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Pega (Pica pica). Foto: Diego Delso/WikiCommons

Pegas têm papel essencial na regeneração dos bosques

06.11.2024

Investigadores da Universidade espanhola de Alcalá descobriram como o comportamento destas aves ajuda na regeneração das florestas em paisagens agrícolas e montados, uma vez que semeiam bolotas pelo campo com a intenção de guardar provisões de alimento para o Inverno.

Alguns animais geram mais simpatia do que outros. É o caso dos golfinhos com as suas caras risonhas ou os pandas pela sua aparência adorável, por exemplo.

Mas as pegas não parecem fazer parte deste grupo, talvez porque sejam associadas a aves predadoras de ovos e de crias.

Uma equipa de investigadores da Universidade espanhola de Alcalá estuda há mais de uma década o comportamento destas aves e um resumo das suas últimas investigações foi publicado recentemente na revista Quercus. Ali revelam que estas aves usam um método eficaz para armazenar e recuperar bolotas no qual a memória espacial, ao contrário do que se pensava, parece ter um papel secundário.

Tudo começou em Guadalajara, onde existem muitos bosques das espécies do género Quercus, do qual fazem parte os sobreiros ou as azinheiras. O fruto destas árvores é a bolota, muito pesada para ser dispersada pelo vento e que “se caísse por gravidade, ficaria debaixo da árvore mãe sem possibilidades de prosperar”, explicou, em comunicado, o investigador Lorenzo Pérez.

As árvores produzem tantos frutos que estas aves não são capazes de comê-los e o que fazem é escondê-los para os ir buscar mais tarde. Guardam-nos como alimento para uma época de escassez, como também fazem os esquilos, por exemplo. Assim, ganham as duas espécies, tanto a animal como a vegetal. A pega consegue prolongar o período de disponibilidade das bolotas, um alimento abundante mas de época; e a árvore consegue que uma parte das suas sementes seja transportada para longe, reduzindo a competição e as possibilidades de que as bolotas sejam roubadas por outros animais. As bolotas dispersadas que não sejam recuperadas – ou por esquecimento, porque o animal entretanto morreu ou se deslocou para outro território -, podem seguir o seu ciclo biológico e transformar-se em árvores.

Comedouro. Foto: Universidade de Alcalá

Os investigadores descobriram que cada casal de pegas é capaz de esconder entre 1.100 e 2.000 bolotas cada Outono, graças ao seguimento de aves anilhadas. Além disso, colocaram radio-transmissores dentro de bolotas colocadas em comedouros para aves, os quais foram monitorizados com câmaras de foto-armadilhagem com sensores de movimento na herdade El Carmen, propriedade da Universidade de Alcalá.

As câmaras captaram como estas aves levam as bolotas e as escondem. Porque as bolotas têm a forma de uma bala, as pegas introduzem-nas no solo martelando-as com o bico como se fossem um prego. Uma vez enterradas, os investigadores localizaram-nas por um sinal emitido pelo transmissor inserido na bolota. Depois, substituem a bolota com o transmissor por uma bolota normal, imitando ao máximo a forma como a pega a enterrou.

Nos meses seguintes acompanharam as bolotas enterradas para comprovar se a semente deu origem a uma nova planta. O resultado é que 1,5% dessas bolotas escondidas chega a produzir uma pequena planta, produzindo uma densidade média de 200 plântulas por hectare, semelhante às densidades usadas em reflorestação, mas as pegas fazem-no todos os anos. E além disso de forma grátis.

Como são as pegas capazes de encontrar as bolotas escondidas?

Até agora pensava-se que os corvídeos tinham um mapa mental com as milhares de posições exactas onde tinham enterrado as bolotas para depressa as recuperarem. Quando os investigadores começaram a experiência deram-se conta de que as aves recuperavam tanto as bolotas que elas tinham escondido como as que tinham sido enterradas pelos investigadores a um metro das anteriores. 

Câmara de foto-armadilhagem. Foto: Universidade de Alcalá

Há nove anos, Lorenzo Martínez de Baroja iniciou a sua tese de doutoramento nesta investigação e repetiu-se a experiência, desta vez com pegas, e os resultados foram os mesmos. Então descobriram que os corvídeos armazenam uma alta densidade de bolotas em sítios que selecionam, por exemplo, debaixo de um arbusto de determinada espécie, e logo fazem uma busca aleatória nesses locais, o que explica porque recuperam também as bolotas escondidas pelos investigadores. O método de localização das suas bolotas escondidas não se baseia na sua memória espacial mas sim numa estratégia eficaz de armazenamento.

Além disso, as pegas são territoriais. Procuram alimentos dentro e fora do seu território mas escondem as suas provisões dentro, em especial perto dos seus ninhos e longe dos ninhos dos seus vizinhos. Assim, apenas 11% das bolotas escondidas foram “roubadas” por pegas vizinhas e dispersadas nos seus territórios.

Além disso, as pegas fazem este trabalho com o seu parceiro reprodutor. Colaboram na criação de um armazém. Assim, se um dos exemplares morrer, o outro é capaz de recuperar o seu espólio. “Por isso observámos como um macho de pega tirava bolotas de um comedouro para o solo. Fazia-o para que a sua companheira, que tinha medo de pousar no comedouro, pudesse aceder às bolotas”, explicou Lorenzo. Por isso, os casais de pegas permanecem juntos no Inverno; não é uma questão de “amor” mas sim de interesse, de sobrevivência e de êxito reprodutivo.

Segundo os investigadores, as pegas ajudam os bosques a regenerar-se e a expandir-se para novas áreas, um trabalho de especial importância num contexto de abandono populacional de zonas rurais.

Este projecto abriu novas linhas de investigação e actualmente também se está a estuar o comportamento de outras espécies de aves com a mesma metodologia, como por exemplo, a gralha-preta. Além disso, os investigadores estão a estudar o que sucede em outras espécies de árvores nos bosques da Galiza. 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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