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Restaurar a floresta deve ser o grande desígnio nacional

31.01.2018

O inverno já vai avançado e os incêndios e a floresta continuam, excepcionalmente, na ordem do dia. Com esta novidade, somos tentados a supor que é desta que a situação de calamidade que nos tem assolado de uma forma crescente, será definitiva e eficazmente contrariada. Não penso assim.

 

O debate persiste nestes meses de tréguas, mas apenas porque as tragédias do último verão atingiram uma gravidade extrema. Lamentavelmente, (ainda) não bastaram para encarar as questões de fundo que levam a que ano após ano o território português seja varrido por fogos cada vez mais destrutivos… e assassinos.

 

 

Reconheço que o Estado, o Poder Local, a classe política em geral e até responsáveis por organismos ligados à floresta e à conservação da natureza de quem há muito se esperaria uma postura diferente, têm-se aproximado do discurso que durante muitos anos foi por todos repudiado e atribuído aos “radicais” e “alarmistas” que nem por isso deixaram de reclamar o que cada vez mais se torna evidente e inadiável. Se não se promoverem mudanças profundas do coberto vegetal, se não se recuperar a vegetação autóctone que ao longo de décadas, séculos, fomos destruindo, os fogos vão manter-se e acentuar-se. A dimensão dos danos só depende das condições climatéricas. Os cientistas que há muito vêm alertando, dizem que elas continuarão a agravar-se.

Há cada vez mais responsáveis a defender a necessidade de uma melhor “gestão florestal” e de um “correcto ordenamento”. Mas quando não se passa disto, soam a generalidades repetidas por quem contribui para que nada mude.

Assistimos ao resultado de séculos de desflorestação. A agricultura e a pastorícia e o seu posterior abandono, cobriram o país de matos. Paralelamente, já com o território desflorestado, fizeram-se arborizações intensivas baseadas em espécies exóticas de crescimento rápido, algumas com um carater infestante. Manchas contínuas de pinheiro-bravo, de acácias, de eucalipto ardem com violência, principalmente quando a incúria e o crime reinam com a intensidade a que temos assistido nas últimas décadas.

 

 

A Reforma da Floresta recentemente aprovada pelo governo sugere que pouco ou nada se vai alterar, reflectindo uma vontade em manter o status-quo. Defende a manutenção da mesma área sujeita a eucaliptais e pinhais, não promove mudanças profundas do coberto vegetal, o retorno de uma verdadeira floresta. Se o combate aos fogos que agora se defende já não se limita a conceder mais meios aos bombeiros, a simples limpeza de matos nas bermas das estradas e em torno dos aglomerados urbanos, a remoção de matéria arbustiva combustível, mesmo que em larga escala, só por si, não resolve o problema de uma forma estrutural. Para além de utópica, pode até ser pouco recomendável se eliminar a regeneração de vegetação natural em espaços importantes para a conservação da natureza e para a biodiversidade.

O reforço das equipas de sapadores que o governo vem promovendo nas áreas protegidas (Peneda-Gerês, Douro Internacional,..) para executar esta gestão da carga combustível e uma resposta rápida e conhecedora no combate aos fogos é muito importante, fundamental, se paralelamente foram desencadeadas acções de reflorestação para que, de uma forma natural, os matos sejam restringidos e a floresta recupere e se auto-proteja.

Para tal importa contrariar a ideia generalizada de um combate aos fogos, através do fogo, que nem sempre é “controlado”, questão a que se associa outra ideia errada, a de uma “época de fogos” fora da qual não existem riscos e se pode queimar. Impõe-se igualmente a alteração de práticas no que toca ao pastoreio que hoje se leva a cabo e que passa obrigatoriamente pelo maneio de pastagens confinadas e delimitadas num território ordenado onde gado e floresta saibam conviver.

 

 

Importa voltar ao terreno. O Estado (e as autarquias), devem reactivar os viveiros-florestais, recriar a rede de guardas-florestais, produzir árvores autóctones para substituir as arborizações erradas e abandonadas das matas públicas empreendidas no passado, por carvalhais e sobreirais resilientes ao fogo. Devem igualmente apoiar a reconversão de pequenas parcelas eucaliptadas ou cobertas por pinhais abandonados, de proprietários que em muitos casos não dependem delas economicamente. Abatem as árvores, quando não ardem, mas nada fazem se elas forem consumidas pelo fogo, apenas ficando à espera que cresçam, de uma nova oportunidade.

Portugal tem pela frente um enorme desafio. O regresso da (verdadeira) floresta é um projecto que levará décadas a realizar, mas com o qual se combaterão com maior sucesso os grandes fogos florestais, se ajudará a promover o regresso da população ao interior, se reforçarão novas e motivadoras fontes de rendimento, se garantirá uma melhoria ambiental, o restauro de recursos naturais fortemente afectados pelas monoculturas que tomaram conta do nosso território e que continuam a degradar os solos e a qualidade da água e do ar, gerando prejuízos humanos e materiais que nunca se contabilizam no custo-benefício da indústria de produção de pasta e papel. Territórios desumanizados, abandonados pelo homem, só sobrevivem ao fogo se os ajudarmos a cobrirem-se com o arvoredo que detinham antes de o termos destruído.

Um desafio que impõe uma mudança profunda do paradigma económico e, tão difícil quanto isso, um entendimento generalizado das forças políticas que permita que a execução de tão inadiável projecto fique imune às mudanças cíclicas no poder. Tal só ocorrerá quando a sociedade civil o impuser. Ou, pior que isso, as alterações climáticas nos empurrarem para um beco de onde só sairemos com mais sofrimento e perda.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Leia aqui todas as crónicas de Miguel Dantas da Gama publicadas na Wilder.

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