Um abelhão morto no chão
Foto: Tomas/Flickr

Guardiões das flores: Que ameaças enfrentam os nossos polinizadores?

Início

Fique a conhecer os principais problemas que em Portugal afetam estes animais tão preciosos para a vida no planeta, nesta nova crónica da série Guardiões das Flores – uma parceria entre a Wilder e o projeto PolinizAÇÃO, do CFE – Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra.

Estamos perante uma crise de biodiversidade e os polinizadores não são exceção. Estes animais são cruciais na manutenção dos ecossistemas e na produção de alimentos, mas enfrentam diversas ameaças que colocam em risco a sua sobrevivência e, consequentemente, a saúde dos ecossistemas, da agricultura e, também, a nossa própria. 

Em Portugal, a maior parte da polinização é realizada por insetos, embora outros animais também possam desempenhar esse papel. Entre as ameaças diretas ou indiretas aos polinizadores, destacam-se a perda de habitat, o uso de pesticidas, as espécies exóticas invasoras, as alterações climáticas, doenças, parasitas e poluição.

Infografia das principais ameaças aos polinizadores. Fonte: TCE, com base em informações da IPBES

Fragmentação e destruição de habitat

A destruição de habitat é hoje uma das principais ameaças à diversidade dos polinizadores. Nos últimos anos temos assistido em Portugal a alterações profundas na paisagem, resultado da expansão urbana e da intensificação das práticas agrícolas e florestais, com extensas áreas de monocultura – culturas ou florestas compostas por uma única espécie, como por exemplo amendoais, olivais superintensivos ou eucaliptais. 

Estas alterações promovem não só a destruição e a baixa qualidade dos habitats, mas também a sua fragmentação, ou seja, a divisão em áreas menores e isoladas. Como resultado, torna-se difícil a busca de alimentos e de locais de nidificação, e reduz-se  a diversidade genética, uma vez que os cruzamentos entre populações ficam limitados, tornando estas espécies mais vulneráveis à extinção. Na ausência de habitat apropriado, os polinizadores não têm alimento nem locais onde possam reproduzir-se e, por isso, as suas populações diminuem drasticamente.

A criação e manutenção de ligações entre áreas de habitat favorável para os polinizadores, designadas corredores ecológicos, é uma medida importante e necessária, mas a sua aplicação em Portugal é ainda incipiente. Estes corredores podem ser linhas ou bordaduras de vegetação nativa em áreas de produção, bem como jardins e quintais com plantas autóctones.

Uso de pesticidas

Sabe-se que os pesticidas, sobretudo inseticidas, causam uma elevada mortalidade dos polinizadores. No entanto, existem outros efeitos menos conhecidos, como a diminuição da capacidade de orientação, da longevidade e da capacidade de reprodução. Estes efeitos podem, na verdade, ter um  impacto maior nas populações destes animais do que a mortalidade imediata.

A União Europeia tem promovido diversas iniciativas para regulamentar a autorização e aplicação de pesticidas, tendo em conta o seu impacto nos polinizadores. Contudo, a guerra na Ucrânia aumentou o “sentimento” de insegurança alimentar e a resistência à proibição de alguns pesticidas.

Existem práticas mais sustentáveis de produzir alimentos, nomeadamente privilegiando a proteção biológica (como o uso de insetos benéficos que controlam pragas), biotécnica(como a utilização de armadilhas para capturar pragas em massa),  cultural(a rotação de culturas, por exemplo), ou genética (cultivo de variedades menos suscetíveis a doenças e pragas). Por outro lado, o uso de pesticidas químicos só deve ser feito após uma monitorização que indique a necessidade da sua utilização e devem ser selecionados os pesticidas de menor impacto ambiental e na saúde humana. Não se devem aplicar na época de floração das culturas e deve evitar-se  a sua dispersão para as plantas de bordadura e das entrelinhas da cultura que possam servir de alimento para os polinizadores, sobretudo se estiverem em flor.

Imagem gerada através de ferramentas de inteligência artificial (chatGPT), por Carla Rego

O impacto das alterações climáticas

As alterações climáticas previstas para a região mediterrânica indicam um aumento da temperatura média de 2 °C  a 5 °C até ao fim deste século. Esperam-se ondas de calor mais frequentes, verões mais longos, com temperaturas acima de 40 °C, e invernos mais amenos. Perspetiva-se também uma diminuição da precipitação anual. 

Estas alterações poderão ter influência na sobrevivência, reprodução e atividade dos insetos polinizadores, trazendo maiores desafios para a sua conservação. Se, por um lado, invernos mais amenos podem favorecer a sobrevivência destas espécies, verões muito quentes podem aumentar a mortalidade. O calor extremo afeta também a capacidade de voo, a recolha de alimentos e a reprodução.

Além do mais, as alterações climáticas podem fazer com que as plantas floresçam antes do período de atividade dos seus polinizadores. Esta assincronia entre os ciclos de vida dos insetos e a floração das plantas pode resultar em polinização menos eficaz e, assim, diminuir a produtividade e sucesso reprodutivo de plantas agrícolas e silvestres. Quando culturas dependentes de polinizadores florescem muito cedo, como a amendoeira, os dias muito frios ou chuvosos não permitem que os polinizadores estejam ativos, afetando a polinização.

Por sua vez, a redução da precipitação também contribui para o problema. Havendo menor disponibilidade de água para as plantas, as flores podem ter menos néctar disponível para os polinizadores se alimentarem.

Por último, fenómenos agravados pelas alterações climáticas, como incêndios, podem destruir grandes áreas de vegetação, contribuindo para a redução das populações de polinizadores. Nos últimos anos, Portugal tem enfrentado incêndios severos e de grande extensão, decerto com graves consequências nas suas populações. A longo prazo, todavia, estas áreas poderão retomar uma vegetação propícia a estes insetos.

Espécies invasoras

A introdução de espécies exóticas invasoras nos ecossistemas, tanto plantas como animais, pode ocasionar graves mudanças. 

As plantas nativas e os seus polinizadores evoluíram em conjunto ao longo de milhares de anos. Alguns polinizadores são generalistas e podem alimentar-se de uma grande variedade de plantas, mas outros são especializados e podem depender de uma única espécie de planta nativa. Ao alterar as comunidades vegetais das quais dependem os polinizadores nativos, a introdução de plantas exóticas invasoras pode afetar estas relações.

Já a introdução de espécies animais exóticas invasoras afeta os polinizadores de várias formas, desde a competição por recursos, à transmissão de doenças e à predação. Por exemplo, a vespa-asiática (Vespa velutina), detetada em Portugal em 2011, é uma predadora voraz e uma grande ameaça para a abelha-do-mel, abelhas selvagens e outros insetos,  sendo de extrema importância monitorizar a evolução da sua distribuição e dinâmica. Além disso, é importante efetuar o controlo e destruição dos seus ninhos, em particular os ninhos primários que são a primeira fase da expansão das suas populações. 

Infelizmente, ainda não foi possível desenvolver armadilhas específicas para a vespa-asiática e as existentes capturam muitas outras espécies de insetos, o que gera impactos na biodiversidade e nas comunidades desses organismos, incluindo os polinizadores. O problema é agravado devido ao uso excessivo destas armadilhas, seja pelo grande número instalado seja pela sua utilização contínua ao longo do ano. Por isso, é fundamental avaliar de forma rigorosa os impactos destas armadilhas na biodiversidade. Existe também alguma confusão na identificação da vespa-asiática e, muitas vezes, a vespa-europeia (Vespa crabro) é morta por ser confundida com a invasora.

Recentemente, foram identificadas em Espanha outras espécies de vespas asiáticas invasoras: Vespa orientalis, detetada em 2022, já estabelecida no sul do país e, que se encontra muito perto da nossa fronteira; Vespa bicolor, presente na região de Málaga desde 2021; e Vespa soror, avistada em 2022 e 2023, nas Astúrias.

Adaptação de infografia comparativa dos padrões de cor mais comuns das espécies asiáticas invasoras detetadas  na Península Ibérica, e comparação com vespa-europeia: Vespa velutina (A), Vespa orientalis (B), Vespa crabro (C) – nativa da Europa, Vespa bicolor (D), Vespa soror (E). Todas estas espécies, com exceção de Vespa crabro, são espécies asiáticas e invasoras na Península Ibérica. Imagem original  do artigo científico “Early Alarm on the First Occurrence of the Southern Giant Hornet Vespa soror du Buysson, 1905 (Vespidae) in Europe” disponível aqui.

Apesar destes diferentes desafios, existem soluções para apoiar os insetos polinizadores. Entre elas, a criação de habitats diversificados com plantas nativas e resistentes ao clima, que floresçam em diferentes alturas do ano, garantindo alimento contínuo. Além disso, a adoção de sistemas agrícolas mais sustentáveis, que pode refletir-se numa grande diversidade de polinizadores, por estes terem acesso a maior diversidade de culturas e graças à  reduzida aplicação de pesticidas. Ao promover a biodiversidade, estamos a proteger o planeta e a assegurar um futuro mais sustentável e próspero para todas as espécies, incluindo a nossa.


Elisabete Figueiredo trabalha como investigadora no centro de investigação LEAF – Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food, do TERRA, com sede no Instituto Superior de Agronomia, onde é também professora. Nesta crónica colaboraram igualmente como autores Manuela Branco, Carla Rego e Helena Ceia. Carolina Caetano e Cândida Ramos, da Universidade de Coimbra, fizeram a revisão do artigo. O texto foi também revisto por Inês Sequeira (Wilder).

Don't Miss