O projecto de legislação resistiu a ser chumbado em plenário pelos eurodeputados, mas as organizações de defesa do ambiente mostram-se desapontadas com o resultado das negociações.
A natureza europeia está num estado de deterioração alarmante. Mais de 80% dos seus habitats estão em mau estado. As zonas húmidas, as turfeiras e os habitats de dunas estão entre os mais afectados. Além disso, 71% das populações de peixes e 60% das populações de anfíbios diminuíram na última década.
A proposta de Lei de Restauro da Natureza para a Europa foi aprovada pela Comissão Europeia há um ano, em Junho de 2022.
Esta quarta-feira, a Lei de Restauro de Natureza recebeu luz verde do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, tal como o Pacto Ecológico Europeu – sobrevivendo a uma proposta para que fossem chumbados – mas isso aconteceu apenas depois de uma “luta mais política e ideológica do que racional e devidamente fundamentada”, reagiu esta quarta-feira a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
A organização portuguesa parceira da Birdlife International afirma que “esta vitória veio a um custo elevado”, pois os eurodeputados deixaram cair “muitas obrigações e metas cruciais” para conseguirem o acordo da parte dos políticos conservadores e de direita. Assim, “a posição final é substancialmente mais fraca do que a proposta inicial da Comissão Europeia”, explica a ONG, sublinhando que este resultado “é uma afronta face à urgência das crises climática e da biodiversidade e dos seus efeitos já visíveis no dia-a-dia dos cidadãos europeus”.
Além de “várias derrogações e excepções enfraquecedoras da lei”, existem três razões principais para esta posição, apontadas pela SPEA:
- Os eurodeputados deixaram cair o artigo relativo à promoção de biodiversidade em terrenos agrícolas, que inclui o restauro de turfeiras, consideradas fundamentais para o armazenamento de água e de carbono. Segundo a ONG, abdicaram dessa forma “de um meio essencial para aumentar a capacidade da Europa de sequestrar carbono”, recusando-se “a lidar com a agricultura intensiva enquanto principal causa da perda de biodiversidade”;
- Nesta nova versão aprovada em plenário, foi adoptada uma alteração que “pode atrasar” a implementação da futura legislação, com a exigência de dados científicos a Bruxelas sobre as condições necessárias para garantir segurança alimentar a longo prazo;
- Foi removido um artigo que “garantia o direito fundamental do acesso à justiça, arriscando mais violações da Convenção de Aarhus e um desequilíbrio entre Estados-membros”.
Por sua vez, várias organizações europeias ligadas à investigação científica e à conservação do oceano consideram que a aprovação do Parlamento Europeu se traduz em “alguma esperança para o futuro dos mares da Europa”, mas concordam que as negociações ligadas a esta lei terão sido utilizadas “um trampolim para as eleições europeias do próximo ano por deputados conservadores, de extrema-direita e alguns liberais”.
Num comunicado conjunto, a Seas at Risk, a Oceana e a Sciaena consideram que “o Parlamento votou a favor de um texto fraco que fará pouco para restaurar significativamente a natureza e o oceano, prevenir a perda de biodiversidade ou combater as mudanças climáticas”. Ainda assim, acrescentam, foi também adoptado texto que garante que “a Política Comum das Pescas forneça medidas que permitam o restauro do Oceano”.
A lei deverá enfrentar agora outra ronda de negociações do “trílogo”, com o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu a tentarem chegar a um acordo sobre a versão que será adoptada, em conjunto com a Comissão Europeia.