que engloba outra espécie bem conhecida da flora nativa de Portugal, o sabugueiro.
É uma espécie perene, com porte arbustivo até aos 2 a 4 metros de altura. A copa é densa, muito ramificada e arredondada.
As folhas são simples, inteiras, coriáceas e apresentam uma forma oval a lanceolada. De cor verde-escuro-brilhantes na página superior e com algum indumento piloso na região das nervuras da página inferior.
As flores são hermafroditas, de cor branca a rosa-pálido, encontram-se agrupadas em inflorescências, designadas como cimeiras – inflorescência com o eixo principal de crescimento limitado, terminado numa flor, que é a primeira a abrir, enquanto as restantes se desenvolvem lateralmente. A floração ocorre abundantemente no início da primavera. No entanto é possível encontrar esta planta em flor a partir de janeiro.
O fruto é uma pequena drupa carnuda, ovóide, azul-escura brilhante na fase inicial de maturação e que depois se torna preta. A frutificação ocorre entre o final do verão e o início do outono. Os frutos permanecem na planta durante algum tempo.
Espécie muito ornamental
O folhado é uma espécie nativa do sul da Europa, norte de África e Ilhas Atlânticas.
Em Portugal ocorre em todo o território continental e nos arquipélagos. Ocorre em bosques de carvalhais, sobreiras e azinhais, matagais e em galerias ribeirinhas.
Tem preferência por locais abrigados, húmidos e sombrios, mas também prospera se exposto a plena luz. Suporta qualquer tipo de solo, desde que ligeiros, frescos e ricos em húmus. Tolera temperaturas negativas.
A sua folhagem verde e brilhante, bem como a sua floração e cor dos frutos, os quais permanecem na árvore por muito tempo, tornam esta espécie muito interessante do ponto de vista ornamental. Trata-se de uma das espécies mais cultivadas, como arbusto ornamental, em Portugal.
É um arbusto pouco exigente em manutenção e bastante resistente à poluição urbana. É frequentemente plantado em sebes floridas ou isolado. Possui um rápido crescimento na fase jovem, abrandando com a idade. Atinge a maturidade por volta dos 10 anos, podendo viver além dos 40 anos.
Além do interesse ornamental, esta espécie tem inúmeras aplicações medicinais, sendo eficaz no combate às dores de cabeça, dores de dentes e estados febris. Os seus frutos e folhas são tóxicos, não devendo ser ingeridos, pois podem provocar náuseas, vómitos, diarreia e dores gastrointestinais.
Outra curiosidade desta espécie passa pelo suco negro dos frutos, que era muito utilizado na Antiguidade como sucedâneo da tinta.
Folhados de Portugal
Para além do folhado (Viburnum tinus), estão presentes em Portugal outras espécies nativas de Viburnum. No território continental podemos encontrar o noveleiro ou bola-de-neve (Viburnum opulus) e o Viburno (Viburnum lantana), ambas de folha caduca.
O Viburnum opulus é um pequeno arbusto, de folhas verde-claro, na página superior, tornando-se amarelas a avermelhadas no outono, ligeiramente pubescentes na página inferior. As flores são brancas, surgem na primavera, agrupadas em inflorescências esféricas semelhantes a um novelo. O fruto é uma drupa esférica avermelhada.
O Viburnum lantana é um arbusto muito ramificado, de folhas verde-claras, ligeiramente serrilhadas. As flores, agrupadas em inflorescências, são pequenas, de cor creme e surgem no início do verão. O fruto é uma drupa ovoide de cor roxa a preto, quando madura.
Estas duas espécies têm uma enorme distribuição na Europa, Ásia e norte de África. No entanto, em Portugal são muito raras, pois encontram-se já no limite da sua área de distribuição natural. Podem encontrar-se na orla de bosques ripícolas e em zonas de montanha da região de Trás-os-Montes.
O Viburnum trealeasei, vulgarmente conhecido como folhado, também tem porte arbustivo, e é de folha persistente, como o Viburnum tinus. De folhas verde-escuras e brilhantes na página superior e pubescentes na página inferior. A floração ocorre na primavera e as flores surgem dispostas em inflorescências densas de cor branca ou cor-de-rosa. O fruto é uma drupa de cor azul-escura, quando maduro.
É uma espécie endémica dos Açores, e está presente em todas as ilhas, com exceção da ilha da Graciosa. Ocorre naturalmente em florestas naturais de Laurus e Juniperus, em zonas de matos de Erica e em zonas declivosas. No entanto, apesar da distribuição alargada por todas as ilhas dos Açores, o estado de conservação desta espécie é preocupante, estando em risco de extinção, pois apenas alguns indivíduos foram encontrados no meio natural.
A designação científica desta espécie é muito antiga e de etimologia incerta. O nome genérico Viburnum, deriva do latim “viere” – de entrelaçar, amarrar ou de “vovorna” – de lugares selvagens. O restritivo específico tinus era o nome dado, pelos romanos, ao Loureiro selvagem (Larus nobilis), devido à semelhança das suas folhas com as do loureiro.
A forma mais imediata para saber se está perante um loureiro ou um folhado é cheirar as suas folhas, pois ambos não partilham o cheiro característico do louro.
A identificação destas e outras espécies permite-nos perceber que há espécies que são muito semelhantes mas que não têm qualquer tipo de parentesco. Cada uma das características que são usadas para descrever uma planta – forma da folha, da flor, do fruto, etc. é que nos ajuda a distinguir as diferentes espécies.
Da próxima vez que olhar para uma planta, veja os pormenores que a fazem diferente das outras.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
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