O número de polinizadores e a sua diversidade no território português são muito maiores do que a maioria imagina. Nesta segunda crónica da série “Guardiões das Flores”, uma parceria entre a Wilder e o projeto PolinizAÇÃO, do CFE – Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, fique a conhecer o que os cientistas sabem hoje a esse respeito.
Agora que já se apresentou a relação entre os nossos guardiões e as nossas flores, é tempo de falarmos dos intervenientes que dão nome à nossa série de crónicas – os “Guardiões”. Quem são, afinal, os polinizadores em Portugal? Passam-nos pela cabeça algumas ideias: “A abelha-do-mel, claro!”, “Aquelas abelhas gordinhas às riscas… os abelhões!” ou “Borboletas! São tão bonitas!”. Provavelmente pensou em apenas quatro ou cinco espécies, mas nestas três respostas estão representadas mais de 100 espécies!
Os polinizadores são animais que andam de flor em flor, na maioria dos casos, em busca de alimento (pólen e/ou néctar) e, no processo, transportam acidentalmente pólen entre flores, contribuindo para a polinização e consequente reprodução dessas plantas. Em Portugal existem pelo menos 2 000 espécies de polinizadores, na sua grande maioria insetos. Mas quem são realmente os nossos polinizadores? Neste artigo, destacamos alguns dos principais grupos de polinizadores que consideramos essenciais conhecer – as abelhas, as moscas-das-flores e as borboletas, entre outros.
Os polinizadores com maior relevância na nossa fauna são as abelhas, pois são os únicos que transportam ativamente pólen (para o seu ninho), muitas vezes de um grupo restrito de espécies de plantas. Além disso, alimentam-se durante todas as fases do ciclo biológico exclusivamente de pólen e néctar. No nosso país existem quase 750 espécies que diferem, no estilo de vida (social, solitário ou parasita), dieta de pólen (generalista ou especialista), local e tipo de nidificação (solo, madeira, etc.) ou época ativa de voo (inverno tardio, início da primavera, etc.), entre outras características. Estas diferenças tornam cada espécie única.
Importa destacar que a tão famosa abelha-do-mel (Apis mellifera Linnaeus, 1758)* é apenas uma espécie entre muitas na Europa! No entanto, é muito especial para os humanos por duas razões: é das poucas que foram domesticadas e, acima de tudo, porque é a única na Europa que produz mel. Trata-se de uma espécie social, com colónias compostas por milhares de indivíduos, que se alimentam de uma grande diversidade de plantas. Além disso, é a única capaz de voar, em média, mais de um quilómetro do ninho em busca de alimento.
Em Portugal, as restantes espécies sociais incluem 12 espécies de abelhões, pertencentes ao género Bombus Latreille, 1802. Apesar do protagonismo da abelha-do-mel, é importante lembrar: trata-se de uma única espécie! As restantes espécies de abelhas apresentam uma diversidade impressionante. Algumas podem ser tão grandes como a carpinteira-violeta [Xylocopa violacea (Linnaeus, 1758)], que pode atingir 30 milímetros, ou tão minúsculas como a carpinteira-pequena-anã (Ceratina parvula Smith, 1854), com apenas três milímetros.
A maioria das espécies são solitárias, o que significa que cada fêmea constrói e cuida do seu próprio ninho, sem formar colónias. Além disso, as abelhas solitárias raramente se afastam mais de 250 a 500 metros do seu ninho, durante toda a sua vida. Ou seja, as abelhas apresentam uma enorme diversidade na sua biologia e nos seus requisitos ecológicos, o que as torna particularmente fascinantes e dignas da nossa atenção. São um grupo de polinizadores extremamente importante para o equilíbrio e saúde dos ecossistemas.
Entre os principais polinizadores estão ainda as moscas-das-flores (ou sirfídeos) e as borboletas diurnas, que em Portugal têm mais de 210 e 140 espécies, respetivamente. Na fase adulta das suas vidas, estes insetos alimentam-se do néctar das flores, sendo que os sirfídeos também consomem pólen. Todas as espécies de sirfídeos e borboletas são formas livres, ou seja, sem ligação a um ninho fixo. Além disso, algumas espécies são grandes migradoras, percorrendo enormes distâncias com o objetivo de se reproduzirem e realizarem posturas de ovos.
Nas fases larvares, as moscas-das-flores têm múltiplas estratégias de vida, dependendo da espécie. Algumas atuam como predadoras de outros invertebrados na vegetação, incluindo pragas agrícolas como os afídeos (ou pulgões). Outras alimentam-se de matéria orgânica em decomposição em águas paradas ou em outros micro-habitats húmidos, como buracos em troncos de árvore e valas. Há ainda espécies cujas larvas se alimentam de folhas, caules ou bolbos de algumas plantas. No caso das borboletas diurnas, as lagartas consomem folhas de determinadas espécies de plantas hospedeiras, essenciais para o seu desenvolvimento até à fase adulta.
A lista de polinizadores em Portugal inclui outros grupos de insetos como outras moscas, escaravelhos, percevejos, vespas e até algumas aves de pequeno porte. No arquipélago da Madeira, inclui a lagartixa-da-Madeira [Teira dugesii (Milne-Edwards, 1829)], uma espécie endémica (apenas existe na Madeira)! Antes de um organismo obter o estatuto de polinizador, necessita de ser estudado no que diz respeito à sua eficácia no transporte de pólen e consequente produção de descendência para a planta. Assim, as descobertas científicas nesta área são frequentes, já que este estudo é específico de cada polinizador e de cada planta, num determinado espaço e tempo.
Um caso muito promissor a este nível são as borboletas noturnas (ou traças), que contam com mais de 2 000 espécies registadas em Portugal. Algumas destas espécies têm-se revelado verdadeiras polinizadoras durante os seus períodos de atividade noturna. Mas não se deixem enganar pelo seu nome, porque algumas borboletas noturnas fazem-no mesmo durante o dia!
No geral, o conhecimento sobre a eficiência e impacto de cada polinizador em cada planta, bem como sobre os seus habitats e modos de vida, é ainda muito limitado, não só no nosso país, mas na Europa e noutras regiões do mundo. Existe um grande potencial para a investigação na área, sendo fundamental investir mais neste campo científico, de modo a promover o estudo e o despertar do interesse de futuros investigadores. Só assim podemos compreender melhor e atuar adequadamente na gestão e conservação das espécies e dos serviços dos ecossistemas que estas fornecem, entre os quais a polinização.
Importa sublinhar a necessidade máxima de promover a biodiversidade, especialmente num país inserido na bacia do Mediterrâneo – um dos hotspots mundiais de biodiversidade. A biodiversidade, com a sua plasticidade, resistência e resiliência, oferece diferentes soluções, em vários contextos, para os problemas globais que enfrentamos.
* SABIAM QUE? Os nomes científicos são seguidos do apelido da pessoa que descreveu a espécie assim como o ano em que o fez? Na espécie Xylocopa violacea (Linnaeus, 1758), sabemos que Linnaeus (nome completo Carl Linnaeus) descreveu esta espécie pela primeira vez em 1758!
Hugo Gaspar trabalha como investigador no CFE – Centro de Ecologia Funcional. Nesta crónica também colaboraram como autores Eva Monteiro, Renata Santos, João Nunes e Carla Rego, também investigadores. Carolina Caetano e Cândida Ramos, da Universidade de Coimbra, asseguraram a revisão do artigo. O texto foi ainda revisto por Inês Sequeira, da equipa da Wilder.