Guarda-rios (Alcedo atthis). Foto: Vengolis/Wiki Commons

Saiba que vida selvagem procurar onde quer que vá neste Verão

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Não é preciso marcar safaris ou ir até locais remotos para que a Natureza faça parte das suas férias. Na verdade, até um passeio na cidade pode proporcionar encontros com a vida selvagem. Basta saber procurar.

Na cidade

Os jardins das cidades são o local por excelência para um contacto com a Natureza, mas não são os únicos. Onde quer que haja árvores, pode haver chapim-azul (Cyanistes caeruleus) a fazer-se anunciar com o seu canto característico. Outro som habitual nas cidades é o canto da milheirinha (ou chamariz, Serinus serinus), cujo macho se identifica bem pelo seu tom amarelo.

Chapim-azul (Cyanistes caeruleus). Foto: Ann/Pixabay
Macho de milheirinha ou chamariz (Serinus seriunus). Foto: Charles J. Sharp

Também as toutinegras (Sylvia sp.) e o chapim-real (Parus major) são bastante comuns, e junto a muros de pedra, prédios ou casas poderá avistar a mancha vermelha da cauda do rabirruivo (Phoenicurus ochruros).

Nesta altura do ano, ao amanhecer e ao fim de tarde ouvem-se os gritos estridentes dos andorinhões-pretos (Apus apus) a entrar e a sair dos ninhos sob as telhas. Em muitas cidades, pode ver “condomínios” de andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) no topo dos prédios.

Andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum). Foto: Michael Palmer/Wiki Commons

 Olhar para cima numa cidade pode revelar habitantes mais inesperados. Prédios altos com cavidades são bons locais para as aves de rapina repousarem ou até fazerem o ninho. Em Lisboa, por exemplo, na Torre do Tombo e no edifício da Caixa Geral de Depósitos, é frequente verem-se peneireiros (Falco tinnunculus). Estas pequenas aves de rapina de corpo cor de ferrugem e cabeça cinzento-azulada são também uma presença comum em Beja e Évora, por exemplo. Em Évora, se passear no centro histórico, dentro das muralhas, poderá também encontrar gralhas-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula). Este corvídeo vê-se também na Guarda, na zona da Sé.

Peneireiro-comum (Falco tinnunculus). Foto: Zeynel Cebeci/WikiCommons
Gralha-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula). Foto: Matthias Barby/Wiki Commons

Outra forma de encontrar Natureza na cidade é olhar para baixo. Em manhãs soalheiras, se vir um movimento rápido junto aos seus pés, é provável que tenha interrompido os banhos de sol de uma lagartixa. Se parar por um momento e olhar o chão em redor, provavelmente vê-la-á a sair de alguma fresta, para se aquecer novamente ao sol. Ao nível do solo estão também muitas vezes os relvados e canteiros, que além de atraírem borboletas, abelhas e outros insetos, podem eles próprios conter surpresas. Nos relvados do Hospital da Universidade de Coimbra, no parque de Monsanto (Lisboa) e em Loulé, por exemplo, brotam orquídeas selvagens.

Orquídea erva-abelha (Ophrys apifera). Foto: Nilfanion/Wiki Commons

No campo

Em zonas de campos abertos, procure o voo ondulado da poupa (Upupa epops). Se passear num espaço mais seco e pedregoso, procure o andar característico das cotovias (Galerida cristata e Galerida theklae). Já nas plantações de cereais, poderá observar bandos de pintarroxos (Linaria cannabina) e pintassilgos (Carduelis carduelis).

Poupa (Upupa epops). Foto: Helena Geraldes
Pintarroxo (Linaria cannabina). Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

Mais acima, pousado num poste ou a pairar no ar, poderá avistar um peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus). Esta espécie vê-se especialmente no sul, em Trás-os-Montes ou no Litoral, frequentemente associada a zonas agrícolas.

 No Sul e no Interior do país, esteja atento ao chamamento dos abelharucos (Merops apiaster), semelhante ao apito de um árbitro. Se o ouvir, procure um bando a alimentar-se de insetos em voo, ou veja se está algum pousado num fio. Por outro lado, o canto de um cartaxo-comum (Saxicola rubicola) é sinal para dirigir o olhar para tudo o que possa servir de poleiro: procure-o nas sebes, nos arbustos, e no topo das árvores. Outra ave que se avista frequentemente a cantar no topo das árvores, em fios elétricos e noutros sítios altos é a milheirinha.

Abelharuco (Merops apiaster). Foto: Bernard DUPONT/Wiki Commons
Cartaxo-comum (Saxicola rubicola). Foto: Fernando Losada Rodríguez/Wiki Commons

Num passeio no bosque, mato ou floresta, nem sempre é fácil ver as aves por entre a vegetação, mas algumas fazem-se ouvir bem. É o caso do inconfundível cuco (Cuculus canorus), e, no interior do país, do papa-figos (Oriolus oriolus). Um pouco por todo o país, poderá ouvir o canto matraqueado de uma toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala), ou avistar o barrete avermelhado do picanço-barreteiro (Lanius senator). No interior do país, poderá ter a sorte de avistar uma águia-cobreira (Circaetus gallicus) a voar com uma cobra nas garras.

Papa-figos. Foto: Dûrzan/Wiki Commons
Águia-cobreira. Foto: Juan Lacruz/WikiCommons

 Umas férias no campo podem ainda proporcionar oportunidade de ver mamíferos como coelhos (Oryctolagus cuniculus) e lebres (Lepus europaeus), e, em Trás-os-Montes, corços (Capreolus capreolus) e veados.

Junto à água

Se passar as férias junto à água, terá oportunidade de encontrar outros animais. O vistoso guarda-rios (Alcedo atthis) passa como um raio de azul a voar sobre a água. Em lagos, açudes e barragens, pode observar o mergulhão-de-poupa (Podiceps cristatus). Na primavera, com sorte, poderá testemunhar a sua exuberante dança nupcial, em que macho e fêmea abanam a cabeça, esticam os pescoços e se erguem espalhafatosamente na água. Também nos açudes, albufeiras e estuários do litoral pode ver maçaricos-das-rochas (Actitis hypoleucos), muitas vezes a alimentar-se nas margens.

Guarda-rios (Alcedo atthis). Foto: Vengolis/Wiki Commons
Mergulhão-de-poupa. Foto: Frank Vassen/Wiki Commons

Em açudes mais pequenos avistará certamente a testa vermelha da galinha-d’água (Gallinula chloropus). Se ouvir um som parecido com um porco, é provável que seja um frango-d’água (Rallus aquaticus). Procure minuciosamente entre a vegetação, ou se o som vier de perto de alguma vala procure lá dentro ou nas bermas.

Nas zonas do Tejo, Sado e Alentejo, os açudes, lagos e barragens são um bom sítio para observar andorinhas-das-barreiras (Riparia riparia) nas suas manobras aéreas para apanhar insetos sobre a água. Esta pequena andorinha castanha e branca identifica-se pela gravata castanha e pela cauda curta, quase quadrada.

Nas serras do Centro e Norte do país, nas bermas de pequenos cursos de água corrente e límpida, pode ainda ter a sorte de avistar um melro-d’água (Cinclus cinclus) pousado numa pedra ou tronco.

Perto de água poderá ainda encontrar lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), e, mesmo que não tenha a sorte de ver uma lontra (Lutra lutra), pode saber da sua presença por umas pegadas na margem ou pelas fezes com cheiro a peixe, nas quais muitas vezes se conseguem ver escamas ou cascas de lagostim.

Macho de lagarto d’água (Lacerta schreiberi). Foto: David Perez/Wiki Commons

E não se esqueça de reparar nos seres mais pequenos. Pare para reparar em insetos como os alfaiates (Gerris lacustris), que conseguem caminhar sobre a água, ou admirar as cores vibrantes das libélulas e libelinhas. Em terra, experimente levantar uma rocha ou tronco caído: poderá descobrir todo um novo mundo de escaravelhos, formigas, minhocas e outros invertebrados. Nas zonas áridas do interior, pode até encontrar um escorpião a descansar debaixo da pedra.

Na praia

A banda sonora de umas férias na praia é pautada, claro, pelo grito das gaivotas. No verão, nas praias portuguesas encontrará sobretudo gaivotas-de-patas-amarelas (Larus michahellis). Mas no Algarve poderá também avistar a gaivota-de-audouin (Ichthyaetus audouinii), com o seu bico vermelho e forte e chamamento mais rouco. Outra presença típica nas nossas praias é uma ave a pairar sobre a água, olhando para baixo à procura de peixe: a chilreta, ou andorinha-do-mar-anã (Sternula albifrons).

Gaivota-de-audouin (Ichthyaetus audouinii). Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

Em praias menos movimentadas ou em momentos mais calmos, na maré-baixa verá umas pequenas aves rechonchudas que parecem brincar na orla das ondas: os borrelhos-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus), que se alimentam de pequenos animais enterrados na areia molhada. Seguindo o exemplo destas aves, pegue na pá ou use as mãos para descobrir quem se esconde na areia: facilmente encontrará pequenos caranguejos, bivalves como as conquilhas, e outros invertebrados. Por vezes, dão à costa alforrecas (não lhes mexa, pois as células urticantes continuam ativas mesmo que a alforreca esteja morta), e no areal poderá também encontrar um pequeno pacote preto que parece uma almofada com os cantos esticados: é um ovo de raia ou de tubarão.

Ovo de raia. Foto: Tylwyth Eldar/Wiki Commons

E há vida selvagem ainda antes de chegar à praia. No Algarve, ao caminhar pelos passadiços – evite caminhar sobre as dunas para não danificar este ecossistema especial – pare um momento a observar os arbustos e a vegetação rasteira. Passe o olhar lentamente de ramo em ramo, e talvez seja recompensado ao descobrir um camaleão (Chamaeleo chamaeleon).

No barlavento algarvio, pode ainda encontrar uma planta que não existe em mais nenhum local: a Linaria algarviana, uma pequena erva com uma flor roxa e branca.

As falésias e rochedos junto à costa, por seu lado, albergam um outro rol de espécies. Aí fazem ninho andorinhões, rabirruivos, peneireiros e falcões-peregrinos (Falco peregrinus).

Linaria algarviana. Foto: Luis nunes alberto/Wiki Commons

Na estrada

O contacto com a Natureza pode começar assim que começa a viagem: há várias espécies, sobretudo de aves, que se veem bem a partir da estrada. Nos postes de alta tensão, os “condomínios” de cegonha-branca (Ciconia ciconia) são já um clássico.

Também várias espécies de rapina frequentam as bermas das autoestradas, aproveitando para se alimentar de animais atropelados. A pairar “ao largo” da estrada vêem-se frequentemente os pequenos peneireiros, que conseguem manter-se no ar por períodos impressionantemente prolongados, “peneirando” as asas para se manterem no mesmo sítio. Poderá também ver milhafres-pretos (Milvus migrans), com a sua cauda bifurcada, em forma de rabo de bacalhau. Esta ave é particularmente comum na zona de Coimbra, que alberga a maior colónia urbana da espécie na Europa. Outra presença regular é a águia-d’asa-redonda (Buteo buteo), a fazer jus à alcunha de “águia-dos-postes”, poisando em postes elétricos, de telefone, etc. à procura de alimento.

Águia-d’asa-redonda (Buteo buteo). Foto: vogelskijken/Wiki Commons
Picanço-barreteiro (Lanius senator). Foto: Michele Lamberti/Wiki Commons

Em estradas secundárias, com menos movimento, poderá avistar um picanço-barreteiro nos fios e arames farpados. Com alguma sorte, pode ser surpreendido por uma perdiz (Alectoris rufa) a atravessar a estrada, ou até a andar por ela, com uma fila de pequenos perdigotos atrás. Sorte maior será avistar a passagem de uma mãe-javali (Sus scrofa) com os seus bacorinhos, ou, mais ao cair do dia, de uma mãe-raposa (Vulpes vulpes) com os seus raposinhos.

Crias de raposa (Vulpes vulpes). Foto: Michael L. Baird/Wiki Commons

Nas imediações das cidades do Litoral Centro e Norte, é frequente ver-se a mancha preta-e-branca da pega-rabuda (Pica pica), enquanto no Alentejo, Algarve e Trás-os-Montes se vê o azul-acinzentado do charneco, ou pega-azul (Cyanopica cooki).

No Alentejo, nos campos de cereais ao lado da estrada pode avistar uma abetarda (Otis tarda). Aqui, e no sul do país em geral, se a estrada for ladeada por um barranco de terra, pode albergar ninhos de abelharuco.

Qualquer que seja o seu destino nestas férias, a Natureza estará consigo. Parta à descoberta!


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

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