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O Inverno do nosso contentamento

04.02.2015

Este ano tem sido a valer. Um Inverno frio e com neve, como normalmente o imaginamos. Nos melhores bosques, o arvoredo caducifólio agora despido de folhagem contribui para uma nova policromia, imperdível para quem se inquieta com uma natureza vibrante ou para quem vibra com a possibilidade de a captar em instantes ou enquadramentos irrepetíveis.

Os troncos muito claros das bétulas são os que mais contrastam com a folhagem verde perene dos omnipresentes pinheiros-bravos, ou dos silvestres em ares mais serranos.

Outros protagonistas arbóreos ganham notoriedade pelo alimento que concedem a muita da fauna selvagem que não arreda pé com a chegada do frio e a algumas das espécies de aves que vieram passar o Inverno connosco. Azevinhos de folhagem permanentemente cerrada estão carregados de conspícuas bagas vermelhas e alguns medronhos ainda se espalham pelo chão, passado o pico da sua maturação.

Dejectos de fuinhas e de muitos outros mamíferos com quem elas partilham o bosque, saltam à vista sobre pedras, velhos troncos ou noutros locais propositadamente escolhidos para funcionarem como marcadores de territórios, comprovando também o consumo destes frutos numa época em que a variedade da dieta se estreita para todos.

Com as nevadas que este Inverno nos tem brindado, alguns animais mais prevenidos entregam-se ao desfrute de uma dispensa recheada de comida arrecadada durante os últimos meses. O esquilo-vermelho movimenta-se muito menos, interrompendo longos períodos passados no seu refúgio para descer ao chão do bosque repleto de folhagem, já que no solo também há pinhas e ainda castanhas e “landes” de carvalhos, de sobreiros e de azinheiras que ele carrega árvore acima, reforçando as reservas.

Aguarela: Helena Geraldes
Aguarela: Helena Geraldes

À água que não tem faltado em rios e ribeiros, junta-se o ar saturado de uma humidade omnipresente que tudo cobre e vai gelando durante noites longas e, em locais mais expostos, ao longo de todo o dia.

Mais do que nunca, chapins das várias espécies misturam-se em bandos, voando de ramo em ramo por trajectos ciclicamente repetidos. As estrelinhas-de-poupa, agora por cá, muito pequenas e discretas, fazem o mesmo. Mas a maior parte da fauna residente resguarda-se, mostra-se menos, poupando o consumo de energia, mais difícil de recuperar.

Atentos ao que nos rodeia e optando preferencialmente por uma das nossas serras como destino das saídas de campo, podemos avistar espécies de aves que em grupos mais ou menos numerosos acorrem no Inverno. Tentilhões-montez, lugres e cruza-bicos estão entre as mais comuns, se o ano for de feição, isto é, pródigo em sementes que elas aqui procuram. O melro-de-peito-branco é mais raro, furtivo e solitário, pelo que um encontro exige mais sorte. É nesta estação que os estorninhos-malhados se juntam aos estorninhos-pretos e também quando várias espécies de tordos confluem no território.

O arvoredo despido torna mais fácil a detecção de ramos partidos e de cascas de árvores mordidas ou polidas por ungulados que em diferentes épocas do ano aí raspam as suas hastes, marcam territórios ou tentam desparasitar-se.

Com a neve abre-se um livro que muitos sabem poder ler-se em caminhadas sobre ela. É uma oportunidade para mais facilmente procurar e identificar pegadas e rastos deixados pelos animais selvagens, uma vez que eles utilizam trilhos e outros caminhos abertos pelo homem. Existem manuais de campo dedicados a esta identificação.

Aguarela: Helena Geraldes
Aguarela: Helena Geraldes

Raposas, corços, javalis e várias espécies de mustelídeos contam-se entre as mais comuns, um pouco por todo o país. Nalgumas áreas montanhosas do norte também é possível detectar, impregnados na neve, sinais deixados por lobos, cabras-montês e veados.

Mas se quisermos procurar vida mais rara, devemos subir a maiores cotas. Pardais-alpinos e escrevedeiras-das-neves, talvez até trepadeiras-dos-muros têm tendência a dispersar ou a migrar das suas áreas de distribuição tradicionais, mais a norte, fugindo de temperaturas extremas e surpreendendo quem normalmente não as tem por perto. Sentimo-nos mais próximos deles num espaço que aos nossos olhos se torna então mais selvagem. Do mesmo falamos quando, após grandes nevões, em dias sem vento, afastados de cursos de água, do barulho dela a correr, se faz um silêncio sepulcral. É um “ruído” que “atordoa” quem não está acostumado a esta experiência, muito especial, que por isso se recomenda.

Na perspectiva de um naturalista num país com serras de dimensões e altitudes modestas, o Inverno é tanto melhor quanto mais rigoroso se revelar. Ele está aí, à nossa espera. Àqueles que o vão procurar deseja-se sorte, também necessária para que depois aqui nos possam contar (e, se possível, mostrar) como foi que se deram estes desejados encontros com plantas e animais silvestres.

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