Um dos primeiros descendentes do maior abutre europeu, quando a espécie voltou a nidificar em Portugal, em 2010, Aravil recebeu ajuda quando era ainda uma jovem cria. A Wilder falou com Samuel Infante, da Quercus, e conta-lhe como foi e como agora reapareceu.
Foi graças a uma velha anilha com uma mistura de letras e números já em desuso, tão suja de terra que nem de metal parecia, que Samuel Infante conseguiu identificar Aravil poucas horas depois de o encontrar no Parque Natural do Tejo Internacional, no início de Dezembro, contou à Wilder.
Tal como acontecera antes com outros abutres-pretos, Aravil tinha-se deixado seduzir por um pedaço de carne crua deixado dentro de uma caixa-armadilha, num dos campos de alimentação para aves necrófagas que são geridos pela Quercus no Parque Natural do Tejo Internacional. A ONG portuguesa, dedicada à conservação da natureza, é co-gestora desta área protegida raiana que se estende por mais de 26.000 hectares, ocupando parte dos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Vila Velha de Ródão.
Na verdade, a “armadilha” onde Aravil foi encontrado é bastante maior do que imaginávamos. Samuel descreve-a como “um espaço com 12 metros de comprimento e seis de largura, com 1,5 metros de altura”. Só ali cabemos se ficarmos curvados, mas para os abutres há bastante espaço.
Quando deram com ele dentro da caixa-armadilha, Aravil estava acompanhado por 12 grifos, também abutres, tanto ele como os outros atraídos pela comida. As atenções da equipa centraram-se no abutre-preto, por ser de uma espécie que em Portugal está ameaçada de extinção. Para começar, Samuel Infante e outros membros da Quercus avaliaram a saúde da ave e retiraram-lhe sangue para análises, no âmbito de um projecto de monitorização de chumbo e de outros metais pesados e antibióticos.
“Este bicho é muito antigo”
Na mesma altura foi-lhe também colocado um emissor GPS por Alfonso Godino, em parceria com o projecto LIFE Aegypius Return, como têm estado a fazer aos abutres-pretos adultos capturados na região. “Estes emissores permitem-nos saber quais são as áreas de nidificação e de alimentação dos abutres-pretos adultos e identificar as linhas eléctricas e outras ameaças, além de alertarem para quando um destes animais morre”, explica Samuel Infante, que é coordenador do CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco.
Mas quando reparou que este abutre-preto tinha uma anilha, “tão velha e tão suja que nem parecia de metal”, e com uma série inscrita “que não era usada há mais de 10 anos”, Samuel percebeu: “Este bicho é muito antigo”, recorda-se de pensar.
Assim, horas depois de libertarem a ave, quando chegou a casa, o coordenador do CERAS foi à procura dos registos mais antigos relativos a anilhagens realizadas há mais de uma década. E apercebeu-se de que tinham reencontrado Aravil, mais de 13 anos depois da primeira anilhagem.
“Já sabemos onde está a nidificar, numa azinheira no concelho de Idanha-a-Nova. Tem estado muito perto do sítio onde nasceu.” A ave vai ser vigiada à distância com auxílio do emissor GPS, até porque mostrou ter problemas de coagulação no sangue, “provavelmente associados a altos níveis de chumbo.” Se vier a precisar, pode ser que seja resgatado e regresse por algum tempo ao centro de recuperação de animais selvagens, onde esteve no início da vida.
Um dos primeiros abutres-pretos em Portugal
Foi no final de Junho de 2010, com poucas semanas, que o pequeno Aravil foi encontrado depois de cair do ninho que tinha colapsado em cima de uma árvore. Poderiam ter sido más notícias, se tanto esta cria como outro pequeno abutre-preto também resgatado do chão poucos dias antes, baptizado de Tejo, não tivessem sobrevivido. [Tejo, entretanto, depois de libertado foi monitorizado durante três anos, através de um transmissor de satélite, e foi para o lado espanhol do Tejo Internacional, junto à serra de São Pedro.]
Tanto Tejo como Aravil, este último baptizado em honra de uma ribeira local, eram os primeiros descendentes dos primeiros casais de abutre-preto que em 2010 voltaram a nidificar em Portugal – passados 40 anos de uma longa ausência – vindos da população espanhola do outro lado da fronteira.
Aravil tinha sido anilhado pouco depois de nascer, ainda no ninho. Quando passado algum tempo a equipa que acompanhava o nascimento das duas crias o encontrou no chão, junto à árvore onde tinha nascido, “bastante mal e desidratado”, ficou internado uma semana no CERAS até ser devolvido ao ninho – que tinha sido substituído por uma plataforma artificial instalada no mesmo local, bastante mais segura.
Uma decisão difícil
A devolução da pequena ave ao local onde tinha nascido foi uma decisão arriscada e que poderia não ter resultado, mas acabou por correr tudo bem. “Normalmente os abutres-pretos, quando perdem uma cria, afastam-se. Neste caso ainda continuavam por ali.” A equipa foi contactando diariamente com Aravil às escondidas, subindo por uma escada para o alimentarem. Este mantinha-se sozinho e bastante indefeso, até porque em pleno Verão, numa região quente com aquela, “ainda não tinha penas para se defender do calor”.
Até que houve uma surpresa muito bem-vinda: “Um dia, quando estávamos a observar, um dos progenitores deu uma volta por cima do ninho e pousou. E pôs-se de costas para o sol e abriu as asas, para fazer sombra para a cria.” Perceberam então que iria correr tudo bem. Durante algum tempo, o jovem abutre foi seguido à distância, com a ajuda de um emissor VHF que lhe tinha sido colocado com a colaboração da ONG espanhola Grefa, mas “depois dispersou, a bateria do emissor deixou de funcionar e perdemos-lhe o rasto.”
Contas feitas, desta vez pode ser que Aravil seja seguido por muito tempo. Em cativeiro, sabe-se que aves da espécie vivem cerca de 40 anos, enquanto que na Península Ibérica são conhecidos abutres-pretos que viveram na natureza por mais de duas décadas, nota Samuel Infante. Para já, este abutre faz parte dos 44 a 46 casais que nidificam actualmente nesta região do país, onde vive o maior núcleo populacional português da espécie.
Certo é que agora que foi encontrado, com 13 anos e meio, Aravil é um dos abutres-pretos controlados à distância com mais idade em toda a Europa. Neste caso, o recorde pertence a um outro abutre de 15 anos e oito meses, segundo os dados mais recentes disponíveis de longevidade de aves anilhadas. Talvez Aravil venha a bater essa longevidade. Seriam boas notícias para a espécie e outra história incrível para esta ave.
Saiba mais.
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