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Pimpinela saxifraga. Ilustração: Carolina Correia

Ellas ilustran botánica: Portuguesas entre as ilustradoras contemporâneas na nova exposição do Real Jardim Botânico de Madrid

15.03.2024

Retirar do anonimato e homenagear o trabalho das mulheres ilustradoras de Botânica, ao longo dos séculos, é o fim da exposição patente em Madrid até 19 de Maio. Carolina Correia, Catarina França e Rita Cortês são três das ilustradoras portuguesas seleccionadas para representar as ilustradoras contemporâneas nesta exposição.

A exposição Ellas Ilustran Botánica, de 22 de Fevereiro a 19 de Maio, tem como objectivo “reconhecer o trabalho das pioneiras na ilustração botânica e apresentar o trabalho das ilustradoras contemporâneas”, segundo um comunicado do Real Jardim Botânico-CSIC de Madrid. A mostra ocupa as duas salas do Pavilhão Villanueva (Sala Norte e Sala Sul) e ainda a sala Green Open Gallery daquela instituição.

Green Open Gallery. Foto: Exposição “Ellas ilustran botánica”

Fruto da colaboração entre o Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), através do Real Jardim Botânico (RJB), e a Universidade Complutense de Madrid, através da Faculdade de Belas Artes, a iniciativa tem como objectivo recuperar a memória das precursoras que abriram caminho com os seus lápis e pincéis às artistas actuais.

Raquel Monje, da Faculdade de Belas Artes, explicou em comunicado que esta exposição mostra  as “diversas linguagens, estilos e técnicas artísticas” usadas ao longo da história da ilustração botânica feminina. 

Segundo Toya Legido, artista, professora de Belas Artes na Universidade Complutense de Madrid e uma das quatro comissárias desta exposição, “o objectivo é dar a conhecer como as mulheres estiveram envolvidas no estudo, classificação, documentação e representação das plantas, através de mais de 300 obras e reproduções botânicas em diferentes formatos como livros, desenhos, gravuras, fotografias, esculturas e animações”.

Legido e as outras comissárias da exposição – Lucia Moreno Diz, Ana J. Revuelta e Mónica Gener, também professoras da UCM – explicam que a iniciativa também conta, “através das suas interessantes biografias, como ao fazer este tipo de trabalhos, as mulheres romperam com os moldes sociais da época e foram traçando os caminhos da igualdade”.

A secção “Pioneiras na ilustração botânica”, na Sala Norte, apresenta a história da ilustração científica através das obras originais, reproduções de ilustrações, livros históricos, modelos didáticos e as biografias das autoras. A viagem começa no século XVII apresentando algumas das mulheres mais relevantes nas disciplinas do desenho, pintura e gravura, como Anna Maria Vaiana, Alida Withoos e Giovanna Garzoni.

A partir do século XVIII nota-se a influência das viagens a outros continentes e o fascínio pelas plantas exóticas ali descobertas. Neste período encontramos as primeiras mulheres que embarcaram em expedições científicas para documentar a flora e a fauna autóctone, como Maria Sibylla Merian ou Berthe Hoola van Nooten.

Durante o século XIX, o estudo da botânica foi considerado uma scientia amabilis e começou a ser incluído nos programas de ensino feminino, destacando-se o trabalho de mulheres educadoras como Sarah Ann Drake, Mary Delany ou Elizabeth Twining, cruciais para a aprendizagem e o desenvolvimento da ilustração e estudo das plantas.

No século XX, as mulheres começaram a profissionalizar-se como ilustradoras botânicas, começando a ser contratadas para documentar espécimes em jardins botânicos e em revistas e assinando as suas obras, saindo definitivamente do anonimato.

A Sala Sul é dedicada às ilustradoras contemporâneas. Aqui mostra-se como, a partir do século XX, a iconografia botânica se amplia, graças ao uso de técnicas e ferramentas como a fotografia, o microscópio, os raios X ou o scanner, destacando o trabalho de mulheres pioneiras na utilização destes métodos científicos de captação da imagem como Jeannette Klute, pioneira na investigação de técnicas de fotografia a cores, a aplicação dos raios X na obra de Dornith Doherty ou o uso do microscópio electrónico no caso de Claudia Fährenkemper.

Por fim, a sala Green Open Gallery, na Cátedra Cavanilles, é dedicada a ilustradoras científicas botânicas contemporâneas de todo o mundo.  As ilustrações nesta sala surgem de uma convocatória mundial difundida através das redes sociais e em colaboração com diferentes sociedades de ilustradoras botânicas como a Korea Botanical Arts Cooperative e a Society of Botanical Artists. A resposta a esta convocatória aberta foi “extraordinária” e ali pode-se ver uma selecção de mais de 600 contribuições vindas de 22 países.

“Este fluxo de expressão artística representa o talento e a diversidade de 200 ilustradoras excepcionais, que deram o seu carácter único à ilustração científica, mostrando como esta arte transcende as fronteiras geográficas”, segundo um comunicado do RJB-CSIC.

Carolina Correia, Catarina França e Rita Cortês são três das ilustradoras portuguesas seleccionadas para mostrar as suas obras nesta exposição, ao lado de outras ilustradoras como Sara Simões, Mafalda Paiva ou Rita Faia. Fique a conhecê-las um pouco melhor e as obras que têm expostas.

Catarina França

Ilustração: Catarina França
Ilustração: Catarina França

WILDER: O que a motivou a responder ao desafio e a concorrer a esta exposição?

Catarina França: Quando vi o Open Call para uma exposição de ilustração científica de botânica feita por mulheres fiquei muito entusiasmada por ser um tema específico de que gosto muito e que não é muito comum. Tenho feito bastantes trabalhos nesta área que cada vez me interessa mais e, por isso, resolvi concorrer.

W: Pode descrever a ilustração que submeteu (nomeadamente as técnicas usadas)?

Catarina França: Submeti duas ilustrações feitas a aguarela e guache – Cassia fistulaSenna siamesa – feitas para a exposição de “Plantas de Macau e do Oriente” que aconteceu no Museu Oriente em 2019. Estas (e outras) ilustrações foram resultado de uma bolsa de curta duração da Fundação Oriente. Estas ilustrações foram realizadas a partir dos esboços feitos a grafite no local onde se encontram as plantas e depois trabalhadas e pintadas com aguarela e guache no estirador, em casa.

Foto: Exposição “Ellas illustran Botanica”

W: O que representa para si ser uma das 200 ilustradoras botânicas contemporâneas desta exposição?

Catarina França: Foi uma enorme honra ser selecionada para esta exposição, uma vez que a qualidade das ilustrações selecionadas é muito elevada e reúne participações de todo o mundo. As ilustrações científicas do Open Call constituem uma das salas da exposição, sendo que as outras duas salas correspondem às ilustrações artísticas contemporâneas e às ilustrações das mulheres ilustradoras científicas pioneiras dos séculos XVIII, XIX e XX. Por isso, a exposição é visualmente muito bonita e também muito rica, porque estas três abordagens se complementam.

W: Como começou a desenhar e porquê?

Catarina França: Desenho desde pequena. Em algumas fases desenho muito, noutras fases menos intensamente. Muitas vezes o desenho e a pintura tornam-se uma meditação e as horas passam a correr. Gosto sobretudo de sair da cidade e ir passear, sem horas, para a natureza, para o campo e levar um bloco para desenhar.

Rita Cortês

Nerium oleander. Ilustração: Rita Cortês

WILDER: O que a motivou a responder ao desafio e a concorrer a esta exposição?

Rita Cortês: Quando surgiu a hipótese de submeter ilustrações botânicas para a exposição eu estava a acabar um trabalho para a Universidade de Évora, no âmbito do projecto sobre o Biomontado. Tinha um conjunto de pranchas botânicas recém acabadas e, com a autorização das autoras do trabalho, resolvi mandar algumas para a exposição.

W: Pode descrever a ilustração que submeteu (nomeadamente as técnicas usadas)?

Rita Cortês: As duas ilustrações que foram escolhidas para a exposição são uma Aroeira (Pistacia lentiscus) e um Loendro (Nerium oleander). São duas espécies presentes no Montado alentejano português. A técnica usada foi mista. Devido às características do trabalho para a qual se destinavam (grande quantidade de ilustrações em pouco tempo, com o objectivo final de serem publicadas num guia) a técnica usada foi essencialmente digital. Depois de uns esboços à mão, a montagem e os acabamentos de cor são digitais.

Pistacia lentiscus. Ilustração: Rita Cortês

W: O que representa para si ser uma das 200 ilustradoras botânicas contemporâneas desta exposição?

Rita Cortês: Representa um enorme orgulho fazer parte desta comunidade.

W: Como começou a desenhar e porquê?

Rita Cortês: A desenhar a sério comecei na arqueologia. Tive o privilégio de ter um pai arqueólogo, que soube aproveitar o meu gosto pelo desenho e me ensinou muito cedo as bases que me permitiram depois começar a trabalhar no meio. Depois de muitos anos sem desenhar, voltei ao desenho científico com o Prof. Pedro Salgado, nos cursos do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa.

Carolina Correia

Pimpinela saxifraga. Ilustração: Carolina Correia

WILDER: O que a motivou a responder ao desafio e a concorrer a esta exposição?

Carolina Correia: Estando ainda no início do meu percurso como ilustradora, tenho tentado ao longo do último ano participar em várias iniciativas que me permitam divulgar o meu trabalho. No ano passado (2023) participei no concurso Young Botanical Artists Competition lançado pela Galeria Shirley Sherwood nos Kew Gardens. Tendo sido uma das finalistas deste concurso, faço parte de um grupo criado para todos os finalistas onde são divulgadas várias oportunidades para nos lançarmos na arte botânica. Foi através deste grupo que soube da chamada a submissões de trabalhos feita pela organização da Ellas Ilustran Botánica e imediatamente quis participar, não só por achar importante o tema da exposição e querer fazer parte de um evento que pretende divulgar e destacar o trabalho das mulheres na Ilustração Botânica, mas também por considerar uma oportunidade importante de me dar a conhecer e conhecer uma grande variedade de ilustradoras contemporâneas.

W: Pode descrever a ilustração que submeteu (nomeadamente as técnicas usadas)?

Carolina Correia: A minha ilustração é uma ilustração feita em aguarela do hábito da planta Pimpinella saxifraga, uma planta da família Apiaceae. Esta família de plantas é uma família fascinante com mais de três mil espécies distintas, algumas bem conhecidas, como a cenoura, e outras bastante infames, como a cicuta. Esta dicotomia e variedade é algo que me fascina e sobre o qual estou a aprofundar o meu estudo. A ilustração que submeti é parte de uma prancha botânica maior que fiz para uma comissão privada e que inclui também algumas estruturas da planta. Para a exposição decidi isolar o hábito e limpar digitalmente o desenho para melhor se inserir no tema da exposição.

W: O que representa para si ser uma das 200 ilustradoras botânicas contemporâneas desta exposição?

Carolina Correia: Para mim, para além de ser um privilégio, é um comprovativo de que estou onde devo estar. Ainda estou relativamente no início da minha carreira como ilustradora científica e botânica, para a qual tenho trabalhado desde 2018, primeiro apenas de forma semi-profissional e nos últimos três anos de forma mais séria. Como em qualquer área artística, nem sempre é fácil encontrarmos o nosso lugar e o percurso muitas vezes não é linear. No entanto, são oportunidades como estas que me mostram por que devo continuar a trabalhar pela minha arte e pela minha paixão pela Botânica. É extremamente inspirador ter o meu trabalho selecionado e exposto ao lado da arte incrível produzida por tantas ilustradoras imensamente talentosas, principalmente numa exposição dedicada ao trabalho de mulheres ilustradoras. Além disso, poder fazer parte de exposições que incluem e divulgam trabalhos de artistas contemporâneos é a maior força motivadora para alguém que está a começar.

W: Como começou a desenhar e porquê?

Carolina Correia: Como a maioria das pessoas que tentam a sua sorte como artistas ou ilustradoras, desde pequena que desenhar faz parte da minha vida. Sempre tive o hábito de desenhar e passava muito do meu tempo livre a praticar. O meu percurso na ilustração científica foi muito natural e progressivo, assim como o meu interesse na arte botânica. Como qualquer ilustrador científico, sempre estive dividida entre a Biologia e a Arte. Por esta razão, o meu interesse em ilustração científica surgiu na escola secundária: apesar de ter feito os meus estudos na área de Ciências e Tecnologias e de estudar Biologia, continuei a querer conciliar a minha paixão por desenhar com a minha paixão pelas ciências naturais. A necessidade de me tornar também mais proficiente no desenho fez-me ingressar no curso de Desenho na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, onde tive espaço para explorar técnicas às quais não tinha tido acesso até então. No segundo ano da faculdade voltei a querer focar-me no desenho de natureza e na Ilustração Científica o que me levou a inscrever-me no curso de Pedro Salgado no Museu Nacional de História Natural e Ciência, o qual frequentei até ao fim da minha licenciatura em 2020. Ao Pedro devo tudo o que aprendi sobre a Ilustração Científica e as suas técnicas. Foi o meu tempo no curso do museu que me fez crescer como artista e que, após vários trabalhos e projectos de que fiz parte, me levou a descobrir o meu fascínio pela Botânica. Desde aí que o foco do meu trabalho tem incidido cada vez mais sobre a Botânica, em todas as áreas do meu trabalho artístico. Com o tempo, tenho vindo a interessar-me cada vez mais pela variedade e complexidade que o mundo vegetal tem para oferecer, o que me tem levado a estudá-lo cada vez em mais pormenor. Nos dias de hoje, paralelamente à Ilustração Botânica, e no âmbito do meu trabalho na área da Gravura, tenho gostado de estudar também a simbologia das plantas, bem como a herança visual e científica da Botânica dos séculos XVIII e XIX, a cultura dos herbários e a história da Ilustração Científica clássica.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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