Do que falam os cientistas quando se referem à polinização? E porque é tão importante protegermos os animais que a fazem? Estas e outras perguntas têm resposta nesta primeira crónica da série “Guardiões das Flores”, uma parceria entre a Wilder e o projeto PolinizAÇÃO, do CFE – Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra.
As plantas são a base da vida na Terra, sendo essenciais em inúmeros ecossistemas e processos naturais. E fazem-no no conforto da “sua casa” uma vez que permanecem, durante toda a vida, fixas ao solo pelas raízes. Mas então, como é que encontram os seus parceiros e se reproduzem?
Ao longo de milhões de anos, as plantas desenvolveram uma importante parceria com aliados inesperados – os agentes polinizadores! Embora algumas utilizem a polinização abiótica, realizada pelo vento ou a água, para se reproduzirem, a maioria depende da polinização biótica, realizada por animais. Insetos, aves e até morcegos transportam os grãos de pólen de flor em flor, permitindo a sua reprodução e a formação de frutos e sementes, em troca de recompensas como o pólen e o néctar. A este processo dá-se o nome de polinização.
Os polinizadores são, assim, os guardiões das flores, permitindo a manutenção das comunidades de plantas e dos ecossistemas onde estas vivem. Mas não só! Para nós, humanos, a polinização tem um papel importantíssimo, pois é responsável pela produção de muitos dos nossos alimentos e de outros produtos, como medicamentos e roupa.
Porque é que a polinização é tão importante?
Cerca de 90% das plantas com flor, ou seja, mais de 300 000 espécies, dependem da polinização realizada por animais para se reproduzirem, incluindo plantas comuns como os trevos e as lavandas. Sem reprodução, muitas das plantas estão condenadas à extinção. Desta forma, a maioria dos ecossistemas naturais e a sua biodiversidade estão fortemente dependentes da polinização e, consequentemente, dos polinizadores que a realizam. Em Portugal e na Europa a grande maioria dos polinizadores são insetos, como as abelhas, borboletas e moscas-das-flores.
E a importância dos polinizadores não termina aqui! Ao assegurarem a polinização, uma vez que garantem a manutenção das comunidades de plantas com flor, esses animais estão também a desempenhar um papel crucial em processos vitais como a purificação do ar e da água, essenciais à vida.
Além disso, as plantas são também uma fonte de recursos essenciais para nós, tais como fármacos, vestuário e alimentos. Estes últimos podem assumir a forma de frutos e sementes, produtos diretos da polinização, ou então a forma de folhas, caules, raízes e flores, estruturas vegetais que dependem indiretamente do mesmo processo. De facto, um dos aspetos-chave da polinização para o ser humano é a sua ligação à nossa alimentação: cerca de 75% das culturas agrícolas dependem ou beneficiam da polinização animal para a sua produção.
Em Portugal, os insetos são também o principal grupo de polinizadores das culturas agrícolas. Sem eles, muitas frutas, legumes e outros produtos que fazem parte da nossa dieta alimentar tornar-se-iam escassos. Em casos extremos, poderiam até vir a desaparecer alimentos como as maçãs, as cerejas, as abóboras e os pimentos, além de produtos como o chocolate, a baunilha e até o café! No que respeita a estes alimentos, os polinizadores são importantes não apenas para a produção, mas também para a sua qualidade e valor nutricional. Por exemplo, mais de 90% das fontes de vitamina C provêm de culturas dependentes da polinização animal, como as laranjas, as mangas e os melões. Esta é sem dúvida essencial para a nossa nutrição, estando diretamente ligada ao fornecimento de alimentos e de vitaminas e minerais indispensáveis à saúde humana.
A polinização desempenha também um papel crucial na medicina, tanto de forma direta como indireta. Produtos como o mel e a própolis, produzidos pela abelha-do-mel (Apis mellifera), destacam-se pelas suas propriedades anti-bacterianas, anti-virais e até anti-cancerígenas, graças à presença de diversos compostos orgânicos ativos. Além disso, assegura também a reprodução de inúmeras plantas com propriedades medicinais, bem como a produção de frutos e sementes que dão origem a produtos como o óleo de argão e a vimblastina, este último um fármaco utilizado no combate ao cancro.
Podemos dar um valor à polinização?
Considerando apenas o contributo direto dos polinizadores para a nossa alimentação, é estimado que este serviço tenha um valor anual entre 220 e 550 mil milhões de euros. Estes números são obtidos tendo em conta o valor económico de cada produto e a percentagem de produção associada aos polinizadores das diferentes culturas agrícolas.
Para calcular até que ponto a produção de um alimento está dependente da polinização da respetiva planta, os cientistas realizam experiências controladas no campo. Estas incluem métodos como o isolamento de algumas flores com saquinhos de organza, que impedem o acesso dos polinizadores. Assim, é possível comparar o desenvolvimento das flores isoladas com o das flores expostas aos polinizadores e avaliar o impacto da polinização na produção. Os valores de dependência da polinização animal que daí resultam são essenciais na tomada de decisões relativas à gestão dos agroecossistemas, mas também em avaliações do contributo económico deste serviço de polinização.
Contudo, os estudos disponíveis mostram que a produção das culturas agrícolas que dependem da polinização animal está a aumentar, tornando evidente que dependemos cada vez mais dos polinizadores para a produção de alimentos. Adicionalmente, como já destacámos, ao valor económico associado à nossa alimentação somam-se os contributos para a saúde humana e ambiental, componentes difíceis de quantificar e ainda não incluídos nas estimativas do valor deste serviço. Tudo isto torna claro que o valor real da polinização é muito superior às estimativas atuais.
Com o Natal mesmo aqui à porta, imaginas a tua mesa sem o chocolate, o mel, a abóbora, as amêndoas ou as maçãs? Os polinizadores são responsáveis por estas e muitas outras iguarias que fazem as nossas delícias nesta época natalícia!
Catarina Siopa trabalha como investigadora no CFE – Centro de Ecologia Funcional, na Universidade de Coimbra. Nesta crónica também colaboraram como autores Helena Castro, João Loureiro e Sílvia Castro, igualmente do CFE, tal como as investigadoras que asseguraram a revisão: Carolina Caetano e Cândida Ramos. O texto foi ainda revisto por Inês Sequeira, da equipa da Wilder.