Quítone. Foto: António França

António França e os quítones, uma paixão que já dura há 45 anos

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António França dedica-se há 45 anos aos quítones, pequenos animais marinhos e “fósseis vivos” que vivem nas poças de maré. Este autodidata e serralheiro durante 40 anos conta à Wilder o que o fascina nestas espécies.

Antes de mais, o que são quítones? Uma das melhores pessoas para nos explicar é António França, reformado de 60 anos e o criador da página de Facebook Quítones de Portugal.

Quítone. Foto: António França

Os quítones, que pertencem ao filo Molusca, “são animais do domínio marinho que vivem em todos os mares do globo, a sua grande maioria na zona intermarés, mas também a grandes profundidades”, explicou à Wilder António França. “Em geral, vivem na zona inter-marés agarrados às rochas alimentando-se de algas.”

“De forma oval e de tamanhos que variam entre os 3 e os 300 milímetros, têm o corpo coberto por oito placas calcárias de várias cores que formam a concha protetora: a que fica na zona da cabeça chama-se cefálica, a que fica perto do ânus chama-se anal e todas as outras são chamadas de intermédias. Estão ligadas por um tecido carnoso que se chama manto ou cinto”, acrescentou.

Quítone. Foto: António França

Estas espécies “têm um pé bastante desenvolvido com o qual se deslocam para se alimentarem de microalgas que raspam com a rádula – uma espécie de lima, que têm dentro da boca”. Os quítones “não possuem olhos e respiram através de brânquias que ficam no interior entre o manto e o pé”. 

“Podem ser avistados ao longo de todo ano em praias de substrato rochoso com poças de maré e canais de escoamento. Mas não são fáceis de avistar uma vez que se encontram na parte inferior de pedras de pequenas e médias dimensões.”

Feitas as apresentações, a história deste fascínio naturalista que leva tantas vezes António França às poças de maré.

António França. Foto: D.R.

António França, 60 anos, foi serralheiro durante 40. “Nos últimos 20 anos fui serralheiro de aço inox e terminei a carreira como chefe de produção. Neste momento tenho uma doença incurável que não me permite trabalhar e há 5 anos passei à condição de pensionista por invalidez”.

Desde cedo que se interessa pela vida marinha junto às praias. Tudo começou com as conchas.

“Desde muito novo, por volta dos meus 15 anos, era já um colecionador de conchas. Fiz-me sócio (nº 88) da extinta Sociedade Portuguesa de Malacologia, onde era possível trocar ideias e conchas com outros sócios nas reuniões mensais”, recordou.

António França. Foto: D.R.

O seu primeiro contacto com quítones aconteceu em 1980. “Comprei o meu primeiro livro sobre conchas em 1980 com o titulo ‘Iniciação à Coleção de Conchas’ onde tive, através de fotografia, o meu primeiro contato com quítones que, na altura, tinham o nome de anfineuros.”

Como recordou, “foi esta frase que despoletou tudo. Então existiam animais que tinham conchas ‘partidas’ em oito placas e viviam nos locais que eu explorava à procura de conchas para a minha coleção. Pensei, vou ter de os encontrar. E foi assim que tudo começou. Quando encontrei o primeiro foi uma alegria enorme pois não possuía na minha coleção nada igual”.

A partir daí nunca mais parou e ainda hoje continua.

Porquê os quítones?

Os quítones pertencem à classe dos poliplacóforos. Actualmente estão descritas cerca de 1.000 espécies de poliplacóforos em todo o mundo, desde as regiões polares às tropicais. Em Portugal estão descritas 20 espécies de poliplacóforos.

António França é fascinado por estes animais há 45 anos e procura-os numa busca constante nas praias, muitas vezes à procura de novas espécies. Mas quais as razões deste fascínio?

“O meu fascínio vai para o facto de se tratarem de autênticos “fósseis vivos”. Além da sua beleza e modo de vida fascina-me podermos observar e tocar num animal que viveu há milhões de anos atrás. Ainda há relativamente pouco tempo (2022) foi encontrado em Portugal um exemplar fóssil com cerca de 3,6 milhões de anos”, explicou.

A sua dedicação “é uma busca constante, contínua e exaustiva para descobrir novas espécies existentes na Costa de Portugal Continental”. Por exemplo, António França trabalha em estreita colaboração com o cientista norte-americano Douglas Eernisse, professor na Universidade de Fullerton onde são feitos testes de ADN às especies que lhe envia. “Também uma espécie que se pensava ser restrita aos Açores foi por mim identificada em praias do concelho de Cascais.” 

Algumas fotografias de quítones captadas por António França foram usadas no projecto Biomar PT Curso Nº 11 – Identificação das espécies de Moluscos não Indígenas da costa portuguesa para identificar a espécie Chaetopleura angulata como espécie não indígena. 

Em 2019 participou no Festival Internacional de Imagem de Natureza, onde viu serem publicadas em livro duas fotos suas de duas espécies de quítones: Acanthochitona crinita e Chiton olivaceus

Entretanto é convidado da Universidade Trás os Montes e Alto Douro (UTAD), através do professor João Carrola para, através de vídeo conferência, dar palestras sobre quítones a turmas do primeiro ano de Biologia.

Ao longo destes anos de dedicação, este naturalista diz ter aprendido “quase tudo sobre quítones”. O que sabe – fruto das suas saídas de campo – partilha “com colegas fora de Portugal (porque em Portugal não conheço uma única pessoa que se dedique a esta Classe)”, através de fotos, textos, vídeos e, quando a situação assim o exige, com alguns exemplares, e vice-versa.

Além disso, criou uma página no Facebook , com mais de 1300 seguidores, onde divulga informação, fotos e vídeo das espécies da nossa costa. 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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