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Andorinhão-da-serra (Apus unicolor). Foto: Paulo Belo

Andorinhões-da-serra: Estas aves da Madeira já chegaram ao Porto, Lisboa e Cascais

23.06.2023

A ocorrência da espécie em Portugal continental foi confirmada muito recentemente, mas duas das cinco colónias conhecidas estão ameaçadas por obras. A Wilder falou com Paulo Belo, o primeiro a dar o alerta para a presença destas aves no continente.

Foi já perto do Natal de 2019, a 22 de Dezembro, que Paulo Belo reparou em dois andorinhões diferentes no Parque da Cidade, no Porto, e percebeu que tinham “uma dimensão e tipo de voo correspondentes ao andorinhão-da-serra”, conta este professor de educação física de 59 anos, que é apaixonado por aves e colabora com o projecto Andorin.

Mas não se pense que esse registo, o primeiro desta espécie endémica dos arquipélagos da Madeira e das Canárias a ser feito na Europa continental, foi fácil e definitivo. Durante bastante tempo, o assunto foi motivo de divisões e descrença dentro da comunidade de ornitólogos portugueses. Desde logo, porque o andorinhão-da-serra (Apus unicolor) é muito difícil de distinguir dos andorinhões-pretos (Apus apus) e andorinhões-pálidos (Apus pallidus), duas presenças comuns em zonas urbanas de Portugal continental e também elas difíceis de deslindar. Em comum, todas estas aves têm a capacidade de passarem grande parte da vida a voar, acredita-se que mesmo enquanto dormem.

“Só com muito boas condições de observação se conseguem perceber pequenos detalhes que permitem chegar à espécie”, explica este responsável, que nota que “não são muitos os observadores de aves que conseguem fazer uma identificação segura neste grupo de três espécies” e que “a maioria dos registos tendem a ir parar à espécie andorinhão-preto”, assumida como “a mais comum”. Ainda assim, ressalva, a comunidade de ‘birdwatchers’ está a aumentar, enquanto que “a informação também tem vindo a melhorar”.

Andorinhão-da-serra (Apus unicolor). Foto: Paulo Belo

No início o próprio Paulo Belo acreditou que aquelas duas aves teriam sido uma observação casual, fruto dos “fortes ventos” que se faziam sentir por aqueles dias, e que teriam sido “‘arrastadas’ da ilha da Madeira” para o Porto. Mais tarde percebeu que “permaneciam no local”. E a partir daí, “dado tratar-se de uma identificação difícil e de presença muito improvável, houve um longo percurso de seguimento destas aves em busca de evidências que reforçassem a identificação.”

Foi uma odisseia para este ornitólogo amador, que ainda para mais mora a mais de 100 quilómetros do Porto, em Vila Nova de Famalicão, e por isso só de vez em quando ali se deslocava. “Fez-se o estudo de fotografias, a análise do voo a partir das imagens de vídeo obtidas, a análise do tamanho das aves quando voavam junto da andorinhas e quando entravam em cavidades no telhado, a observação de comportamentos…”.

Finalmente, em Janeiro de 2021, obtiveram-se as “primeiras gravações limpas de vocalizações” destes andorinhões. Juntamente com o estudo do ADN “a partir de excrementos recolhidos nos ninhos”, essa recolha de sons tornou “inequívoca a presença do andorinhão-da-serra em Portugal continental”, relata.

Colónias ameaçadas por obras

Além da dificuldade em distinguir estes andorinhões, encontrá-los é um pouco “como procurar uma agulha num palheiro”, uma vez que o número destas aves no continente parece ser muito reduzido, “entre cinco a oito dezenas”.

Ao todo, os andorinhões-da-serra distribuem-se por uma mão cheia de colónias de que já há registos: duas na cidade do Porto, outra em Lisboa e duas em Cascais, sendo uma destas últimas “mal conhecida”. Das restantes quatro, duas estão “comprometidas por obras nos edifícios onde se encontram”, explica Paulo Belo. Uma situa-se no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde “vão entrar em obras e existem três ou quatro ninhos em estores de janelas nos pisos mais baixos”. A outra colónia em risco localiza-se no Porto, na rua Sá da Bandeira, onde um edifício está em obras e colocaram tábuas nas janelas onde havia ninhos, descreve este professor.

Mas se o futuro dessas colónias é incerto, quanto ao passado também não existem muitas certezas, havendo duas hipóteses credíveis. A primeira admite que é possível que a espécie esteja em Portugal continental “há relativamente pouco tempo” e que esteja a passar “por um processo de expansão”, à imagem do que sucede com o andorinhão-pálido.

Andorinhão-da-serra (Apus unicolor). Foto: Paulo Belo

Uma segunda hipótese aponta para uma presença mais antiga. “Desde o início deste século, e até talvez um pouco antes, nota-se alguma regularidade de registos de andorinhões durante a época de Inverno na região de Lisboa e na região do Porto, em áreas próximas às colónias de andorinhão-da-serra atualmente conhecidas”. Ou seja, esses registos com mais de 20 anos poderiam na altura “corresponder já à presença desta espécie”.

Em contraste com o que se passa no continente, é bem diferente a situação destas aves no arquipélago madeirense, onde são chamadas de andorinhas-da-serra. Aqui, tanto na ilha da Madeira como no Porto Santo, é considerada “comum ou abundante”, com vários milhares de casais.

Como identificar um andorinhão-da-serra

E se desconfiar que encontrou um andorinhão desta espécie? Paulo Belo avança com três dicas que podem ajudar na identificação.

Para começar, tem “uma boa ajuda como ponto de partida”: tanto ao início como ao final do dia, os andorinhões costumam concentrar-se junto às suas colónias, muitas vezes situadas “em cavidades em edificações humanas, perto de nós”. Ou seja, não tendo certezas se se trata de um andorinhão-preto, pálido ou da-serra – as três espécies de andorinhões mais semelhantes entre si que ocorrem em Portugal continental – pode-se “voltar ao local e recolher as evidências necessárias para chegar uma identificação segura”. Já se o registo for ocasional e longe da colónia, “fica mais complicado.”

Em segundo lugar, “as vocalizações típicas dos andorinhões são distintas entre as três espécies mais similares”, explica, pelo que “conseguir uma boa gravação das vocalizações pode ser uma grande ajuda na identificação de um andorinhão-da-serra”. Além do mais, conseguir fotografias – uma tarefa nem sempre fácil com estas aves – “também é muito importante” e pode igualmente ajudar.

[Ouça as vocalizações de andorinhões-da-serra, captadas por Paulo Belo]

Por fim, se a observação for feita durante o Inverno, “a presença de um andorinhão em Portugal continental pode ser sugestiva de andorinhão-da-serra, mas isso não é uma condição identificativa”, pois pode tratar-se na mesma de um andorinhão-preto ou um andorinhão-pálido. Embora estas duas espécies sejam migradoras, por vezes há observações ocasionais em meses mais frios. Todavia, “se houver regularidade [de andorinhões] num local, isso sim, já merece muita atenção e a recolha de evidências.”

Existe informação disponível que ajuda a identificar o andorinhão-da-serra, mais detalhada, nos sites do eBird Portugal e do projecto Andorin.


Agora é a sua vez.

Paulo Belo lança-nos um desafio:

“Como a maior parte de nós tem colónias de andorinhão-preto e/ou de andorinhão-pálido perto de casa, um excelente passatempo é ir admirar as suas espetaculares festas aéreas ao final do dia durante os meses de maio a julho, e assim perceber os seus detalhes para melhorar a capacidade de fazer uma boa identificação destas duas espécies. E já agora, contribuir para a sua conservação através do registo de colónias de nidificação no site do Andorin. [Saiba mais aqui sobre esta acção de ciência cidadã.]

A partir daí, torna-se mais fácil perceber pequenas diferenças que ajudam na identificação do andorinhão-da-serra. Para além da diversão na observação destas aves, nunca se sabe quando se descobre uma boa surpresa!”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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